Num artigo denso, José Sergio Gabrielli,
ex-presidente da Petrobras, afirma o que está em jogo com o ataque à Petrobras,
propiciado pela Operação Lava Jato; "há um risco sistêmico para a economia
brasileira em razão da paralisia e inoperância dos principais fornecedores da
cadeia produtiva da estatal – em destaque o risco de default das
maiores empreiteiras brasileiras – e da contaminação do sistema financeiro, uma
vez que a maioria das construtoras operava alavancada por empréstimos",
diz ele; "Se a roda parar de girar, o sistema cai. A crise aberta na
Petrobras pode ser a versão brasileira dos subprimes norte-americanos
de 2008"; Gabrielli afirma que a política de produção de petróleo e de
conteúdo nacional enfrenta opositores desde Getúlio Vargas; ele lembra ainda
que, durante o governo Fernando Henrique, a empresa registrou lucro líquido
médio de R$ 4,2 bilhões por ano; "nos governos Lula e
Dilma, a média anual passou para R$ 25,6 bilhões"
10 de Março de 2015 às 12:25
Por José Sergio Gabrielli
A Petrobras foi posta em uma encruzilhada
histórica, e os desdobramentos da investigação da Justiça e de futuras decisões
administrativas podem colocar em xeque não só o legado dos últimos anos, mas
também a sobrevivência da companhia como big player do mercado
e a política de Estado que projeta um futuro promissor garantido pelo pré-sal.
Não se trata de uma previsão catastrofista, e sim de um alerta da real
necessidade de depurar toda a onda de ataques à imagem e à reputação da estatal
e defender seu papel estratégico para o desenvolvimento econômico do país, o
legado construído nos últimos doze anos e a sobrevivência de toda sua cadeia
produtiva.
Desde 2003, a gestão da Petrobras levou em
consideração que o Estado brasileiro tinha uma política de longo prazo de
fortalecer os interesses da União na exploração e produção de petróleo,
fomentar o crescimento de vários setores da indústria brasileira e promover o
desenvolvimento social. Com a potencialidade de desenvolvimento da produção de
petróleo, o Estado brasileiro queria diminuir o risco da doença holandesa de
ficar somente dependente dele. Havia a necessidade de fortalecer a cadeia de
fornecedores, gerar emprego e renda em outros setores e expandir a tecnologia
nacional. Com a descoberta do pré-sal, em 2006, essas possibilidades se
potencializaram muito mais.
As diretrizes que guiaram a Petrobras até aqui –
levando a resultados expressivos tanto financeiros quanto de know-how em
tecnologia – contrariam sensivelmente aqueles que defendem o modelo privatista
vigente até fins de 2002, o qual desejava a abertura da exploração de uma
riqueza brasileira exclusivamente para mãos estrangeiras.
A Operação Lava Jato revelou que as regras de
governança empresarial são insuficientes para detectar comportamentos
criminosos. Por mais que, até aqui, se saiba que o esquema de corrupção, embora
tenha começado confessadamente nos anos 1990, envolva pessoas em acordos
ilícitos que ultrapassam as fronteiras de governança de uma empresa, somente a
quebra de sigilo e as benesses de acordos de delação premiada foram capazes de
trazer à tona o modus operandi e os valores e percentuais
desviados de cada contrato.
A identificação de comportamentos criminosos por
parte de alguns dirigentes da companhia vai forçar um maior controle dos
processos internos, para fortalecer o compliance com as regras
da boa governança. A direção estratégica da companhia vai precisar, a curto
prazo, se dedicar a reconquistar a confiança do mercado financiador de seus
títulos, principalmente agora, depois do rebaixamento de seu rating no
mercado. Isso significa que os processos decisórios serão mais lentos e
cuidadosos, e os objetivos mais gerais de seu plano de investimentos serão
submetidos à lógica de curto prazo. A construção de uma cadeia de fornecedores
e seus impactos macroeconômicos serão secundarizados em relação à geração de
caixa para reduzir seu endividamento, publicar seu balanço e satisfazer seus
credores.
Numa segunda onda, não menos importante e ainda
mais devastadora, há um risco sistêmico para a economia brasileira em razão da
paralisia e inoperância dos principais fornecedores da cadeia produtiva da
estatal – em destaque o risco de default das maiores
empreiteiras brasileiras – e da contaminação do sistema financeiro, uma vez que
a maioria das construtoras operava alavancada por empréstimos. Se a roda parar
de girar, o sistema cai. A crise aberta na Petrobras pode ser a versão
brasileira dos subprimes norte-americanos de 2008.
