Samarco, a agonia do capitalismo financeiro
Fonte:
Desenvolvimentistas Autor: André Araújo
O caso das barragens da Samarco nos leva a reflexões colaterais
sobre o capitalismo financeiro e seus personagens. A Samarco hoje é
controlada pela maior companhia de mineração do mundo, a BHP, fusão da
Broken Hill Proprietary, fundada na Austrália em 1851, e a Billiton,
originada na Indonésia holandesa na mesma época, depois integrante do
Grupo Royal Dutch Shell, e a nossa Vale, cuja origem é a americana
Itabira Iron, de Percival Farquar, maior empresário do Brasil nas
primeiras décadas do Século XX, empresa nacionalizada pelo Presidente
Artur Bernardes e que virou Cia. Vale do Rio Doce na década de 40.
Hoje, firmas como a BHP e a Vale são controladas por fundos e não por
pessoas. Os fundos querem taxas de retorno, é preciso pressionar os
executivos. Estes, encostados na parede, cortam custos essenciais para
fazer subir a taxa de retorno.Esse capitalismo deixa destroços pelo
caminho, no limite vão acabar com o emprego e a sustentabilidade do
planeta. O caso SAMARCO pode ser um dos maiores símbolos desse sistema
que gera sua própria autodestruição.
Como empresas tão experientes lograram
correr um nível de risco patrimonial tão alto a ponto de incorrer em
indenizações que provavelmente vão zerar o valor financeiro da Samarco?
Esta faturou R$ 7,2 bilhões em 2014, ganhou líquidos 2,8 bilhões e
investiu apenas 78 milhões em segurança ambiental. Com um pouco mais
reforçaria as barragens, que são de terra, as mais baratas que existem,
instalaria sensores para monitorar o risco da pressão do volume sobre a
parede e, com mitigação maior de risco, transformaria a parte de terra
despejada na represa em pellets, que poderiam ser armazenados fora da
represa e diminuiriam consideravelmente o volume dentro da barragem.
Assim, ficaria com muito menor ocupação resultante apenas em água
impura, mas em muito menor volume do que o conjunto lama+detritos+água.
Essa solução mais definitiva custaria um pouco mais, mas seria um seguro
infinitamente mais barato do que o custo econômico que agora cairá
sobre a empresa que será devorada pelas indenizações.
Como os executivos não assumiram esse
caminho? Por causa do modelo de capitalismo financeiro que vem assumindo
a direção das grandes empresas da economia produtiva. Foram-se os
executivos "de indústria", "do ramo". Hoje, assumiu uma geração de
jovens calculistas que trabalham exclusivamente com planilhas, índices,
taxas de retorno. Não tem ligação com o produto físico, com as máquinas,
com a terra, com o minério, com a barragem. O mundo deles e de seus
chefes e acionistas é exclusivamente financeiro.
O lucro pode ser fantástico, mais de um
terço do faturamento, mas nem por isso a pressão para obter mais é da
essência dessa cultura financeira. Fora das planilhas e dos "budgets",
dos "targets", não tem mais nada no radar, nem o futuro da empresa, é só
o próximo trimestre, base dos bônus. No semestre posterior pode ter
caído o CEO mundial do grupo e o CEO da Samarco, então a única meta que
conta é o lucro do trimestre.
Conheci profundamente o sistema. De 1974
a 1978, fui o principal executivo de uma subsidiaria de multinacional
americana no Brasil, havia uma obsessão com a meta trimestral, nada mais
importava. No fim de cada trimestre, todos os executivos-chefes de cada
divisão viajavam para a matriz em St. Louis, eram 130 divisões no mundo
e lá mesmo no bunker do subsolo do prédio havia, durante toda a semana,
em um auditório, uma revisão do budget de cada divisão. Se o executivo
não tivesse atingido a meta era execrado em público e alguns despedidos
lá mesmo. Depois, partia-se para fixação da nova meta para o trimestre
seguinte, a pressão era intensa visando aumentar o lucro prometido,
máxima pressão, até que o executivo acabasse por aceitar, mesmo sabendo
que era impossível atingir, pelo menos ele teria o emprego por mais um
trimestre.
Era um sistema diabólico para espremer
cada divisão como um limão. Isso há 40 anos. Hoje, está muito pior, o
único critério de sucesso é aumentar a taxa de retorno para o acionista
com o mínimo de investimento, o mínimo de empregados e o maior
aproveitamento dos ativos. Os que atingiam e ultrapassavam um pouco
viravam heróis e eram homenageados com convite para jantar com o CEO,
ganhavam sorrisos e cumprimentos, às vezes até promoção no ato.
Esse "capitalismo do trimestre" leva a
mega distorções. É possível aumentar o lucro no curto prazo economizando
em itens que causarão danos só no longo prazo, como não fazer a
manutenção periódica dos equipamentos, trocar mão de obra cara por mais
barata, rebaixar a qualidade do produto, continua vendendo, mas vai
queimando a marca. Economizar na segurança ambiental é uma típica
manobra para aumentar o lucro no curto prazo, a custo do longo prazo...
Esse é o típico capitalismo AMBEV:
padronizar todas as cervejas, só muda o rótulo, o gosto é o mesmo. Isso
faz cair o custo por causa dos mega volumes de uma fabricação uniforme,
abrindo espaço para centenas de fábricas de cervejas artesanais, porque o
consumidor não quer o mesmo paladar padronizado. Isso é o capitalismo
financeiro, os controladores da AMBEV são todos financistas e não
industriais, heróis do capitalismo de corte de custos até o osso.
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