O choro de Lula e o velho marinheiro
Lula fez um
pronunciamento para responder aos ataques e acusações que sofreu do
procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa da Lava Jato.
Eu estive lá. Fui para
sentir o clima, para olhar o rosto das pessoas, para tentar conversar
com uns dirigentes e parlamentares do PT, para ver Lula mais de perto e
tentar entender o que ele está sentindo.
Por um desses acasos,
cheguei atrasado e quando consegui entrar dei de cara com Lula
conversando com a Gabi Gualberto, assessora de imprensa do Instituto, e
se preparando para entrar no auditório.
Eu e o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) o cumprimentamos de forma rápida e fomos pra sala do evento.
Mas por que conto isso?
Porque naquele momento do
oi, já percebi que Lula estava um pouco mais tenso do que o normal, um
pouco mais incomodado do que o normal, mais puto, chateado, preocupado.
Ou como preferiu dizer, muito indignado.
Lula é muito transparente.
Apesar de ser uma grande liderança, o ex-presidente não é daquelas pessoas que consegue esconder muito seus sentimentos.
Talvez por ser de escorpião, como eu, tenha também essa dificuldade.
Se este blogueiro, por exemplo, tiver de fazer de conta que está tudo bem quando está puto para poder comer, morre de fome.
Aqueles que convivem com Lula também dizem isso dele.
E quando ele começou a
falar eu confirmei minha hipótese inicial. Era um Lula que estava se
controlando e que agia no limite. Era um Lula com um nó no peito. Com
uma voz quase embargada. E que estava a ponto de chorar a qualquer
momento.
E Lula foi falando de seu
governo, de tudo que fez para garantir estrutura e independência para a
PF e o MP, das experiências internacionais que viveu, dos programas
sociais que implantou, das eleições que disputou, das diferenças com seu
antecessor FHC e de repente foi lembrar de sua história.
De quando saia da Vila
Carioca e ia até a Villares a pé porque não tinha como pegar ônibus. De
quando ficava ao lado dos amigos sem poder beber e comer um lanche por
falta de grana. De quando com seus irmãos não tinha uma colher de feijão
para comer.
E aí Lula chorou.
O filme da história de
Lula deve estar passando pela cabeça dele em flashes intensos nesses
dias difíceis, muito mais do que em outros momentos de sua vida.
E Lula chorou de novo quando falou de Dona Marisa, a mulher com quem vive uma vida quase inteira.
“Eu só quero que eles sejam honestos comigo e que respeitem a dona Marisa”, afirmou.
E no meio dessa falas embargadas, Lula matou a charada da perseguição que ele sofre.
“Meus acusadores estão
muito mais enrascados do que eles pensavam que eu estavam (…), porque
agora eles precisam concluir a novela, dar o fecho, por isso fizeram
aquele espetáculo de pirotecnia.”
Lula sabia desde sempre
que a Lava Jato tinha objetivos claros. Tirar Dilma da presidência e se
possível prendê-lo ou no mínimo tirar seus direitos políticos.
É esse o fim da novela
que a Força Tarefa do MP escreveu e que a Globo vem divulgando capítulo a
capítulo sem fazer o menor mistério.
Lula disse que não
esperava que as coisas chegassem a esse ponto, mas na verdade ele tinha
claro desde o início o que estava por vir. Ele e muitos de nós.
O pronunciamento que fez não foi bom, nem ruim e nem mais ou menos. Foi um desabafo e ao mesmo tempo um balanço de sua história.
Se por um lado se mostrou emocionado, o fez de forma altiva e digna. Sem esparrames ou falsidades. Com o jeito Lula de ser.
E mesmo sabendo que o seu
processo de desconstrução dos últimos dois anos, lhe tirou parte do
capital político, ao que parece Lula vai enfrentar esse processo de pé.
Pelo que apurei ele não fará qualquer movimento que não seja o de enfrentar o que virá.
Até porque Lula sabe os ventos mudam. E que as ondas vem e vão.
E que os procuradores que
o acusaram daquela forma na tarde de ontem, em especial Deltan
Dallagnol, parecem não ter essa dimensão.
E por isso Lula está se
movendo no ritmo de Paulinho da Viola, como o velho marinheiro, que
durante o nevoeiro toca o barco devagar.
E muito provavelmente alguns idiotas devem ter comemorado hoje o choro de Lula.
Mas eles não entenderam nada. Absolutamente nada.
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