E sabemos, de antemão, qual é o discurso da
oposição: a culpa pela perda de valor da companhia e os impactos sobre a cadeia
produtiva cairão na conta do “projeto de poder do PT”, que se valeu do esquema
de extorsão e desvio de dinheiro público para, mais uma vez, financiar a compra
de apoio político. Estamos, portanto, diante de um jogo político que, no
cenário internacional, mexe no status quo dos grandes players do
mercado de petróleo.
Por que a Petrobras está sob ataque
É preciso, portanto, entender por que a Petrobras e
o pré-sal são peças-chave nesse xadrez político e econômico. Poucos países têm
a situação do Brasil na produção, distribuição e consumo do petróleo. Foi no
Brasil a maior descoberta de novos recursos dos últimos anos, com a
identificação das gigantescas reservas de petróleo do pré-sal. Os recursos ali
identificados representam a principal fonte de novo petróleo convencional do
mundo, com condições de produção muito favoráveis, apesar dos desafios
tecnológicos – a maior parte deles já superada – de reservatórios especiais em
águas profundas, distantes do litoral.
A Petrobras é hoje a vanguarda na exploração em
águas profundas, o que fez do pré-sal um novo paradigma mundial. De forma
surpreendente para os padrões mundiais, sete anos depois da descoberta, a produção
diária já supera os 700 mil barris, quando o mesmo nível de produção requereu
muito mais tempo depois da descoberta no Mar do Norte, no Golfo do México ou na
costa leste da África. A Petrobras, praticamente como operadora única, foi um
sucesso de realização, introdução de sistemas produtivos e produtividade. O
pré-sal é viável com preços de equilíbrio inferiores aos atuais preços do
petróleo, que caíram para um terço de seu valor em junho de 2014. Portanto, cai
por terra o argumento muitas vezes divulgado pela imprensa de que o pré-sal é
uma promessa para o futuro. Sua exploração é uma realidade – e muito
bem-sucedida.
Poucos países têm a situação brasileira no refino e
no consumo de combustíveis. É um mercado de derivados que cresce a taxas
extraordinariamente altas em comparação com os mercados europeus,
norte-americano e japonês, com uma presença significativa de etanol e biodiesel
no fornecimento final dos combustíveis e com uma malha logística, em um país
continental, que pode alcançar todo o território nacional. Além de ter uma taxa
de crescimento bastante alta, é, em termos absolutos, um dos maiores mercados
do mundo, o que garante, em âmbito nacional, a combinação de oferta de fontes
de petróleo cru economicamente viáveis, em volume considerável, com parque de
refino instalado e mercado consumidor ávido para utilizar os derivados
produzidos.
Esse cenário só foi possível porque o Conselho de
Administração da Petrobras soube se guiar com precisão nos últimos doze anos,
orientando os investimentos onde eram de fato necessários – e sem perder de
vista a política de Estado de fortalecimento interno da economia e
desenvolvimento social.
Poucos países têm a situação brasileira de um
sistema de geração de eletricidade que combina a fonte hidrelétrica com um
parque termelétrico fortemente lastreado na utilização de gás natural, ao mesmo
tempo que cresce a taxas expressivas a geração eólica. Conta com uma rede de
gasodutos que liga a costa brasileira de norte a sul do país e é capaz de,
conectada com a Bolívia, ter um fornecimento de gás que consolida a
contribuição da produção brasileira, a importação via gasoduto da Bolívia e a
importação de GNL com três terminais de regaseificação instalados.
Poucos países têm a situação brasileira de ter uma
empresa como a Petrobras, que conta com o melhor conhecimento e experiência do
mundo na produção em águas profundas, fato reconhecido pela terceira vez, dando
à empresa este ano o Distinguished Award,da prestigiada Offshore Technology
Conference (OTC), que ocorre todos os anos no Texas, Estados Unidos. A
Petrobras tem um dos melhores corpos técnicos do mundo, tem instalada uma das
maiores frotas mundiais de sistemas flutuantes de produção, com barcos de apoio
e sondas de perfuração, além de operar os sistemas submersos e a logística de
escoamento da produção de petróleo e gás de forma segura, eficiente e rentável.
