Tabela 1- Principais companhias de armamento no mundo em 2010
Fonte: News Defence (2011).
(mil milhões de dólares) | |||
1 | Lockheed Martin | Estados Unidos | 42.025 |
2 | BAE Systems | Reino Unido | 33.418 |
3 | Boeing | Estados Unidos | 31.932 |
4 | Northrop Grumman | Estados Unidos | 30.656 |
5 | General Dynamics | Estados Unidos | 25.904 |
6 | Raytheon Co. | Estados Unidos | 23.139 |
7 | EADS | Holanda | 15.013 |
8 | Finmeccanica | Itália | 13.332 |
9 | L-3 Communications | Estados Unidos | 13.014 |
10 | United Technologies | Estados Unidos | 11.100 |
11 | SAIC | Estados Unidos | 8.400 |
12 | Thales | França | 8.032 |
13 | ITT | Estados Unidos | 6.097 |
14 | KBR | Estados Unidos | 5.410 |
15 | Honeywell | Estados Unidos | 5.382 |
Guerra permanente
A administração Obama planeia reduzir o défice fiscal do governo federal em cerca de 500 mil milhões de dólares em 2013, graças às poupanças do fim da guerra no Iraque – a qual supostamente excederia os custos do reposicionamento de tropas no Afeganistão. No entanto, o facto é que o presidente Obama e sua equipe não reverteram a lógica das "guerras preventivas" conduzidas pelo seu antecessor – ao contrário do que ele havia sugerido durante a sua campanha eleitoral – e os Estados Unidos não cessaram de "regular" o sistema capitalista mundial através de guerras militares. A crise está estreitamente ligada a estas guerras (Herrera, 3007, 2010b, 2011b). Elas estão integradas no ciclo, de um ponto de vista económico, como formas extremas de destruição de capital, mas também politicamente para a reprodução das condições do comando de fracções da classe dominante – isto é, alta finança – sobre o sistema mundial. Veremos na próxima secção como os oligopólios financeiros lançaram recentemente um assalto ao complexo militar-industrial dos Estados Unidos [que] lhes deu um controle decisivo sobre este sector. Como matéria de facto, o capital financeiro apossou-se de suficientes acções comerciadas publicamente de corporações do complexo militar-industrial para assumir o seu controle.
A despesa militar tornou-se uma grande fonte de lucros para o capital num contexto no qual a utilização de forças armadas é a estratégia imposta sobre o mundo pela alta finança dos EUA como condição para a sua reprodução. A militarização está a tornar-se o modo de existência para o capitalismo. E aqui, o papel do estado (neoliberal) é fundamental para o capital – porque é o estado que vai à guerra no interesse do capital, enquanto as agências governamentais atribuem montantes astronómicos de contratos militares às companhias transnacionais de armamento, através do seu lobbying (Mampaey e Serfati, 2004).
Dever-se-ia observar que os Estados Unidos lançaram suas guerras contra o Afeganistão e o Iraque num momento muito específico. Quanto ao Afeganistão, o ano de 2001 já era um tempo de crise – tal como 1913 e 1938 foram anos de depressão que antecederam as Guerras Mundiais. A crise actual emergiu exactamente quando estavam a ter lugar mudanças na política monetária estado-unidense, seguindo-se o agravamento dos desequilíbrios internos e externos – o primeiro, devido à necessidade de financiamento ligado parcialmente a estas guerras; o segundo devido em parte ao outsourcing, acima de tudo para a China. Portanto, a seguir ao arrefecimento do crescimento económico em 2000, o Fed reduziu grandemente sua taxa de juro: de 6,50% em Dezembro de 2000 para 1,75% em Dezembro de 2001, a seguir para 1,00% em meados de 2003, e ela foi mantida a este nível muito baixo até meados de 2004. Foi precisamente neste momento, quando as taxas de juro reais haviam-se tornado negativas, que os mecanismos da crise subprime foram gerados, com cada vez maior tomada de risco, especialmente no sector habitacional. Então, devido à pressão agravada causada pelo esforço de guerra, o Fed (dentre outras decisões, mas de modo significativo) teve de elevar a taxa de juro dos seus 1,00% de meados de 2004 (isto é, um ano após o começo da guerra no Iraque) para 5,25 em meados de 2006. E logo após, a partir do fim de 2006, começou um incumprimento maciço de pagamentos de hipotecas por parte dos devedores – os seus números a aumentarem devido à contracção do crescimento e à estagnação dos salários.
A Reserva Federal manteve esta ligeiramente alta taxa de juro, acima de 5%, até meados de 2007, embora os sinais da crise já fossem aparentes. Foi só em Agosto de 2007, portanto muito tardiamente, que o Fed começou a dar aos bancos quantidades de crédito a taxas reduzidas, taxas prenda, próximas do zero; este passo, contudo, não conseguiu impedir novos pânicos financeiros. Portanto, a crise explodiu quando uma massa crítica de devedores tinha dificuldades em reembolsar seus empréstimos. Foi este o caso no fim de 2006, depois de o Fed ter elevado suas taxas de juro para atrair o capital a fim de financiar os orçamentos militares que haviam sido inchados por novas guerras. Considerando tudo, não houve vitória militar para os Estados Unidos, nem qualquer ressuscitar da acumulação apesar da destruição provocada por estes conflitos. Ao contrário, o prosseguimento de tais guerras, desde a Líbia, via NATO, até o Iémen, onde em Junho de 2011 o presidente Obama convidou o Pentágono e a CIA a colaborarem estreitamente, está a exacerbar as contradições ainda mais...
