segunda-feira, 22 de abril de 2013

VENEZUELA - Os desgastes do Chavismo.


Por EMILIAMMM

Do Diário da Manhã


Inflação, burocratização da máquina, violência e morte de Hugo Chávez teriam provocado revés político, diz o jornalista e historiador Gilberto Maringoni

DIÁRIO DA MANHÃ - RENATO DIAS

Nicolás Maduro, apesar de sua vitória eleitoral, obteve um revés político. É o que afirma com exclusividade ao Diário da Manhã o jornalista, escritor e historiador Gilberto Maringoni (SP), autor de dois livros sobre a experiência bolivariana na Venezuela. Segundo ele, inflação, burocratização da máquina pública, violência e a morte de Hugo Chávez teriam provocado a derrota parcial do chavismo. Empossado, Maduro irá implantar, em um país polarizado, um programa socialdemocrata nacionalista e de esquerda, afirma. “Um projeto que vê no fortalecimento do Estado a principal ferramenta para o desenvolvimento. Ele reafirma a soberania nacional sobre as riquezas do subsolo, define a necessidade de a Venezuela se constituir numa potência energética regional e tem como meta 'a construção de uma sociedade igualitária e justa', explica Maringoni, que cobriu, no último domingo, as eleições no dividido País. Ele insiste que não há um esgotamento dos projetos de esquerda na América Latina, hoje. “O que se esgotou no continente foi o neoliberalismo, apesar de ele ter ainda muita força no Brasil, no México e no Chile, em especial”, analisa.
Diário da Manhã – Nicolás Maduro sai fragilizado do processo eleitoral ma Venezuela?
Gilberto Maringoni – O governo sai fragilizado, mas nada que não possa ser recuperado. A questão deve ser vista em seu contexto mais geral. Embora a economia venezuelana apresente bons indicadores, um renitente processo inflacionário, a burocratização da máquina pública e a persistência da violência na sociedade geraram um processo de desgaste da administração federal. Some-se a isso, a morte de Hugo Chávez, uma perda imensa para as forças aglutinadas ao seu redor. O resultado é uma vitória eleitoral e um revés político.
* DM – Os chavistas para consolidarem sua hegemonia buscarão consensos com a oposição?*
Gilberto Maringoni – Acho difícil isso acontecer neste momento, tal é o grau de polarização existente na sociedade. Costumo dizer que lá não há cinqüenta tons de cinza na avaliação do governo. Ou se é a favor ou se é contra. Mas deveria haver uma tentativa de se ampliar a base de sustentação da administração pública.
DM – Os votos devem ser recontados?
Gilberto Maringoni – Poderiam ser. Mas teria de haver evidências claras de fraude para isso. A diferença de 1,73% entre os dois candidatos não indica por si só a existência de uma possível irregularidade. Eu nunca soube que diferenças mínimas fossem sinônimo de irregularidade. O equilíbrio de forças entre governo e oposição é uma das maiores demonstrações do caráter democrático da disputa. Ditaduras não apresentam quadros assim. Ressalte-se que a participação popular nas eleições alcançou 78% dos eleitores. Só não é inédito em termos mundiais porque em outubro, na última eleição que contou com a participação de Chávez, o comparecimento chegou a 82%. Nos EUA, historicamente, votam cerca de 30% dos eleitores.
DM – O que provocou a ascensão de Henrique Capriles?
Gilberto Maringoni – Um conjunto de fatores. Primeiro, o desgaste natural de uma gestão que se prolonga há 14 anos. Segundo, o fato de um número expressivo de eleitores de Chávez ter sido fiel à sua pessoa e não ao PSUV ou ao processo político. Terceiro, o fator geracional. Pelos dados do Censo de 2010, metade da população venezuelana tem até 24 anos. Ou seja, não viveu plenamente o quadro anterior, de crise aberta e falta de rumos para a sociedade, marcas dos anos 1980-90. Para esses, conquistas como educação pública, saneamento, moradia, saúde etc. são dados da paisagem. Não têm ideia do esforço enfrentado para se obter tais coisas, pois elas já existiam quando essa geração chegou a uma idade de maior discernimento. Quarto, mas não menos importante, um preocupante processo de acomodação e burocratização de setores da máquina pública e do próprio chavismo. Isso se traduz em ineficiência, focos de corrupção e má gestão dos serviços públicos. Por fim, uma coisa deve ser dita: Capriles é indubitavelmente um líder carismático.