Além de sua capacidade própria, a história da
Petrobras a credencia a ser um parceiro desejado pelas grandes companhias de
petróleo, com quem ela mantém relações produtivas de parceria. Ser a operadora
única possibilita a melhor utilização da infraestrutura já instalada, a melhor
eficiência na mobilização de recursos adequados para a solução dos desafios e a
possibilidade de atrair os melhores agentes do mercado. Possibilita também
obter vantagens da escala de compras e da definição de estratégias de longo
prazo que necessitem de expansão da capacidade de produção do próprio setor de
fornecimento de equipamentos especiais e dedicados, como sondas de perfuração de
águas profundas, equipamentos submersos e sistemas de complementação dos
sistemas de produção. Possibilita ainda a apropriação nacional dos
desenvolvimentos tecnológicos que advêm da experiência concreta de fazer a
produção funcionar.
A descoberta de grandes reservas de petróleo pode
ser um bônus se permitir a criação de mais riqueza e tornar possível que o país
supere suas limitações de crescimento, distribuição de renda e justiça social.
Mas a mesma descoberta também pode ser uma maldição se não permitir que outros
setores da economia cresçam, levando ao que se conhece como doença holandesa:
um setor passa a ser hipertrofiado como gerador de renda, inibindo os outros.
Como a fonte da renda é um recurso esgotável, seu fim condena todos à miséria.
É contra esse risco que a política de conteúdo
nacional, utilizando a escala das compras para os sistemas de produção de
petróleo no país, de forma a promover a expansão da capacidade produtiva das
empresas localizadas no Brasil, possibilita a formação de uma forte cadeia de
suprimento para o setor, que irradia a criação de emprego e renda, além da
atividade de produção de petróleo e gás.
Esse modelo sempre teve opositores – o que vem
desde os tempos de Getúlio Vargas. Inicialmente eles eram contra a própria
existência da Petrobras e se opuseram à sua criação, defendendo que era melhor
abrir o país para as operadoras internacionais. Depois, com a quebra do
monopólio nos anos 1990, adotaram o modelo dos leilões de concessão, que, dado
o risco exploratório alto, gerava receitas para o Estado baseadas nas
expectativas que as empresas tinham sobre os ganhos futuros das concessões e
balizavam os bônus, que elas ofereciam ao Estado pelo direito de produzir
durante mais de 25 anos. A repartição de ganhos futuros estava predeterminada.
Com o pré-sal tudo se modificou. O risco
exploratório de buscar e não encontrar petróleo era mínimo; portanto, basear o
ganho futuro do Estado nessa avaliação riscada das empresas não era o modelo
adequado. O governo brasileiro mudou o marco regulatório e instaurou o contrato
de partilha de produção, em que o Estado partilha os ganhos futuros que
surgirem da exploração, uma vez que os riscos subsistentes do pré-sal se
relacionam com o desenvolvimento da produção, e não com a exploração.
Os opositores, claro, não querem isso. Querem mais
garantias para as empresas e menos possibilidades de o Estado capturar parte
dos excedentes de renda, que poderão advir da continuidade da produção da
imensa riqueza descoberta. Querem retornar aos leilões de concessão, nos quais
os ganhos do Estado dependem das expectativas das empresas de qual será a
receita futura do petróleo a ser produzido. Esse é um ponto-chave para entender
por que a Petrobras passou a ser alvo de tamanha artilharia. Na prática, o
marco regulatório e o modelo de partilha dão solidez à política de Estado como
diretriz da gestão da Petrobras e dos recursos do pré-sal. O ataque à reputação
da companhia – e seu consequente efeito para o rating da
estatal junto às agências de classificação de risco – tem o objetivo de
“quebrar a espinha da Petrobras” e, assim, inviabilizar o modelo de partilha
imposto pelo marco regulatório.
Outro grave desdobramento que se avizinha é
comprometer os ganhos sociais que estão diretamente ligados à política vigente.
Em 2010, o governo brasileiro foi sábio em criar um fundo para concentrar os
ganhos advindos da exploração e produção do pré-sal, definindo que seus
rendimentos deveriam se destinar a investimentos que transformassem o futuro do
país: educação, ciência e tecnologia e meio ambiente. Os opositores também não
querem isso e defendem apenas a manutenção dos royalties e da
participação especial, contribuição adicional que as empresas petroleiras pagam
nos leilões de concessão, para campos extremamente produtivos.