A marcha forçada da sociedade iraquiana rumo ao neoliberalismo, começada imediatamente depois de este país ser ocupado, proporciona um "exemplo de tipo ideal" das consequências económicas desta violência. Sem qualquer direito ao Iraque e aos seus recursos, a coligação de ocupação conduzida pelos Estados Unidos (e o Reino Unido) impôs a plena privatização de serviços públicos e uma mudança correspondente na estrutura de propriedade do capital de mais de 200 companhias (nos sectores da água, electricidade, telefone, estações de televisão, ferrovias, aeroportos, hospitais...) a fim de entregá-las a firmas transnacionais sob o pretexto da "reconstrução".
Para este objectivo, Lewis Paul Bremer, o administrador civil da autoridade provisória, então nomeado pelo presidente George W. Bush, durante os seus 13 meses no gabinete [emitiu] cerca de 100 ordens (chamadas "Coalition Provisional Authority Orders"), as quais serviam como substitutos de leis nacionais – mas sem qualquer controle democrático. As companhias transnacionais estado-unidenses (e britânicas) obtiveram aproximadamente 85% de todos os contratos adjudicados. A Ordem 17 defendia os direitos de ocupantes legais e seus subcontratantes, suplementada pela Ordem Executiva 13303, a qual os protegia contra eventual processo nos Estados Unidos. O diploma isentava as 38 firmas na coligação de impostos de importação, ao passo que a Ordem 39 permitia propriedade estrangeira de até 100% em propriedades de terra e companhias iraquianas e não estabelecia restrições à repatriação de investimentos financeiros e lucros no Iraque. A Ordem 400 permitia a estrangeiros comprarem bancos locais. A Ordem 81 impunha a privatização de recursos biológicos, o patenteamento da vida (para sementes agrícolas) e a liberalização dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Em Fevereiro de 2004, o Iraque tornou-se observador na Organização Mundial de Comércio, antes de preencher sua candidatura a membro pleno, num "procedimento de emergência). Em consequência, a guerra no Iraque transformou este país, em meses, numa das mais neo-liberalizadas economias do mundo. [3]
A alta finança e os militares
Em 2010 as despesas militares nos Estados Unidos foram de aproximadamente 700 mil milhões de dólares (Figura 7), isto é, pouco mais de 5% do PIB, a ser comparado com 6% para educação (Figura 8). Isto representou cerca de um quinto do orçamento federal e quase 44% das despesas militares mundiais (Figura 9). Contudo, o fardo real é significativamente maior. Na verdade, algumas estimativas consideram que o total de despesas militares dos EUA, incluindo pagamentos de juros sobre dívidas a elas associadas, actualmente excederia 1,0 ou memo 1,1 milhão de milhões de dólares (Foster e Magdoff, 2009). Mesmo este ajustamento para cima, o "fardo militar" (isto é, a proporção da defesa no PIB) subestima a importância efectiva do sector da defesa na economia americana. Também é necessário avaliar a força destrutiva e o alcance das armas do Pentágono, incluindo o impacto da sua rede mundial de bases militares. Qualquer que seja o critério escolhido para medir a extensão da militarização – incluindo a I&D da defesa (Figura 10) ou despesas de capital dos militares (Figura 11), a superioridade dos EUA é clara.
Não há escassez de modernos "aproveitadores" ("profiteers") da guerra, incluindo oficiais sénior na activa e na reforma, membros de comités do Congresso sobre gastos de defesa e administradores de topo de companhias de armamento, cujas actividades de lobbying obtiveram-lhes lucrativos contratos militares das várias agências governamentais. Aqui estão, em geral, as principais firmas transnacionais produtoras de armas, com vendas astronómicas e contratos de vários milhares de milhões de dólares para cada uma delas, como Lockheed Martin, Boeing, Northrop Grumman, General Dynamics, L-3 Communications, Raytheon, United Technologies, SAIC, ITT, Kellogg Brown & Root, Honeywell, General Electric, ITT, Computer Sciences, etc. (Tabela 1); e mais especificamente, aqueles entre elas que beneficiaram dos contratos adjudicados no Iraque e no Afeganistão: a KBR outra vez (com 14,4 mil milhões de dólares entre meados de 2002 e meados de 2004), a Parsons (5,3 mil milhões no mesmo período), Fluor (3,8 mil milhões), Washington Group (3,1), Shaw Group E&I (3,0), Bechtel (2,8), Perini (2,5), Contrack (2,3), mas também a Tetra Tech, USA Environmental, CH2M Hill, American International Contractors (com cerca de 1,5 mil milhões de dólares respectivamente), e assim por diante (Herrera, 2010b).
O ponto fundamental a ser sublinhado aqui é que o capital financeiro continua a fortalecer a sua recente e bastante rápida ascendência sobre o complexo militar-industrial dos EUA. Isto pode ser visto quando investidores institucionais, eles próprios dependentes dos mais poderosos oligopólios bancários e financeiros dos EUA, capturaram a estrutura de propriedade do capital destas companhias militares. No princípio dos anos 2000, a proporção controlada pelo capital financeiro alcançou 95,0% do capital a Lockheed Martin, 86,5% do da Engineered Support Systems, 85,9% da Stewart & Stevenson Services, 84,7% da L-3 Communications, 82,8% da Northrop Grumman, 76,0% da General Dynamics, 70,0% da Raytheon, 66,0% da Titan, 65,0% da Boeing, etc.
Analogamente, quando o governo "externaliza" cada vez mais o seu negócio da defesa, uma fatia crescente de companhias militares privadas fica sob o controle da finança. Por exemplo, a DynCorp foi comprada pela companhia de software Computer Sciences Corp. em 2003 e, dois anos depois, tornou-se propriedade do fundo de acções privado Veritas Capital. Anteriormente, em 2000, a L-3 Communications Holdings controlou a MPRI. Uma consequência destas tomadas de controle é que cidadãos comuns participam (muitas vezes sem o seu conhecimento) na propriedade de uma companhia militar cujas actividades vão desde as missões de mercenários até o "interrogatório" de prisioneiros... No fim de 2006, sua colaboração foi recompensada. O MPRI obteve um contrato para apoiar o U.S. Army no Iraque e no Afeganistão; os preços oficiais das acções comuns das firmas associadas e da sua companhia mãe dispararam para cima. Outra companhia militar privada, a Vinnell, cuja lucratividade atraiu tanto interesse que os seus proprietários mudaram várias vezes nos últimos anos, havia sido comprada anteriormente pelo grupo financeiro Carlyle... (Cicchini e Herrera, 2008).
