Bloch: o Brasil no powerpoint
Quanto mais bile, mais chance terminar num gráfico em pizza...
Por sugestão do incansável Luiz Carlos Barreto, o Conversa Afiada reproduz do Globo de sábado, escondido nas costas do último caderno, artigo de Arnaldo Bloch, autor do excelente "Irmãos Karamabloch":
Brasil no PowerPoint
Se Lula vai ser preso ou não, se vai
concorrer ou não em 2018, em que grau é culpado, nada disso está em
questão aqui, e sim o paradigma fixado pela apresentação das mais
recentes denúncias contra ele pelo jovem procurador do Ministério
Público Federal Deltan Dallagnol, e seus efeitos nos inquéritos sobre
outras figuras de peso no cenário dos três poderes do Brasil. Ao
transmitir em rede nacional sua eufórica tese sobre o Lula Comandante
num gráfico primário de PowerPoint cujos principais vetores remetem mais
a convicções e impressões do que a provas (“expressividade” e “poder de
decisão” passaram a ser indícios de crime), Dallagnol criou um
precedente exemplar.
Um precedente que autoriza os generais
da força-tarefa a sistematizarem a dinâmica de culpabilizar de forma
grandiloquente sem exibir o devido esforço investigativo. Num cenário em
que a delação premiada — que deveria ser um subsídio — virou
praticamente a única técnica de apuração de crimes de corrupção, é
natural o desejo de apresentar resultados antes da conclusão, como se
tudo fosse “simples assim”. Isso só enfraquece a noção de justiça e
passa a impressão de que o objetivo é mais convencer a opinião pública
do que fechar o caso de maneira sólida.
Não foi à toa que, no universo de memes
que inundou as redes sociais após a exibição do quadro (à exceção dos
que simplesmente o reproduziam bovinamente em camisetas ou exacerbações
comemorativas), pelo menos metade era de sátiras sobre a infantilidade
do infográfico ou interrogações, mostrando que, com o mínimo de lógica, é
possível desenhar inúmeros gráficos semelhantes apenas mudando a figura
no centro do esquema. E mais: considerando que a Operação Lava-Jato foi
prorrogada por dois anos, a nação aguardará, nos próximos 24 meses,
ansiosa, que outras entrevistas coletivas com PowerPoint sejam
convocadas para oferecer denúncias envolvendo outros personagens da vida
pública que já estão sendo investigados ou são réus em processos de
diferentes esferas.
Do contrário, as afirmações de
Dallagnol (de que não age por motivação ideológica e de que a corrupção
no Brasil é endêmica e apartidária) serão desmoralizadas. Espera-se,
portanto, que, com a mesma pompa, ele apresente em seu PowerPoint não só
as correlações de Aécio Neves com Furnas, supostas tentativas de
obstrução da Justiça, maquiagem de dados, montagem de base parlamentar
em troca de vantagens e outras provas calcadas em convicções, mas também
o esquema Cunha (numa tela de cinema, para caber), o esquema Renan (o
mais hábil e simpático gênio do mal do país), o esquema Sarney (que
remonta a meio século), e por aí vamos.
Nesse modelo, caberia, com um esforço
mínimo, montar um gráfico com Michel Temer no centro, tendo em sua
órbita Eduardo Cunha, Romero Jucá (que continua a dar as principais
cartas do presidente no Senado), Renan Calheiros, Moreira Franco. Teria,
nos seus balões periféricos, as suspeitas de financiamento irregular de
campanha, julgadas pelo TSE; a eloquente demissão de Osório da AGU como
indício de aversão à Lava-Jato; o ministério do Temer interino,
recheado de figuras nefastas; os depoimentos de Sérgio Machado; e a
chamada “solução” Temer, que passaria pela queda de Dilma para dar um
basta na devassa judicial a atingir o PMDB.
Todos com alguma consciência torcem
pela Lava-Jato. Os com mais consciência preocupam-se com elementos que
deveriam estar ausentes na condução de seus rumos, como o ânimo
vingativo e o impulso emocional. Como o caso do juiz Moro, quando
divulgou em horário nobre o diálogo de Dilma e Lula, o que lhe valeu,
para o bem das instituições, um castigo de seis meses impingido pelo
STF. O dos jovens promotores de São Paulo que confundem Hegel com
Engels, homens da sofrida classe média, com seus precários pedidos de
prisão. A condução coercitiva que quase provocou um levante nacional. Os
surtos histéricos de Janot, que só atrapalham suas aparentemente boas
intenções.
Quanto mais for guiada pela sobriedade,
mais a Lava-Jato tem chances de se tornar bem mais que um movimento de
alta simbologia no sentido do desejado salto de nossas instituições para
um patamar respeitável.
Quanto mais guiada pela bile, pelo
ódio, pela vontade de aparecer na televisão, maior a chance de que
termine num grande gráfico “em pizza”, um dos formatos preferidos nas
apresentações executivas em PowerPoint.
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