São essas conquistas que estão sob ameaça com a
atual sanha “denuncista” da mídia nacional, que já começa a contaminar a mídia
internacional. Não importam os fatos, mas as versões e as ilações sobre os
fatos. Os únicos testemunhos que valem são dos acusadores. O ônus da prova, que
deveria ser de quem acusa, passou a ser exigido de quem é acusado. Ninguém
seria em princípio inocente, como define a Constituição. Se for dirigente da
Petrobras e, principalmente, se for do PT, você é imediatamente condenado pela
mídia, sem direito a defesa nem julgamento. É um linchamento público
gigantesco. A voz dos delatores é considerada a verdade absoluta, sem provas e
seletivamente divulgada.
Não se faz aqui, evidentemente, a defesa dos atos
ilícitos que foram confessados. Muito pelo contrário: devem ser investigados, e
os culpados, punidos. Sempre respeitando, porém, as regras de um Estado
democrático de direito e, sobretudo, sem o viés político que se tem dado ao
caso. Colocar todos os contratos da Petrobras e o trabalho de mais de 80 mil
funcionários em suspeição é um atentado político contra a companhia e, por
tabela, a toda a sociedade brasileira, que é, de fato, dona das riquezas do
pré-sal.
Deve-se ter frieza para analisar os fatos sem a
influência política de quem tem interesses em enfraquecer a Petrobras ou ainda
em apagar o legado que se construiu nos últimos doze anos. O que se sabe até
aqui é que os atos ilícitos confessados foram praticados fora da Petrobras, mas
com a conivência de alguns poucos funcionários. Atos que seriam praticamente
impossíveis de serem detectados por meio das regras rígidas de governança
corporativa sempre adotadas pela Petrobras. Outras grandes empresas do mundo,
tanto na área de petróleo quanto em outros setores da economia, viveram casos parecidos
recentemente, e, em momento algum, colocaram-se em xeque suas operações. A
holandesa SBM, fornecedora da Petrobras, é um exemplo. A Siemens e a Alston,
envolvidas no escândalo do trensalão tucano em São Paulo, também.
Os supostos pagamentos ilícitos em contratos da
Petrobras não podem colocar em suspeição a necessidade e a correção estratégica
da companhia em executar cada uma das obras em questão. Todas foram decididas,
corretamente, pelo Conselho de Administração da companhia, espelhando seu planejamento
estratégico.
A construção das refinarias de Abreu e Lima e do
Comperj, ou ainda a reforma da refinaria do Paraná (Repar), hoje demonizadas
pela imprensa, são de vital importância para que o Brasil não sofra a longo
prazo com o “apagão do refino”. São obras estratégicas para atender ao
crescente mercado doméstico de derivados de petróleo, como a gasolina e o
diesel. O país não construía uma refinaria desde 1980, e a demanda crescente,
sobretudo após 2005, impôs a urgência de ampliação do parque de refino – mesmo
se tratando de um investimento caro e demorado e com baixos índices de
rentabilidade para os acionistas.
A construção de plataformas e de sondas de
perfuração passa pela mesma lógica: sem esses investimentos, a Petrobras não
teria condições de, como já assinalado, retirar mais de 700 mil barris por dia
das reservas do pré-sal.
Os números da Petrobras são superlativos e espelham
sua grandiosidade e papel estratégico para o país. Em fins de 2002, a
companhia, que vinha sendo preparada para ser vendida, valia cerca de US$
15 bilhões em valor de mercado. Durante o governo Fernando Henrique, a
empresa registrou lucro líquido médio de R$ 4,2 bilhões por
ano. Nos governos Lula e Dilma, a média anual passou para R$ 25,6
bilhões. O lucro anual da Petrobras seria suficiente, por exemplo, para
custear o investimento de um ano do programa Bolsa Família. Nos últimos doze anos,
o lucro líquido acumulado supera R$ 300 bilhões.
Os resultados financeiros refletem o trabalho do
dia a dia. A produção de petróleo da companhia cresceu 50% de
2002 a 2014, sempre acima da média mundial. Apenas no ano passado, cresceu
cerca de 7,5%, graças aos campos do pré-sal. A Petrobras é a única
petrolífera que registrou crescimento de produção nos últimos anos em
comparação com as gigantes do mercado, como Shell, Exxon, Chevron e BP, que
estão sofrendo com a crise financeira internacional.
