O power-point e o domínio do fato
A função do diagrama, com Lula no Centro de uma teia de relações, foi peça inaugural de um discurso que apenas começou a ser feito. Ele aponta para as próximas etapas de sua proscrição política pela condenação judicial. Disseminada a idéia de que Lula estava acima de todos os sujeitos envolvidos no esquema de corrupção, estará criado o ambiente para a aplicação pacífica da teoria do domínio do fato, também chamada de responsabilidade objetiva.
Formulada pelo jurista alemão Claus Roxin, a teoria aportou no Brasil no julgamento da ação penal 470, a do chamado mensalão. O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a condenação de ex-ministro da Casa Civil José Dirceu como comandante do esquema. Na falta de evidências, já que a denúncia era amparada essencialmente no cruzamento de depoimentos e não em provas, Gurgel invocou a teoria, afirmando que, embora operadores do crime organizado moderno deixem poucos rastros, são eles quem têm controle sobre o resultado final da atividade criminosa. O ex-ministro Joaquim Barbosa acolheu o argumento para condenar Dirceu. Alguns ministros não se sentiram confortáveis . Parte da comunidade jurídica criticou a inovadora aplicação da teoria naquelas condições.
O próprio Claus Roxin, passando pelo Brasil, reclamou da interpretação de que a teoria fora desenvolvida para tornar mais severas as penas das pessoas que comandam as estruturas políticas. O propósito, disse ele, foi punir os responsáveis pelas ordens e pelas pessoas que as executam em uma estrutura hierarquizada que atue fora da lei.
Segundo ele, não se pode transferir a tese para estruturas do poder que atuam dentro da lei. E citou como exemplo a tentativa de punir um presidente de empresa pelo crime cometido por um funcionário, sob o argumento de que o presidente é responsável por dar o comando. Roxin afirma que o presidente da companhia não está em uma situação de ilicitude. Quando ele passa uma tarefa, não pode ser responsabilizado pela atuação do funcionário, a não ser que ele tenha conhecimento de que a ordem será cumprida de forma ilícita.
Agora é Lula, e não Dirceu, que aparece no papel de quem sabia de tudo e tudo comandava. Para fixar a ideia no imaginário e no entendimento corrente de uma sociedade, nada melhor que uma boa imagem. Para isso, lá estava o diagrama de Dallagnol, com o nome de Lula no centro e tantos círculos ao redor, embora dentro deles aparecessem palavras que faziam pouco sentido: “expressividade”. “maior beneficiado”, “governabilidade corrompida”, “proximidade com investigados” e daí para a frente. Um truque para iludir desavisados e manipular consciências. E, principalmente, para abrir caminho à aplicação da teoria do domínio do fato, quando Lula for julgado por Sergio Moro e na segunda instância.
Com a cachoeira verbal sem correspondência nos fatos da denúncia, ilustrada pelo diagrama, muito antes de qualquer julgamento já estará sendo criada a percepção de que Lula, como disse no ano passado o procurador Carlos Fernando sem citar seu nome, foi responsável pela instituição do esquema, permitiu que ele se desenvolvesse e dele se beneficiou.
Os fundamentos constitucionais, a presunção da inocência, a necessidade de provas, tudo isso, desde a ação penal 470, vem se tornando secundário, no país em que o mais importante são as convicções. Os alemães, sob o nazismo, também foram convencidos de que os judeus faziam um grande mal a seu país e deviam ser denunciados. Mesmo sabendo que seriam levados para campos de concentração.
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