O número de agentes empregues por companhias militares privadas no Iraque atingiu os 182 mil em 2008, ou seja, um número maior do que aquele do pessoal militar americano no Exército, Marinha, Corpo de Fuzileiros Navais e Força Aérea somados (Figuras 12 e 13). Naquela época, o número total de combatentes paramilitares privados em actividade era aproximadamente de 75 mil, os quais deles faria o segundo mais numeroso contingente empenhado no conflito, muitos mais do que as tropas estrangeiras aliados aos Estados Unidos (aproximadamente 23 mil soldados). Integrados na "Total Force", eles são empregados por aproximadamente 300 companhias privadas, tais como KBR, Blackwater USA, MPRI, Vinnell, DynCorp, Control Risks, Pacific Architects & Engineers, Custer Battle, Titan, ArmorGroup, California Analysis Center, etc. Tomadas como um todo, estas firmas partilhariam vendas anuais de mais de 100 mil milhões de dólares. O seu maior cliente é obviamente o estado (neoliberalizado), o qual transformou tanto o Afeganistão como o Iraque em sítios privilegiados de acção para este novo "mercado de guerra"que se abriu após 11 de Setembro de 2001 com o lançamento da "Guerra Global ao Terror".
No entanto, tais mudanças geraram novas contradições económicas e políticas, ainda mais profundas do que aquelas que provocaram as mudanças. A ineficácia desta estratégia de "privatização da segurança" é cada vez mais aparente do Iraque, bem como no Afeganistão; ela não "minimiza custos" e nem tão pouco faz vencer estas guerras. Alguns economistas estimam que os custos financeiros destas guerras são demasiado altos... [4] O que quer seja poupado ao recrutar mercenários experientes – ao invés de treinar novos recrutas – é perdido devido às altas quantias pagas a firmas militares com fundos públicos. E os escândalos são conhecidos: sobrecarregar preços ou contrato por administração ("cost plus"), ausência de competição sob o pretexto de "acordos secretos" com o Pentágono ou a CIA, dupla contabilidade e pagamentos por serviços que não são executados, conluio duvidoso de accionistas, além de abusos repetidos (que vão desde a tortura até crimes impunes de mercenários)... Têm sido observados conflitos entre soldados do exército regular e mercenários privados – sendo os últimos mais bem pagos, com melhores "condições de trabalho" e muitas vezes escapando a penalidades legais...
A exacerbação das contradições dentro do sistema capitalista
Entretanto, o fracasso desta nova "parceria público-privado" é completo, como também é o caso da própria estratégia de guerra permanente. Esta não impediu o ressurgimento de protestos e resistências dentro do exército. Hoje, a oposição às guerras é parcialmente organizada pelo IVAW, ou "Iraq Veterans Against the War", movimento fundado pela convenção de Veteranos pela Paz efectuada em Boston em Julho de 2004 a fim de encorajar as vozes de pessoal activo e veteranos que recusam a guerra no Iraque, mas forçados a manterem-se silenciosos. O espírito de rebelião da antiga "Resistência dentro do Exército" ("Resistance Inside The Army", RITA), durante a guerra do Vietname, exala-se no seu manifesto. Desde o princípio da guerra no Iraque, mais de meio milhão de soldados americanos fizeram pelo menos uma missão ali. Segundo dados estatísticos oficias, entre Março de 2003 e Julho de 2008, 4.124 deles foram mortos (num total de 4.438 mortos entre todas as tropas da coligação). Fontes alternativas [5] , que descrevem os artifícios utilizados pelas autoridades militares para reduzir o número de baixas tornadas públicas, sugerem números muito mais elevados...
Depois de ter anunciado a retirada do Iraque ao longo de 19 meses a começar em Fevereiro de 2009, e o reposicionamento de tropas no Afeganistão, o desafio do presidente Barack H. Obama será tentar amortecer o impacto destas decisões no interior da sociedade estado-unidense. Os efeitos da procura efectiva associados às guerras no Iraque e no Afeganistão afectam essencialmente o curto prazo, e os efeitos tecnológicos são positivos somente para o complexo militar-industrial, o qual é claramente insuficiente para restaurar o crescimento sustentável. A destruição de capital provocada por estas guerras – considerável para os povos que sofrem estes conflitos – não revitalizará a acumulação no centro da economia hegemónica do sistema capitalista mundial, como foi o caso durante a reconstrução conduzida pelo Plano Marshall após a II Guerra Mundial. Para ser capaz de recomeçar um ciclo de expansão de acumulação de capital de longa duração no Norte, a crise teria de "destruir" montantes absolutamente gigantescos de capital fictício, a maior parte dele sendo parasitário. Contudo, as contradições profundas que caracterizam o sistema capitalista tornaram-se agora tão difíceis de resolver uma tal desvalorização poderia impelir ao colapso.
Pensadores ortodoxos também acreditam que a crise actual levará ao colapso do capitalismo, como, por exemplo, os analistas do Global Europe Anticipation Bulletin, cujas previsões acerca do agravamento da situação levam à total deslocação geopolítica do sistema, à queda do dólar e ao desaparecimento das bases do sistema financeiro globalizado; ou, nos Estados Unidos, aquelas [análises] de Money&Markets, que prevêem o futuro aprofundamento da crise numa sequência mais tradicional: ampliação do défice fiscal, inchaço da dívida pública, defesa insuficiente do dólar pelas autoridades monetárias dos EUA... Por agora, o agravamento da situação mina um pouco mais a hegemonia unipolar dos Estados Unidos.
