ornalista e escritor Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília
Os brasileiros tiveram uma lição inesquecível sobre a vida num país
onde não existe uma mídia livre, mas um conglomerado de emissoras que
tratam a democracia como extensão da sala de visitas de suas empresas.
Os brasileiros tiveram uma lição inesquecível sobre a vida num país onde não existe uma mídia livre, mas um conglomerado de emissoras que tratam a democracia como extensão da sala de visitas de suas empresas.
Estou falando da reação da apresentadora Ana Paula Araújo diante da observação de Jandira Feghalli sobre o papel da TV Globo no golpe que derrubou Dilma Rousseff. Na abertura do debate entre candidatos a prefeito do Rio de Janeiro, Jandira fez uma declaração sobre o papel da emissora no impeachment. Lembrou que a Globo “apoiou o golpe contra a democracia, contra uma mulher eleita, cassada sem cometer crime”.
Muito provavelmente orientada através do ponto eletrônico pela direção de jornalismo da casa, o que é natural numa situação como esta, Ana Paula afirmou que a realização do debate era uma demonstração de “apreço pela democracia”. Falou que a Globo não era "obrigada" a fazer debates -- sugerindo que podia tratar-se de um favor. Em seguida, prosseguiu: “Não é a TV Globo que está sendo avaliada.
É apenas escandaloso. Podemos até admitir que -- em parte graças a inesquecíveis contribuições da própria TV Globo -- a política brasileira atingiu um nível de avacalhação com poucos paralelos em nossa história.
Mas nem por isso um debate entre candidatos a prefeito da segunda maior cidade brasileira, alvo de reverência internacional após as Olimpíadas e as Paralimpíadas, pode ser tratado como uma réplica da Escolinha do Professor Raimundo. Candidatos a cargos públicos não podem ser tratados como atores dóceis, que recitam um texto em troca do acesso uma platéia imensa. Não são repórteres pautados e orientados. Tampouco são humoristas, ainda que muitos sejam acima de tudo risíveis. São protagonistas da vida real de um país, um Estado, uma cidade.
Estão ali como expressão da soberania popular, base dos poderes da República, como se aprende no artigo 1 da Constituição. Não podem ser comandados, censurados, nem orientados. Muito menos, para proteger a imagem de uma empresa privada, sujeita às chuvas e trovoadas naturais a todo debate político.
Vamos falar francamente. Depois que o papel vexaminoso da Globo no golpe de 31 de agosto motivou centenas, talvez milhares, de cartazes exibidos nas passeatas de protesto, tentar esconder essa situação num debate sem censura é o máximo de arrogância.
Outro aspecto. Uma emissora de TV não tem o direito de tentar interferir diretamente num debate dessa natureza, como parte interessada, muito menos de forma acintosa. Pode manifestar seu desagrado como quiser e, pelo regime de monopólio que usufrui -- condenado pela Constituição -- escolher manifestar pela radio AM ou FM, pelo jornal Extra, pelo Globo, pelo Valor Econômico, pela revista Época...
Mesmo que tenha preferências políticas óbvias, sempre negadas pelos manuais da hipocrisia, não lhe cabe dizer qual o tema é pertinente num debate, qual não é.
Isso é responsabilidade dos candidatos, que não estão ali como amigos nem como convidados – mas como homens públicos, com convicções e responsabilidades, que disputam a atenção do eleitor para conseguir seu voto. Tanto é assim que não basta registro para entrar na discussão. É preciso legitimidade junto a uma parcela mínima de eleitores.
Se há alguma instituição capacitada para estabelecer limites ao que se diz no ar – eu acho que em eleição não há nem deveria haver – é a Justiça eleitoral, não a jurisprudência de um grupo econômico.
Frequentemente embriagada com sua audiência, com o preço milionário que consegue cobrar pelos anúncios publicitários, em especial de empresas públicas e, acima de tudo, pela reverência covarde que recebe da maioria de nossos homens públicos, a emissora costuma veicular – como fez pela boca de Ana Paula Araújo -- a noção de que está prestando um favor aos brasileiros quando promove um debate eleitoral. Errado.
Ainda que a maioria de nossos homens públicos tenha se habituado a prestar reverência às emissoras de TV desde sempre, em particular desde 1988, quando aliados do monopólio privado dos meios de comunicação ocuparam a Constituinte para derrubar todos artigos favoráveis a democratização da mídia, elas são concessionárias do Poder Executivo. Isso quer dizer que podem ter suas licenças cassadas no prazo de dez anos – ou até enfrentar uma suspensão, em determinados casos. Ou perder receitas publicitárias de empresas públicas garantem o pão de cada dia – mesmo na campeã de audiência.
Não vamos nos iludir, amigos. A atitude de Jandira Feghali foi um ato de coragem que só ocorre de tempos em tempos. Mostrou que o rei está nu – e por isso a reação foi rápida e direta, ainda mais numa conjuntura em que a coalização golpista não consegue esconder sinais de fraqueza.
Nada a lamentar. Só a postura dos demais candidatos, que perderam uma ótima oportunidade para entrar no assunto e discutir uma questão de particular relevância para a vida dos cariocas, habitantes de uma cidade na qual a TV Globo tenta sobreviver como uma aristocracia em tempos democráticos.
