Os vaticínios apocalípticos sobre a economia venezuelana abundam no próprio país, como no estrangeiro.
As desvalorizações do presidente em função, Nicolás Maduro, nos últimos dois meses, serviram para abonar a tese dos que predizem o colapso da economia e asseguram que o modelo chavista é insustentável. Se a taxa de pobreza caiu em 37,6% e a de pobreza absoluta em 57,8%, desde 1999, seus críticos afirmam que foi à custa da saúde da própria economia. No ano passado, a Venezuela cresceu mais de 5%, mas, segundo projeção do Banco Mundial, este ano crescerá apenas 1,8%. O jornal Página/12 conversou com o codiretor do heterodoxo “Center for Economic and Policy Research” de Washington, Mark Weisbrot, que publicou, pouco antes das eleições do ano passado, um relatório sobre a economia venezuelana, descartando a possibilidade de uma hecatombe.
A entrevista é de Marcelo Justo, publicada no jornal Página/12, 10-04-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Desde aquele relatório, aconteceram duas fortes desvalorizações. Você não mudou de opinião?
A Venezuela possui problemas econômicos, mas todos são perfeitamente solucionáveis. Em outras palavras, a economia venezuelana não tem um problema de sustentabilidade. Em 2006, nos Estados Unidos, houve uma bolha imobiliária que inevitavelmente iria acabar em desastre. Era um desequilíbrio insustentável. Na Venezuela, as desvalorizações se devem ao fato de que eram necessárias num regime de tipo de cambio fixo, pois sua inflação era maior que a de seus sócios comerciais. Nos anos 1970 isto não teria importado, porque uma inflação de 20% era comum. Agora, como as outras economias tem uma inflação mais baixa, a moeda venezuelana acaba se valorizando. As desvalorizações serviram para corrigir este desequilíbrio.
No entanto, o gasto fiscal cresceu em 30% no ano passado e o déficit fiscal é próximo de 12%. Isto é sustentável ou o governo terá que diminuir inevitavelmente o gasto?
Não acredito que um gasto dessa magnitude possa se sustentar durante 10 anos, mas por um tempo considerável, quando você tem uma estrutura de dívida como a que a Venezuela possui. Num país exportador de petróleo é preciso se fixar em duas coisas para analisar a estrutura de sua dívida: a dívida externa e a interna. A interna é em bolívares e com uma taxa de juros zero ou negativa, caso se leve em consideração a inflação, de maneira que não atinge o governo. Enquanto a dívida externa, quando analisada em termos de exportações, que é o padrão de medida mais estrito, nota-se que é perfeitamente sustentável. Os juros constituem entre 3 e 4% de suas exportações. Medido em relação ao Produto Interno Bruto, a dívida pública venezuelana não chega aos 50%. Em comparação, a União Europeia tem uma dívida de 82% e países em crise, como a Grécia ou a Itália, superam abundantemente os 100%.
De tal maneira que existe espaço para que o Estado estimule a economia.
Com esses números de fundo, precisariam fazer mais e investir em infraestrutura, no possível, seguindo o modelo chinês, que não importa tudo o que necessita, mas que ativa sua própria indústria. O que está claro é que a solução não é a austeridade. Se alguém observa o que aconteceu depois de 2002, a economia duplicou, em termos reais, nos cinco anos seguintes, ou seja, levando em conta a inflação. O setor privado respondeu a isto e foi um grande criador de emprego.
Em sua análise do ano passado, você criticava o governo por não ter investido de maneira anticíclica, ou seja, aumentando o gasto num momento de desaceleração econômica.
No último trimestre de 2008 e 2009, não fizeram isto e, por isso, tiveram uma recessão por um ano e meio. Poderiam ter evitado. Não acredito que voltem a cometer o mesmo erro. A Venezuela não tem o problema do euro. Tem sua própria moeda, de maneira que sua vulnerabilidade está no setor externo, ou seja, na possibilidade de uma crise na balança de pagamentos. A maioria dos comentaristas contrários ao chavismo, ou seja, a grande maioria que é lida no estrangeiro, apontam isto porque é a única via pela qual poderia haver uma crise terminal. Esta crise não irá ser produzida por haver uma inflação de 20 ou de 30%. É um problema, seria melhor que fosse mais baixa, mas não é uma hiperinflação. A Coreia do Sul teve mais de 20% de inflação, durante os anos 1970, quando era a economia que mais crescia em todo o mundo. De maneira que a única esperança para os que querem ver o fim do atual governo é uma crise na balança de pagamentos. Dada a estrutura da economia venezuelana, não acredito que isto seja possível.