A esta luz, uma pequena mas significativa minoria entre as correntes pensamento dominantes continua a ser cada vez mais radical no seu apoio a teses ultra-liberais, inspiradas do von Mises, Hayek ou Rothbard. [6] Suas análises da crise baseiam-se numa fé reafirmada no carácter automático do reequilíbrio do mercado. Isto é aborrecido para os neoliberais, na medida em que estes ultra-liberais defendem a ideia de que a crise decorre de um excesso de intervencionismo e que o estado não deveria salvar os bancos e companhias em dificuldade. O que precisa ser feito, segundo eles, é por um fim às regulações do estado que limitam a liberdade dos agentes nos mercados. Estes autores são portanto contra qualquer plano anti-crise e, em particular, contra qualquer regulação das taxas de juro pelo banco central. Os mais extremistas entre eles chegam até a apelar pela supressão das instituições do estado – incluindo o exército – bem como a privatização da moeda. Ainda que estejam conscientes de que tais medidas empurrariam o capitalismo rumo ao caos, eles pensam que, graças a mecanismos de mercado, este caos beneficiaria o capital e o capitalismo reconstituir-se-ia a si próprio mais rapidamente e melhor do que através de intervenções do estado na forma de assistência pública artificial a empresas que em qualquer caso estão condenadas a fracassar.
Paralelamente, a gravidade da crise tem favorecido um retorno a teses "reformistas" (Krugman, 2009). De facto, enquanto medidas "keynesianas" eram perceptíveis – inclusive no plano de G.W. Bush de 2008, por exemplo (com sua entrega de parte dos impostos) e, acima de tudo, no programa do presidente Obama (infraestrutura, etc) – hoje, a prioridade é dada claramente ao neoliberalismo a fim de salvar tanto quanto possível do capital fictício sobre-acumulado. Contudo, as actuais políticas anti-crise não são keynesianas e os seus iniciadores não se libertaram dos dogmas neoliberais. Na verdade, o Fed e os outros bancos centrais do Norte continuam a criar moeda primária numa escala maciça. Mas esta política monetária aparentemente "keynesiana" caiu de facto na "armadilha da liquidez" (" liquidity trap "), em que a estratégia de rebaixamento da taxa de juro real demonstrou-se incapaz de aumentar a eficácia marginal do capital e transferir capital-dinheiro da esfera financeira para a esfera produtiva.
As crises constituem momentos nos quais fracções de capital, geralmente as menos produtivas e/ou inovadoras, são absorvidas e incorporadas numa estrutura de propriedade capitalista mais concentrada. Até agora, cada reorganização do capital na história permitiu ao sistema construir instituições e instrumentos mais eficazes para amenizar os piores efeitos devastadores destas crises, mas de modo nenhum para resolver as contradições profundas do sistema capitalista.
Conclusão
A probabilidade da escalada da crise actual é extremamente alta hoje – não só na Europa com as dificuldades da zona euro e as preocupações causadas pelo endividamento público, ou no Japão, preso numa conjunção de problemas dramáticos, mas também e acima de tudo nos próprios Estados Unidos. Há uma alta probabilidade de que a presente crise venha a tornar-se mais aguda, como uma crise sistémica do capital, uma vez que todas as condições estão aí para que isso aconteça. O capitalismo está em perigo, incluindo o próprio centro do sistema. Obviamente, outras crises capitalistas aconteceram no passado e o sistema sempre saiu delas mais forte e mais concentrado do que antes. É uma ilusão acreditar que o capitalismo está em vias de entrar em colapso devido aos efeitos da crise actual.
Entretanto, se o problema estrutural para a sobrevivência do capitalismo é na verdade o das pressões declinantes sobre a taxa de lucro, e se a financiarização não é uma solução sustentável, a única coisa que este sistema oferecerá, até a sua agonia, será uma pressão constante para aumentar a exploração da força de trabalho, porque o capital fictício pretende ser remunerado e ele consegue isto pela transferência do excedente (surplus) do capital produtivo. A situação presente não se parece ao "começo do fim da crise" como dizem alguns conselheiros do presidente Obama. Não é uma crise de crédito habitual, nem tão pouco uma crise temporária de liquidez, através da qual o sistema se reorganizará e se reforçará para então começar a funcionar "normalmente", com uma nova expansão das forças produtivas numa estrutura de relações sociais modernizadas. Parece ser muito mais grave; o que significa dizer, o princípio de um de longo processo de colapso da actual etapa ou fase do capitalismo, a qual é agora oligopolística e financiarizada. E este processo de entrada em colapso está a abrir vastas perspectivas de transições. Portanto, isto tornará necessário reconsiderar possibilidade de alternativas e transformações pós-capitalistas.
ReferênciasA administração Obama planeia reduzir o défice fiscal do governo federal em cerca de 500 mil milhões de dólares em 2013, graças às poupanças do fim da guerra no Iraque – a qual supostamente excederia os custos do reposicionamento de tropas no Afeganistão. No entanto, o facto é que o presidente Obama e sua equipe não reverteram a lógica das "guerras preventivas" conduzidas pelo seu antecessor – ao contrário do que ele havia sugerido durante a sua campanha eleitoral – e os Estados Unidos não cessaram de "regular" o sistema capitalista mundial através de guerras militares. A crise está estreitamente ligada a estas guerras (Herrera, 3007, 2010b, 2011b). Elas estão integradas no ciclo, de um ponto de vista económico, como formas extremas de destruição de capital, mas também politicamente para a reprodução das condições do comando de fracções da classe dominante – isto é, alta finança – sobre o sistema mundial. Veremos na próxima secção como os oligopólios financeiros lançaram recentemente um assalto ao complexo militar-industrial dos Estados Unidos [que] lhes deu um controle decisivo sobre este sector. Como matéria de facto, o capital financeiro apossou-se de suficientes acções comerciadas publicamente de corporações do complexo militar-industrial para assumir o seu controle.