Coragem de Jandira mostrou o rei nu
Os brasileiros tiveram uma lição inesquecível sobre a vida num país onde não existe uma mídia livre, mas um conglomerado de emissoras que tratam a democracia como extensão da sala de visitas de suas empresas.
Estou falando da reação da apresentadora Ana Paula Araújo diante da observação de Jandira Feghalli sobre o papel da TV Globo no golpe que derrubou Dilma Rousseff. Na abertura do debate entre candidatos a prefeito do Rio de Janeiro, Jandira fez uma declaração sobre o papel da emissora no impeachment. Lembrou que a Globo “apoiou o golpe contra a democracia, contra uma mulher eleita, cassada sem cometer crime”.
Muito provavelmente orientada através do ponto eletrônico pela direção de jornalismo da casa, o que é natural numa situação como esta, Ana Paula afirmou que a realização do debate era uma demonstração de “apreço pela democracia”. Falou que a Globo não era "obrigada" a fazer debates -- sugerindo que podia tratar-se de um favor. Em seguida, prosseguiu: “Não é a TV Globo que está sendo avaliada.
É apenas escandaloso. Podemos até admitir que -- em parte graças a inesquecíveis contribuições da própria TV Globo -- a política brasileira atingiu um nível de avacalhação com poucos paralelos em nossa história.
Mas nem por isso um debate entre candidatos a prefeito da segunda maior cidade brasileira, alvo de reverência internacional após as Olimpíadas e as Paralimpíadas, pode ser tratado como uma réplica da Escolinha do Professor Raimundo. Candidatos a cargos públicos não podem ser tratados como atores dóceis, que recitam um texto em troca do acesso uma platéia imensa. Não são repórteres pautados e orientados. Tampouco são humoristas, ainda que muitos sejam acima de tudo risíveis. São protagonistas da vida real de um país, um Estado, uma cidade.
Estão ali como expressão da soberania popular, base dos poderes da República, como se aprende no artigo 1 da Constituição. Não podem ser comandados, censurados, nem orientados. Muito menos, para proteger a imagem de uma empresa privada, sujeita às chuvas e trovoadas naturais a todo debate político.
Vamos falar francamente. Depois que o papel vexaminoso da Globo no golpe de 31 de agosto motivou centenas, talvez milhares, de cartazes exibidos nas passeatas de protesto, tentar esconder essa situação num debate sem censura é o máximo de arrogância.
Outro aspecto. Uma emissora de TV não tem o direito de tentar interferir diretamente num debate dessa natureza, como parte interessada, muito menos de forma acintosa. Pode manifestar seu desagrado como quiser e, pelo regime de monopólio que usufrui -- condenado pela Constituição -- escolher manifestar pela radio AM ou FM, pelo jornal Extra, pelo Globo, pelo Valor Econômico, pela revista Época...
Mesmo que tenha preferências políticas óbvias, sempre negadas pelos manuais da hipocrisia, não lhe cabe dizer qual o tema é pertinente num debate, qual não é.
Isso é responsabilidade dos candidatos, que não estão ali como amigos nem como convidados – mas como homens públicos, com convicções e responsabilidades, que disputam a atenção do eleitor para conseguir seu voto. Tanto é assim que não basta registro para entrar na discussão. É preciso legitimidade junto a uma parcela mínima de eleitores.
Se há alguma instituição capacitada para estabelecer limites ao que se diz no ar – eu acho que em eleição não há nem deveria haver – é a Justiça eleitoral, não a jurisprudência de um grupo econômico.
Frequentemente embriagada com sua audiência, com o preço milionário que consegue cobrar pelos anúncios publicitários, em especial de empresas públicas e, acima de tudo, pela reverência covarde que recebe da maioria de nossos homens públicos, a emissora costuma veicular – como fez pela boca de Ana Paula Araújo -- a noção de que está prestando um favor aos brasileiros quando promove um debate eleitoral. Errado.
Ainda que a maioria de nossos homens públicos tenha se habituado a prestar reverência às emissoras de TV desde sempre, em particular desde 1988, quando aliados do monopólio privado dos meios de comunicação ocuparam a Constituinte para derrubar todos artigos favoráveis a democratização da mídia, elas são concessionárias do Poder Executivo. Isso quer dizer que podem ter suas licenças cassadas no prazo de dez anos – ou até enfrentar uma suspensão, em determinados casos. Ou perder receitas publicitárias de empresas públicas garantem o pão de cada dia – mesmo na campeã de audiência.
Não vamos nos iludir, amigos. A atitude de Jandira Feghali foi um ato de coragem que só ocorre de tempos em tempos. Mostrou que o rei está nu – e por isso a reação foi rápida e direta, ainda mais numa conjuntura em que a coalização golpista não consegue esconder sinais de fraqueza.
Nada a lamentar. Só a postura dos demais candidatos, que perderam uma ótima oportunidade para entrar no assunto e discutir uma questão de particular relevância para a vida dos cariocas, habitantes de uma cidade na qual a TV Globo tenta sobreviver como uma aristocracia em tempos democráticos.
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