*DM – Com qual programa Nicolás Maduro se elegeu? *
Gilberto Maringoni – Com o mesmo que embalou a candidatura de Chávez em outubro. É um programa socialdemocrata nacionalista e de esquerda, que vê no fortalecimento do Estado a principal ferramenta para o desenvolvimento. Reafirma a soberania nacional sobre as riquezas do subsolo, define a necessidade de a Venezuela se constituir numa potência energética regional e tem como meta “a construção de uma sociedade igualitária e justa”. Aponta a necessidade de se democratizar o Estado e tem um corte claramente anti-imperialista. Apesar de afirmar em várias passagens a necessidade da construção do socialismo, isso tem mais um efeito propagandístico. Poderia enfatizar mais a necessidade de se diversificar a economia, investindo na industrialização. Em se tratando do mundo de hoje, é um programa bastante ousado.
DM – O que ele fará em sete anos de mandato?
Gilberto Maringoni – Dependerá muito das situações concretas que encontrar em cada fase e tentará fazer valer seu programa. Penso que a questão central a ser atacada é a definição do papel do Estado e sua democratização. Além disso, deve ampliar a intervenção na economia, buscando evitar a disseminação interna das ondas da crise internacional.
DM – Qual foi a posição dos EUA no processo?
Gilberto Maringoni – Os EUA tiveram uma posição contrária no início – apoiaram o golpe de 2002 – e desde então a relação política entre os dois países tem sido ruim. Nas eleições de agora, os EUA querem uma recontagem de votos. O governo acusa o país de ingerência indevida em seus assuntos internos.
DM – Como agiu o Brasil?
Gilberto Maringoni – O Brasil teve, ao longo desses 14 anos, uma postura de cooperação bastante positiva. Ainda no governo FHC, no final de 2002, o país enviou um navio com gasolina para minorar os efeitos do 'paro petroleiro' que estancou a produção do óleo. No governo Lula, a aproximação se consolidou através de várias iniciativas regionais, culminando com a entrada da Venezuela no Mercosul, em 2012, pela decisiva ação do Brasil.
DM – Há, hoje, um esgotamento das experiências de esquerda na América Latina como aponta a mídia nacional?
Gilberto Maringoni – Como esgotamento? A esquerda continental tem tido a dificílima tarefa de dar um mínimo de racionalidade à ação estatal, depois do desmanche neoliberal dos anos 1990. O que se esgotou no continente foi o neoliberalismo, apesar de ele ter ainda muita força no Brasil, no México e no Chile, em especial.
DM – O senhor cobriu as eleições na Venezuela: qual a sua análise e o que houve de inusitado?
Gilberto Maringoni – O traço essencial é que o país está dividido ao meio. É preciso romper com a divisão, senão o governo terá sérios problemas pela frente. O chavismo perdeu apoios entre os setores populares. O governo ficou sem uma ação clara, logo ao se conhecerem os resultados. Reatar rompimentos, ter uma política de desenvolvimento solidária e desobstruir canais de participação são, a meu ver, as questões principais a serem atacadas.
DM – O senhor escreveu dois livros sobre a Venezuela: o que eles contam?
Gilberto Maringoni – A Venezuela que se inventa, de 2004, e A revolução venezuelana, de 2009. O primeiro busca fazer um apanhado histórico do século XX e explicar o que significa a liderança de Chávez. No segundo busco debater o que é exatamente a “revolução bolivariana” e esmiuçar um pouco da economia petroleira.

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