A despesa militar tornou-se uma grande fonte de lucros para o capital num contexto no qual a utilização de forças armadas é a estratégia imposta sobre o mundo pela alta finança dos EUA como condição para a sua reprodução. A militarização está a tornar-se o modo de existência para o capitalismo. E aqui, o papel do estado (neoliberal) é fundamental para o capital – porque é o estado que vai à guerra no interesse do capital, enquanto as agências governamentais atribuem montantes astronómicos de contratos militares às companhias transnacionais de armamento, através do seu lobbying (Mampaey e Serfati, 2004).
Dever-se-ia observar que os Estados Unidos lançaram suas guerras contra o Afeganistão e o Iraque num momento muito específico. Quanto ao Afeganistão, o ano de 2001 já era um tempo de crise – tal como 1913 e 1938 foram anos de depressão que antecederam as Guerras Mundiais. A crise actual emergiu exactamente quando estavam a ter lugar mudanças na política monetária estado-unidense, seguindo-se o agravamento dos desequilíbrios internos e externos – o primeiro, devido à necessidade de financiamento ligado parcialmente a estas guerras; o segundo devido em parte ao outsourcing, acima de tudo para a China. Portanto, a seguir ao arrefecimento do crescimento económico em 2000, o Fed reduziu grandemente sua taxa de juro: de 6,50% em Dezembro de 2000 para 1,75% em Dezembro de 2001, a seguir para 1,00% em meados de 2003, e ela foi mantida a este nível muito baixo até meados de 2004. Foi precisamente neste momento, quando as taxas de juro reais haviam-se tornado negativas, que os mecanismos da crise subprime foram gerados, com cada vez maior tomada de risco, especialmente no sector habitacional. Então, devido à pressão agravada causada pelo esforço de guerra, o Fed (dentre outras decisões, mas de modo significativo) teve de elevar a taxa de juro dos seus 1,00% de meados de 2004 (isto é, um ano após o começo da guerra no Iraque) para 5,25 em meados de 2006. E logo após, a partir do fim de 2006, começou um incumprimento maciço de pagamentos de hipotecas por parte dos devedores – os seus números a aumentarem devido à contracção do crescimento e à estagnação dos salários.
A Reserva Federal manteve esta ligeiramente alta taxa de juro, acima de 5%, até meados de 2007, embora os sinais da crise já fossem aparentes. Foi só em Agosto de 2007, portanto muito tardiamente, que o Fed começou a dar aos bancos quantidades de crédito a taxas reduzidas, taxas prenda, próximas do zero; este passo, contudo, não conseguiu impedir novos pânicos financeiros. Portanto, a crise explodiu quando uma massa crítica de devedores tinha dificuldades em reembolsar seus empréstimos. Foi este o caso no fim de 2006, depois de o Fed ter elevado suas taxas de juro para atrair o capital a fim de financiar os orçamentos militares que haviam sido inchados por novas guerras. Considerando tudo, não houve vitória militar para os Estados Unidos, nem qualquer ressuscitar da acumulação apesar da destruição provocada por estes conflitos. Ao contrário, o prosseguimento de tais guerras, desde a Líbia, via NATO, até o Iémen, onde em Junho de 2011 o presidente Obama convidou o Pentágono e a CIA a colaborarem estreitamente, está a exacerbar as contradições ainda mais...
A marcha forçada da sociedade iraquiana rumo ao neoliberalismo, começada imediatamente depois de este país ser ocupado, proporciona um "exemplo de tipo ideal" das consequências económicas desta violência. Sem qualquer direito ao Iraque e aos seus recursos, a coligação de ocupação conduzida pelos Estados Unidos (e o Reino Unido) impôs a plena privatização de serviços públicos e uma mudança correspondente na estrutura de propriedade do capital de mais de 200 companhias (nos sectores da água, electricidade, telefone, estações de televisão, ferrovias, aeroportos, hospitais...) a fim de entregá-las a firmas transnacionais sob o pretexto da "reconstrução".
Para este objectivo, Lewis Paul Bremer, o administrador civil da autoridade provisória, então nomeado pelo presidente George W. Bush, durante os seus 13 meses no gabinete [emitiu] cerca de 100 ordens (chamadas "Coalition Provisional Authority Orders"), as quais serviam como substitutos de leis nacionais – mas sem qualquer controle democrático. As companhias transnacionais estado-unidenses (e britânicas) obtiveram aproximadamente 85% de todos os contratos adjudicados. A Ordem 17 defendia os direitos de ocupantes legais e seus subcontratantes, suplementada pela Ordem Executiva 13303, a qual os protegia contra eventual processo nos Estados Unidos. O diploma isentava as 38 firmas na coligação de impostos de importação, ao passo que a Ordem 39 permitia propriedade estrangeira de até 100% em propriedades de terra e companhias iraquianas e não estabelecia restrições à repatriação de investimentos financeiros e lucros no Iraque. A Ordem 400 permitia a estrangeiros comprarem bancos locais. A Ordem 81 impunha a privatização de recursos biológicos, o patenteamento da vida (para sementes agrícolas) e a liberalização dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Em Fevereiro de 2004, o Iraque tornou-se observador na Organização Mundial de Comércio, antes de preencher sua candidatura a membro pleno, num "procedimento de emergência). Em consequência, a guerra no Iraque transformou este país, em meses, numa das mais neo-liberalizadas economias do mundo. [3]
A alta finança e os militares
Em 2010 as despesas militares nos Estados Unidos foram de aproximadamente 700 mil milhões de dólares (Figura 7), isto é, pouco mais de 5% do PIB, a ser comparado com 6% para educação (Figura 8). Isto representou cerca de um quinto do orçamento federal e quase 44% das despesas militares mundiais (Figura 9). Contudo, o fardo real é significativamente maior. Na verdade, algumas estimativas consideram que o total de despesas militares dos EUA, incluindo pagamentos de juros sobre dívidas a elas associadas, actualmente excederia 1,0 ou memo 1,1 milhão de milhões de dólares (Foster e Magdoff, 2009). Mesmo este ajustamento para cima, o "fardo militar" (isto é, a proporção da defesa no PIB) subestima a importância efectiva do sector da defesa na economia americana. Também é necessário avaliar a força destrutiva e o alcance das armas do Pentágono, incluindo o impacto da sua rede mundial de bases militares. Qualquer que seja o critério escolhido para medir a extensão da militarização – incluindo a I&D da defesa (Figura 10) ou despesas de capital dos militares (Figura 11), a superioridade dos EUA é clara.
