Manuel Loff
A direita mundial, de Gorbatchov a Obama, de Merkel a Blair, de Passos a Portas, derrama elogios sobre Margaret Thatcher. Mas o mito não serve para ocultar a realidade: a “mudança” de que é um dos expoentes é a do trágico ciclo de retrocesso histórico com que a Grã-Bretanha e grande parte do mundo estão hoje confrontados.
“A maior líder política britânica do séc. XX, depois de Winston Churchill” escreveu anteontem João Carlos Espada sobre Margaret Thatcher. Estão “de luto” os “amigos da liberdade” pela mulher (Reagan chamava lhe “o melhor homem que os britânicos tinham…”) que ocupou o poder na Grã-Bretanha durante 11 anos. Abriu um ciclo político de que ainda hoje a direita não saiu. Há muitas razões para Thatcher ser a mais idolatrada das líderes das direitas ocidentais desde o fim da II Guerra Mundial. Em 1979 tomou o poder e abriu o caminho a uma viragem à direita (18 anos consecutivos de governos conservadores na Grã Bretanha) que começou dez anos antes da queda do Muro e se ampliou a Portugal (o PSD entraria nesse ano no governo de onde só sairia 16 anos depois), aos EUA (Reagan e Bush, 1981-93), à Alemanha (Kohl 1982-98)… Mas daí a dizer que conseguiu mudar não apenas a paisagem política do seu país mas a do mundo vai um passo disparatado que só gente que a quis imitar, como Tony Blair, é capaz de dar. Thatcher foi um modelo para a direita mas, como qualquer conservadora, não reinventou o mundo: limitou-se a querer voltar atrás 40 anos na história. Em torno dela se tem construído um autêntico mito que, como ocorre sempre, mais que discutir o passado, pretende prescrever soluções para o futuro. Para Merkel, Thatcher tinha “a liberdade individual no centro das suas crenças”. Obama, que podia ter evitado a bazófia, disse que Thatcher contribuiu para demonstrar que “podemos moldar a História com convicção moral, coragem inabalável e vontade de ferro”. Falamos, atenção, da mesma mulher que se opôs até ao fim às sanções internacionais contra o apartheid sul-africano e considerou o Congresso Nacional Africano, dirigido por Nelson Mandela “uma típica organização terrorista” (Guardian, 8.4.2013) ou que, com os EUA, apoiou na ONU os Khmeres Vermelhos contra o novo governo cambojano colocado no poder pelas tropas vietnamitas que derrubaram o genocida Pol Pot (John Pilger, New Statesman, 17.4.2000); e que intercedeu a favor de Pinochet quando a justiça internacional o quis julgar por crimes contra a humanidade. Para ela, o ditador que deixou três mil desaparecidos e 32 mil torturados foi quem “trouxe a democracia ao Chile” (BBC News online, 26.3.1999). Thatcher disse-o atacando a sentença da Câmara dos Lordes que acedia às pretensões da justiça espanhola e à de três outros países em exigir o julgamento de Pinochet, pressionando, com sucesso, para que o governo britânico não a cumprisse. Na construção do mito é recorrente (e de uma banalidade entediante) a comparação com Churchill. Supõe-se, assim, que Thatcher terá tido o seu Hitler. Desengane-se, porém, quem julgar que ele terá sido a ditadura militar argentina, que lhe ocupou as Malvinas (1982) (alguém julgaria que a anticomunista admiradora de Pinochet teria grandes objecções aos ditadores argentinos?). Ele foi, pelo contrário, um líder sindical - Arthur Scargill - que dirigia o Sindicato Nacional dos Mineiros quando, em 1984-85, lançou a mais longa greve de que há memória na história britânica. O ministro das Finanças de Thatcher comparou o sindicalista com Hitler, a imprensa tablóide e os serviços secretos lançaram sobre ele toda a lama que puderam e a primeira-ministra não hesitou, como não o faria um qualquer ditadorzeco, em referir-se aos sindicatos, contra quem a verdadeira batalha se fazia, como “o inimigo interior”. É verdade: ganhou três eleições consecutivas (1979, 1983, 1987) mas - qual triunfo, qual quê -nunca acima dos 44% dos votos (menos de 1/3 dos eleitores) as mais reduzidas vitórias eleitorais desde 1945, cada uma delas com menos votos que a anterior. Apesar de todos os disparates sobre “a vitória do senso comum sobre a ideologia”, Thatcher nunca convenceu os britânicos. “O seu legado é o da divisão social, egoísmo privado e o culto da ganância” (Guardian, editorial, 9.4.2013). Thatcher implantou a fórmula que nos trouxe até onde estamos: desregulação económica, empobrecimento generalizado dos assalariados, um aspirador de riqueza de baixo para cima que fez da Grã-Bretanha a mais injusta das sociedades pós-industriais. Funcionou? Durante o seu governo, e apesar de todo o petróleo escocês cujo preço subira astronomicamente, o Reino Unido passou de 5 ª para 6 ª economia mundial, ultrapassada pela Itália, atrás da França e da própria URSS em plena crise de dissolução. Hoje é a 7 ª e caminha para o 10 º lugar. Para quem gasta encómios à reforma económica (melhor seria dizer à devastação produtiva thatcherista) os dados da História parecem não contar para nada… A mulher que garantia que “a sociedade não existe: o que há são indivíduos e famílias”, proibiu em 1987 as escolas de ensinarem “a aceitabilidade da homossexualidade como relação familiar”. A classe social, dizia, era “um conceito comunista” - e nos 11 anos que governou, a proporção de crianças pobres duplicou (www.theyworkforyou.com, 20.6.2005). Entre a muito boa música que contra ela se compôs naqueles anos, os The The cantavam já em 1986 que “não poderão nunca ser limpas as manchas no coração de um país doente, triste e confuso. O 51 º estado EUA” (Matt Johnson, Heartland). *Este artigo foi publicado no “Público”, 11.04.2013 |
Carlos Augusto de Araujo Dória, 82 anos, economista, nacionalista, socialista, lulista, budista, gaitista, blogueiro, espírita, membro da Igreja Messiânica, tricolor, anistiado político, ex-empregado da Petrobras. Um defensor da justiça social, da preservação do meio ambiente, da Petrobras e das causas nacionalistas.
domingo, 14 de abril de 2013
THATCHER - O MITO.
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