Que mais esperar?
Na denúncia de Antonio Fernando, o Ministério Público forçou os limites de seu poder e arrombou a cerca. Com a “faca no pescoço”, como confessou inadvertidamente o ministro Lewandowski falando ao celular num restaurante, o STF acolheu a denúncia, apesar das evidências de que o texto esculpia os fatos e contornava a falta de provas para chegar a uma dramaturgia com alvo político, sulforosa o bastante para indignar a opinião publica. De lá para cá, o poder do Ministério Público, associado à Polícia Federal e apoiado pela mídia, foi contando como quis a história política das últimas duas décadas.
O texto de mais de 120 páginas da denúncia dos procuradores contra Lula é isso: a versão dos procuradores, à guisa de “contextualizar” seus crimes, reconstitui o período de governo, analisando questões que nada têm a ver com a acusação: como foi montado o governo, como era a coordenação política, como foi constituída a base parlamentar, quantos votos tinha cada partido, como eram feitas as nomeações no segundo escalão, tudo para concluir: no governo, Lula nada mais fez a não ser montar um esquema de corrupção para garantir uma governabilidade corrompida e o enriquecimento próprio e de outros. O irrisório valor das supostas “propinas” recebidas por Lula diante do volume dos contratos da OAS que as teriam ensejado (0,005%) é detalhe. A falta de provas, remedia-se com a convicção e a dedução a partir da análise política e do “contexto”.
Contradições não faltam mas isso também não importa. A peça indica, a partir das delações, o valor das propinas pagas ao diretores e executivos de cada “núcleo” atuante na Petrobrás. Uma diretoria controlada pelo PP, outra pelo PT e outra pelo PMDB. Mas só os “agentes públicos ligados ao PT estão sendo processados, condenados e presos. Cadê os presidentes e tesoureiros de outros partidos na Lava Jato?
Como “anjos do bem”, os procuradores podem tudo. Com a aura de justiceiro destemido, Sergio Moro vai condenar Lula pois, se fizer o contrário, estará desconstruindo toda o enredo que vem sendo escrito desde 2006, o do saneamento do país pela extirpação do PT e o banimento de Lula. Do mesmo agiam e pregavam a UDN, Carlos Lacerda e toda a imprensa da época, com exceção da Última Hora de Samuel Wainer, contra Getúlio Vargas e o trabalhismo. “Um cancro que precisa ser extirpado”, dizia Lacerda. Quando o povo acordou e saiu às ruas, foi para chorar o presidente que se matara para evitar o golpe, prorrogado para dez anos depois, quando começou a ditadura de 21 anos.
Com a diferença de que Lula, agora, é apenas um cidadão, não mais um presidente, que acossado por caçadores só tem os braços do povo como refúgio, como fez ontem. Que mais será preciso para o despertar da consciência democrática, para que mesmo os que se decepcionaram com ele ou com o PT, entendam o que se está passando no Brasil dos procuradores e de Moro?
Podendo tudo, e não enfrentando resistências, em algum momento o Ministério Público vai trombar com os outros poderes e teremos o colapso completo da democracia. Ou, antes uma repactuação que restabelecerá os freios e contrapesos necessários ao equilíbrio hoje rompido entre os poderes.
Mas agora, estamos esperando passivos pela próxima vítima. Quem será, depois de Guido Mantega, que o empresário Eike Batista delatou sem provas e por isso foi poupado de ser preso? Mantega teria comparecido para prestar depoimento se convocado mas estamos em outro tempo, de desprezo por princípios como a presunção da inocência e o direito de defesa.
Estamos como na abertura da “Crónica de uma morte anunciada”, de Gabriel Garcia Marquez: “No dia em que ia ser morto, Santiago Nasar levantou-se às 5hs30m da manhã e foi esperar o navio em que o bispo chegaria”. Seguimos todos cuidando de nossas pequenas tarefas, divertindo-nos com pequenas coisas, silenciosos enquanto alguns são abatidos por esta onda que, incontida, depois arrastará outros e mais outros.
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