Não há escassez de modernos "aproveitadores" ("profiteers") da guerra, incluindo oficiais sénior na activa e na reforma, membros de comités do Congresso sobre gastos de defesa e administradores de topo de companhias de armamento, cujas actividades de lobbying obtiveram-lhes lucrativos contratos militares das várias agências governamentais. Aqui estão, em geral, as principais firmas transnacionais produtoras de armas, com vendas astronómicas e contratos de vários milhares de milhões de dólares para cada uma delas, como Lockheed Martin, Boeing, Northrop Grumman, General Dynamics, L-3 Communications, Raytheon, United Technologies, SAIC, ITT, Kellogg Brown & Root, Honeywell, General Electric, ITT, Computer Sciences, etc. (Tabela 1); e mais especificamente, aqueles entre elas que beneficiaram dos contratos adjudicados no Iraque e no Afeganistão: a KBR outra vez (com 14,4 mil milhões de dólares entre meados de 2002 e meados de 2004), a Parsons (5,3 mil milhões no mesmo período), Fluor (3,8 mil milhões), Washington Group (3,1), Shaw Group E&I (3,0), Bechtel (2,8), Perini (2,5), Contrack (2,3), mas também a Tetra Tech, USA Environmental, CH2M Hill, American International Contractors (com cerca de 1,5 mil milhões de dólares respectivamente), e assim por diante (Herrera, 2010b).
O ponto fundamental a ser sublinhado aqui é que o capital financeiro continua a fortalecer a sua recente e bastante rápida ascendência sobre o complexo militar-industrial dos EUA. Isto pode ser visto quando investidores institucionais, eles próprios dependentes dos mais poderosos oligopólios bancários e financeiros dos EUA, capturaram a estrutura de propriedade do capital destas companhias militares. No princípio dos anos 2000, a proporção controlada pelo capital financeiro alcançou 95,0% do capital a Lockheed Martin, 86,5% do da Engineered Support Systems, 85,9% da Stewart & Stevenson Services, 84,7% da L-3 Communications, 82,8% da Northrop Grumman, 76,0% da General Dynamics, 70,0% da Raytheon, 66,0% da Titan, 65,0% da Boeing, etc.
Analogamente, quando o governo "externaliza" cada vez mais o seu negócio da defesa, uma fatia crescente de companhias militares privadas fica sob o controle da finança. Por exemplo, a DynCorp foi comprada pela companhia de software Computer Sciences Corp. em 2003 e, dois anos depois, tornou-se propriedade do fundo de acções privado Veritas Capital. Anteriormente, em 2000, a L-3 Communications Holdings controlou a MPRI. Uma consequência destas tomadas de controle é que cidadãos comuns participam (muitas vezes sem o seu conhecimento) na propriedade de uma companhia militar cujas actividades vão desde as missões de mercenários até o "interrogatório" de prisioneiros... No fim de 2006, sua colaboração foi recompensada. O MPRI obteve um contrato para apoiar o U.S. Army no Iraque e no Afeganistão; os preços oficiais das acções comuns das firmas associadas e da sua companhia mãe dispararam para cima. Outra companhia militar privada, a Vinnell, cuja lucratividade atraiu tanto interesse que os seus proprietários mudaram várias vezes nos últimos anos, havia sido comprada anteriormente pelo grupo financeiro Carlyle... (Cicchini e Herrera, 2008).
O número de agentes empregues por companhias militares privadas no Iraque atingiu os 182 mil em 2008, ou seja, um número maior do que aquele do pessoal militar americano no Exército, Marinha, Corpo de Fuzileiros Navais e Força Aérea somados (Figuras 12 e 13). Naquela época, o número total de combatentes paramilitares privados em actividade era aproximadamente de 75 mil, os quais deles faria o segundo mais numeroso contingente empenhado no conflito, muitos mais do que as tropas estrangeiras aliados aos Estados Unidos (aproximadamente 23 mil soldados). Integrados na "Total Force", eles são empregados por aproximadamente 300 companhias privadas, tais como KBR, Blackwater USA, MPRI, Vinnell, DynCorp, Control Risks, Pacific Architects & Engineers, Custer Battle, Titan, ArmorGroup, California Analysis Center, etc. Tomadas como um todo, estas firmas partilhariam vendas anuais de mais de 100 mil milhões de dólares. O seu maior cliente é obviamente o estado (neoliberalizado), o qual transformou tanto o Afeganistão como o Iraque em sítios privilegiados de acção para este novo "mercado de guerra"que se abriu após 11 de Setembro de 2001 com o lançamento da "Guerra Global ao Terror".