Você disse que conviria que o investimento em infraestrutura fosse feito por empresas venezuelanas. Este foi um problema que Hugo Chávez não pôde resolver: o da diversificação econômica em relação ao petróleo.
Nos primeiros quatro anos, Chávez precisou se concentrar na mera sobrevivência, devido aos ataques da oposição que levaram ao golpe militar de 2002. Uma vez passado isto, concentrou-se nos programas de saúde e educação. Diversificar uma economia é uma coisa muito difícil. O governo do Equador é um dos melhores que conheci, mas não pôde diversificar a economia. É difícil, leva muito tempo. O governo de Chávez tentou, mas poderia ter feito mais. Poderia ter contado com uma política industrial, escolhendo um setor para desenvolver, com incentivos, assim como a Coreia do Sul, China ou Japão fizeram. Nos países em desenvolvimento, este processo precisa ser liderado pelo Estado. Entretanto, é difícil. Acredito que a Venezuela não tinha a capacidade administrativa para um programa desta natureza e, por essa razão, Chávez não o fez.
Com a morte de Chávez, como será o pós-chavismo em nível econômico?
É difícil prever, pois dependerá das medidas que serão adotadas. O cenário catastrófico tem sido muito exagerado: não irá acontecer. Caso lancem um bom programa de investimento em infraestrutura, a economia irá crescer novamente e o crescimento tem sua própria dinâmica ao reduzir a pobreza, aumentar o emprego e estimular o setor privado. É o que aconteceu depois de 2002 e que voltou a acontecer nos dois últimos anos.
Existe a possibilidade de que eles restrinjam o que se chamou de “petrodiplomacia”: a venda de petróleo a preços preferenciais?
Não acredito porque é muito importante para eles. Uma coisa sobre a qual não se escreve na imprensa internacional é que a Venezuela, depois do Irã, é provavelmente o principal objetivo dos Estados Unidos. Investiram muito dinheiro para desestabilizar a Venezuela. Acaba de sair um novo memorando do Wikileaks sobre os planos do ex-embaixador William Brownfield para desestabilizar o governo de Hugo Chávez. O plano era muito claro: retirar Chávez. De maneira que é possível que façam algum corte, mas nada substancial, pois é muito importante para eles e existe uma visão de uma integração profunda da América Latina e o Caribe.
IHU
As desvalorizações do presidente em função, Nicolás Maduro, nos últimos dois meses, serviram para abonar a tese dos que predizem o colapso da economia e asseguram que o modelo chavista é insustentável. Se a taxa de pobreza caiu em 37,6% e a de pobreza absoluta em 57,8%, desde 1999, seus críticos afirmam que foi à custa da saúde da própria economia. No ano passado, a Venezuela cresceu mais de 5%, mas, segundo projeção do Banco Mundial, este ano crescerá apenas 1,8%. O jornal Página/12 conversou com o codiretor do heterodoxo “Center for Economic and Policy Research” de Washington, Mark Weisbrot, que publicou, pouco antes das eleições do ano passado, um relatório sobre a economia venezuelana, descartando a possibilidade de uma hecatombe.
A entrevista é de Marcelo Justo, publicada no jornal Página/12, 10-04-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Desde aquele relatório, aconteceram duas fortes desvalorizações. Você não mudou de opinião?
A Venezuela possui problemas econômicos, mas todos são perfeitamente solucionáveis. Em outras palavras, a economia venezuelana não tem um problema de sustentabilidade. Em 2006, nos Estados Unidos, houve uma bolha imobiliária que inevitavelmente iria acabar em desastre. Era um desequilíbrio insustentável. Na Venezuela, as desvalorizações se devem ao fato de que eram necessárias num regime de tipo de cambio fixo, pois sua inflação era maior que a de seus sócios comerciais. Nos anos 1970 isto não teria importado, porque uma inflação de 20% era comum. Agora, como as outras economias tem uma inflação mais baixa, a moeda venezuelana acaba se valorizando. As desvalorizações serviram para corrigir este desequilíbrio.
No entanto, o gasto fiscal cresceu em 30% no ano passado e o déficit fiscal é próximo de 12%. Isto é sustentável ou o governo terá que diminuir inevitavelmente o gasto?