O número de plataformas da empresa mais que dobrou
de 2002 até hoje: eram 36e agora são 82, resultado do
forte investimento feito na última década. A Petrobras, que no passado
investia US$ 2 bilhõespor ano, passou a investir mais de US$
3,5 bilhõespor mês.
Essa é a empresa real – com números reais – que
querem esconder valendo-se das denúncias que surgiram com a Operação Lava Jato,
o que gerou o clima de forte especulação que fez a companhia perder tanto valor
de mercado em tão pouco tempo. A Petrobras é uma empresa sólida, mas a campanha
em curso – em discurso uníssono na imprensa – visa enfraquecê-la. Tentam
reverter as mudanças do marco regulatório do pré-sal brasileiro, a que se
adiciona o papel geopolítico de uma petroleira brasileira enfraquecida, com uma
cadeia de fornecedores, em formação, destroçada e sem condições de continuar
competindo para formar uma indústria com conteúdo nacional que gere emprego e
renda no país.
O contexto internacional
Também não podemos perder de vista o contexto
internacional do mercado de petróleo e o papel estratégico da Arábia Saudita.
De 1973, com a crise da guerra árabes-Israel, até 2013, o mercado vinha atuando
com a Arábia Saudita sendo o país que regulava a produção adicional sobre a
demanda, de forma a impedir quedas acentuadas de preços ou seu aumento
demasiado, via ajuste de sua produção nacional. A Arábia Saudita tem um custo
de extração do barril do petróleo relativamente baixo em relação aos preços de
venda internacional e, portanto, poderia suportar ajustes de preços maiores do
que produtores com custos mais elevados.
A Opep, que reunia os países exportadores de
petróleo, combinava essa dinâmica e internamente ajustava a produção excedente.
Nos últimos anos, em especial a partir de 2008, esse esquema começou a ser questionado.
A produção adicional proveniente dos Estados
Unidos, com a expansão das técnicas de fracionamento dos reservatórios no shale
gase tight oil e a consequente disponibilidade, por meio
da produção associada de condensados equivalentes a óleo leve, tornou esse país
o maior mercado consumidor do mundo, praticamente autossuficiente de petróleo
leve, ainda que continue a importar petróleo pesado.
Por outro lado, a oferta futura de petróleo não
convencional – dos Estados Unidos e das areias betuminosas do Canadá – e do
ultrapesado da Venezuela ameaçava o equilíbrio tradicional, em que a produção
da Opep era chave. Junto com as perspectivas de crescimento do pré-sal
brasileiro, a geopolítica do petróleo passou a considerar as mudanças de papéis
de seus atores.
A Arábia Saudita se recusa a baixar sua produção
para ajustar os preços, esperando que a queda nos valores tire do mercado –
como já começa a acontecer – os produtores norte-americanos de óleo não
convencional, colocando o preço do petróleo em níveis ameaçadores para a
continuidade de alguns projetos de produção futura de não convencionais. Essa
situação ainda não chegou a ameaçar o pré-sal brasileiro, mas já começa a
afetar as economias do Irã, da Venezuela e da Rússia, tradicionais adversários
dos Estados Unidos na política internacional.
A continuidade dos preços baixos, no entanto,
associada aos impactos no mercado financeiro da campanha contra a Petrobras,
tentando generalizar comportamentos individuais criminosos com o comportamento
da corporação, podem tornar seu papel-chave no modelo de produção desenhado
impossível de ser executado.
Essa situação fica ainda mais perigosa se as
empresas que estão começando a se preparar para expandir a capacidade de
produção da cadeia de suprimento do setor se inviabilizarem.
Isso é o que está em jogo com essa campanha. Os
opositores são os mesmos que foram contrários à própria existência da
Petrobras, desde seu início. O viés político que se vê em alta no ataque à
companhia é infinitamente mais perverso para o futuro do país se comparado aos
atos ilícitos até aqui descobertos. É dever cívico alertar e deixar claro a
quem interessa que há uma Petrobras fragilizada em meio a tantas denúncias. É o
futuro do Brasil que está em jogo.
José Sergio Gabrielli de Azevedo é professor
aposentado da UFBA e ex-presidente da Petrobras (2005-2012)
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