No entanto, tais mudanças geraram novas contradições económicas e políticas, ainda mais profundas do que aquelas que provocaram as mudanças. A ineficácia desta estratégia de "privatização da segurança" é cada vez mais aparente do Iraque, bem como no Afeganistão; ela não "minimiza custos" e nem tão pouco faz vencer estas guerras. Alguns economistas estimam que os custos financeiros destas guerras são demasiado altos... [4] O que quer seja poupado ao recrutar mercenários experientes – ao invés de treinar novos recrutas – é perdido devido às altas quantias pagas a firmas militares com fundos públicos. E os escândalos são conhecidos: sobrecarregar preços ou contrato por administração ("cost plus"), ausência de competição sob o pretexto de "acordos secretos" com o Pentágono ou a CIA, dupla contabilidade e pagamentos por serviços que não são executados, conluio duvidoso de accionistas, além de abusos repetidos (que vão desde a tortura até crimes impunes de mercenários)... Têm sido observados conflitos entre soldados do exército regular e mercenários privados – sendo os últimos mais bem pagos, com melhores "condições de trabalho" e muitas vezes escapando a penalidades legais...
A exacerbação das contradições dentro do sistema capitalista
Entretanto, o fracasso desta nova "parceria público-privado" é completo, como também é o caso da própria estratégia de guerra permanente. Esta não impediu o ressurgimento de protestos e resistências dentro do exército. Hoje, a oposição às guerras é parcialmente organizada pelo IVAW, ou "Iraq Veterans Against the War", movimento fundado pela convenção de Veteranos pela Paz efectuada em Boston em Julho de 2004 a fim de encorajar as vozes de pessoal activo e veteranos que recusam a guerra no Iraque, mas forçados a manterem-se silenciosos. O espírito de rebelião da antiga "Resistência dentro do Exército" ("Resistance Inside The Army", RITA), durante a guerra do Vietname, exala-se no seu manifesto. Desde o princípio da guerra no Iraque, mais de meio milhão de soldados americanos fizeram pelo menos uma missão ali. Segundo dados estatísticos oficias, entre Março de 2003 e Julho de 2008, 4.124 deles foram mortos (num total de 4.438 mortos entre todas as tropas da coligação). Fontes alternativas [5] , que descrevem os artifícios utilizados pelas autoridades militares para reduzir o número de baixas tornadas públicas, sugerem números muito mais elevados...
Depois de ter anunciado a retirada do Iraque ao longo de 19 meses a começar em Fevereiro de 2009, e o reposicionamento de tropas no Afeganistão, o desafio do presidente Barack H. Obama será tentar amortecer o impacto destas decisões no interior da sociedade estado-unidense. Os efeitos da procura efectiva associados às guerras no Iraque e no Afeganistão afectam essencialmente o curto prazo, e os efeitos tecnológicos são positivos somente para o complexo militar-industrial, o qual é claramente insuficiente para restaurar o crescimento sustentável. A destruição de capital provocada por estas guerras – considerável para os povos que sofrem estes conflitos – não revitalizará a acumulação no centro da economia hegemónica do sistema capitalista mundial, como foi o caso durante a reconstrução conduzida pelo Plano Marshall após a II Guerra Mundial. Para ser capaz de recomeçar um ciclo de expansão de acumulação de capital de longa duração no Norte, a crise teria de "destruir" montantes absolutamente gigantescos de capital fictício, a maior parte dele sendo parasitário. Contudo, as contradições profundas que caracterizam o sistema capitalista tornaram-se agora tão difíceis de resolver uma tal desvalorização poderia impelir ao colapso.
Pensadores ortodoxos também acreditam que a crise actual levará ao colapso do capitalismo, como, por exemplo, os analistas do Global Europe Anticipation Bulletin, cujas previsões acerca do agravamento da situação levam à total deslocação geopolítica do sistema, à queda do dólar e ao desaparecimento das bases do sistema financeiro globalizado; ou, nos Estados Unidos, aquelas [análises] de Money&Markets, que prevêem o futuro aprofundamento da crise numa sequência mais tradicional: ampliação do défice fiscal, inchaço da dívida pública, defesa insuficiente do dólar pelas autoridades monetárias dos EUA... Por agora, o agravamento da situação mina um pouco mais a hegemonia unipolar dos Estados Unidos.
A esta luz, uma pequena mas significativa minoria entre as correntes pensamento dominantes continua a ser cada vez mais radical no seu apoio a teses ultra-liberais, inspiradas do von Mises, Hayek ou Rothbard. [6] Suas análises da crise baseiam-se numa fé reafirmada no carácter automático do reequilíbrio do mercado. Isto é aborrecido para os neoliberais, na medida em que estes ultra-liberais defendem a ideia de que a crise decorre de um excesso de intervencionismo e que o estado não deveria salvar os bancos e companhias em dificuldade. O que precisa ser feito, segundo eles, é por um fim às regulações do estado que limitam a liberdade dos agentes nos mercados. Estes autores são portanto contra qualquer plano anti-crise e, em particular, contra qualquer regulação das taxas de juro pelo banco central. Os mais extremistas entre eles chegam até a apelar pela supressão das instituições do estado – incluindo o exército – bem como a privatização da moeda. Ainda que estejam conscientes de que tais medidas empurrariam o capitalismo rumo ao caos, eles pensam que, graças a mecanismos de mercado, este caos beneficiaria o capital e o capitalismo reconstituir-se-ia a si próprio mais rapidamente e melhor do que através de intervenções do estado na forma de assistência pública artificial a empresas que em qualquer caso estão condenadas a fracassar.