Não acredito que um gasto dessa magnitude possa se sustentar durante 10 anos, mas por um tempo considerável, quando você tem uma estrutura de dívida como a que a Venezuela possui. Num país exportador de petróleo é preciso se fixar em duas coisas para analisar a estrutura de sua dívida: a dívida externa e a interna. A interna é em bolívares e com uma taxa de juros zero ou negativa, caso se leve em consideração a inflação, de maneira que não atinge o governo. Enquanto a dívida externa, quando analisada em termos de exportações, que é o padrão de medida mais estrito, nota-se que é perfeitamente sustentável. Os juros constituem entre 3 e 4% de suas exportações. Medido em relação ao Produto Interno Bruto, a dívida pública venezuelana não chega aos 50%. Em comparação, a União Europeia tem uma dívida de 82% e países em crise, como a Grécia ou a Itália, superam abundantemente os 100%.
De tal maneira que existe espaço para que o Estado estimule a economia.
Com esses números de fundo, precisariam fazer mais e investir em infraestrutura, no possível, seguindo o modelo chinês, que não importa tudo o que necessita, mas que ativa sua própria indústria. O que está claro é que a solução não é a austeridade. Se alguém observa o que aconteceu depois de 2002, a economia duplicou, em termos reais, nos cinco anos seguintes, ou seja, levando em conta a inflação. O setor privado respondeu a isto e foi um grande criador de emprego.
Em sua análise do ano passado, você criticava o governo por não ter investido de maneira anticíclica, ou seja, aumentando o gasto num momento de desaceleração econômica.
No último trimestre de 2008 e 2009, não fizeram isto e, por isso, tiveram uma recessão por um ano e meio. Poderiam ter evitado. Não acredito que voltem a cometer o mesmo erro. A Venezuela não tem o problema do euro. Tem sua própria moeda, de maneira que sua vulnerabilidade está no setor externo, ou seja, na possibilidade de uma crise na balança de pagamentos. A maioria dos comentaristas contrários ao chavismo, ou seja, a grande maioria que é lida no estrangeiro, apontam isto porque é a única via pela qual poderia haver uma crise terminal. Esta crise não irá ser produzida por haver uma inflação de 20 ou de 30%. É um problema, seria melhor que fosse mais baixa, mas não é uma hiperinflação. A Coreia do Sul teve mais de 20% de inflação, durante os anos 1970, quando era a economia que mais crescia em todo o mundo. De maneira que a única esperança para os que querem ver o fim do atual governo é uma crise na balança de pagamentos. Dada a estrutura da economia venezuelana, não acredito que isto seja possível.
Você disse que conviria que o investimento em infraestrutura fosse feito por empresas venezuelanas. Este foi um problema que Hugo Chávez não pôde resolver: o da diversificação econômica em relação ao petróleo.
Nos primeiros quatro anos, Chávez precisou se concentrar na mera sobrevivência, devido aos ataques da oposição que levaram ao golpe militar de 2002. Uma vez passado isto, concentrou-se nos programas de saúde e educação. Diversificar uma economia é uma coisa muito difícil. O governo do Equador é um dos melhores que conheci, mas não pôde diversificar a economia. É difícil, leva muito tempo. O governo de Chávez tentou, mas poderia ter feito mais. Poderia ter contado com uma política industrial, escolhendo um setor para desenvolver, com incentivos, assim como a Coreia do Sul, China ou Japão fizeram. Nos países em desenvolvimento, este processo precisa ser liderado pelo Estado. Entretanto, é difícil. Acredito que a Venezuela não tinha a capacidade administrativa para um programa desta natureza e, por essa razão, Chávez não o fez.
Com a morte de Chávez, como será o pós-chavismo em nível econômico?
É difícil prever, pois dependerá das medidas que serão adotadas. O cenário catastrófico tem sido muito exagerado: não irá acontecer. Caso lancem um bom programa de investimento em infraestrutura, a economia irá crescer novamente e o crescimento tem sua própria dinâmica ao reduzir a pobreza, aumentar o emprego e estimular o setor privado. É o que aconteceu depois de 2002 e que voltou a acontecer nos dois últimos anos.
Existe a possibilidade de que eles restrinjam o que se chamou de “petrodiplomacia”: a venda de petróleo a preços preferenciais?
Não acredito porque é muito importante para eles. Uma coisa sobre a qual não se escreve na imprensa internacional é que a Venezuela, depois do Irã, é provavelmente o principal objetivo dos Estados Unidos. Investiram muito dinheiro para desestabilizar a Venezuela. Acaba de sair um novo memorando do Wikileaks sobre os planos do ex-embaixador William Brownfield para desestabilizar o governo de Hugo Chávez. O plano era muito claro: retirar Chávez. De maneira que é possível que façam algum corte, mas nada substancial, pois é muito importante para eles e existe uma visão de uma integração profunda da América Latina e o Caribe.
IHU
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