Paralelamente, a gravidade da crise tem favorecido um retorno a teses "reformistas" (Krugman, 2009). De facto, enquanto medidas "keynesianas" eram perceptíveis – inclusive no plano de G.W. Bush de 2008, por exemplo (com sua entrega de parte dos impostos) e, acima de tudo, no programa do presidente Obama (infraestrutura, etc) – hoje, a prioridade é dada claramente ao neoliberalismo a fim de salvar tanto quanto possível do capital fictício sobre-acumulado. Contudo, as actuais políticas anti-crise não são keynesianas e os seus iniciadores não se libertaram dos dogmas neoliberais. Na verdade, o Fed e os outros bancos centrais do Norte continuam a criar moeda primária numa escala maciça. Mas esta política monetária aparentemente "keynesiana" caiu de facto na "armadilha da liquidez" (" liquidity trap "), em que a estratégia de rebaixamento da taxa de juro real demonstrou-se incapaz de aumentar a eficácia marginal do capital e transferir capital-dinheiro da esfera financeira para a esfera produtiva.
As crises constituem momentos nos quais fracções de capital, geralmente as menos produtivas e/ou inovadoras, são absorvidas e incorporadas numa estrutura de propriedade capitalista mais concentrada. Até agora, cada reorganização do capital na história permitiu ao sistema construir instituições e instrumentos mais eficazes para amenizar os piores efeitos devastadores destas crises, mas de modo nenhum para resolver as contradições profundas do sistema capitalista.
Conclusão
A probabilidade da escalada da crise actual é extremamente alta hoje – não só na Europa com as dificuldades da zona euro e as preocupações causadas pelo endividamento público, ou no Japão, preso numa conjunção de problemas dramáticos, mas também e acima de tudo nos próprios Estados Unidos. Há uma alta probabilidade de que a presente crise venha a tornar-se mais aguda, como uma crise sistémica do capital, uma vez que todas as condições estão aí para que isso aconteça. O capitalismo está em perigo, incluindo o próprio centro do sistema. Obviamente, outras crises capitalistas aconteceram no passado e o sistema sempre saiu delas mais forte e mais concentrado do que antes. É uma ilusão acreditar que o capitalismo está em vias de entrar em colapso devido aos efeitos da crise actual.
Entretanto, se o problema estrutural para a sobrevivência do capitalismo é na verdade o das pressões declinantes sobre a taxa de lucro, e se a financiarização não é uma solução sustentável, a única coisa que este sistema oferecerá, até a sua agonia, será uma pressão constante para aumentar a exploração da força de trabalho, porque o capital fictício pretende ser remunerado e ele consegue isto pela transferência do excedente (surplus) do capital produtivo. A situação presente não se parece ao "começo do fim da crise" como dizem alguns conselheiros do presidente Obama. Não é uma crise de crédito habitual, nem tão pouco uma crise temporária de liquidez, através da qual o sistema se reorganizará e se reforçará para então começar a funcionar "normalmente", com uma nova expansão das forças produtivas numa estrutura de relações sociais modernizadas. Parece ser muito mais grave; o que significa dizer, o princípio de um de longo processo de colapso da actual etapa ou fase do capitalismo, a qual é agora oligopolística e financiarizada. E este processo de entrada em colapso está a abrir vastas perspectivas de transições. Portanto, isto tornará necessário reconsiderar possibilidade de alternativas e transformações pós-capitalistas.
- Carcanholo, R. and P. Nakatani (1999), "O Capital Especulativo parasitário", Revista Ensaios , vol. 20, n° 1, pp. 284-304.
- Cicchini, J. and R. Herrera (2008), "Sociétés militaires privées : la guerre par procuration ? Le cas de la guerre d'Irak", Recherches internationales , n° 82, pp. 9-26.
- Foster, J.B. and F. Magdoff (2009), The Great Financial Crisis , Monthly Review Press, New York.
- Herrera, R. (2011a), "A Critique of Mainstream Growth Theory: Ways out of the Neoclassical Science(-Fiction) and Towards Marxism", Research in Political Economy , vol. 27, n° 1, pp. 3-64.
- –(2011b), "Tendances de l'économie états-unienne sous la mandature de Barack H. Obama", Recherches internationales , n° 91, July-September, pp. 151-169, Paris.
- –(2010a), Dépenses publiques et croissance économique , L'Harmattan, Paris.
- –(2010b), Un autre capitalisme n'est pas possible , Syllepse, Paris.
- –(2007), "War and Crisis", Political Affairs , vol. 86, n° 4, pp. 34-38.
- –(2005), "When the Names of the Emperors were Morgan and Rockefeller", International Journal of Political Economy , vol. 34, n° 4, pp. 25-49, Winter.
- Herrera, R. and P. Nakatani (2008), "La Crise financière : racines, raisons, perspectives", La Pensée , n° 353, pp. 109-113.
- Krugman, P. (2009), The Return of Depression Economics and the Crisis of 2008 , W.W.Norton & Co., New York.
- Mampaey, L. and C. Serfati (2004), "Les Groupes de l'armement et les marchés financiers", in F. Chesnais (ed.), La Finance mondialisée , La Découverte, Paris.
- Nakatani, P. and R. Herrera (2007), "What Rich Countries Owe Poor Ones", Monthly Review , vol. 59, n° 2, pp. 31-36.
1- Para uma discussão destes argumentos, do ponto de vista teórico e empírico, ler: Herrera (2010a, b).
2- Exemplos: -33,84% registados para o Dow Jones Indus, -39,76% para S & P 500 e -40,54% para o NASDAQ entre 1 de Janeiro de 2008 e 1 de Janeiro de 2009.
3- Ver os relatórios sobre este assunto redigidos pelo Center Europe – Third World (CETIM): http://www.cetim.ch .
4- Ver, por exemplo, as estimativas (3,0 milhões de milhões de dólares) propostas pelo Prémio Nobel Joseph Stiglitz.
5- Ver o sítio web IVAW: http://ivaw.org/ . E também o apelo à paz: http://appealforredress.org./index.php .
6- Ler, por exemplo, os comentários de Rockwell e Rozeff, do von Mises Institute.
[*] Investigador do CNRS. Documento de trabalho do Centre d'Economie de la Sorbonne. O original (em inglês) pode ser descarregado aqui(PDF, 525 kB). Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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