Bolsoguedismo: a máquina de produzir desigualdades, segundo Cristina Serra
02/11/2021O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante entrevista no Palácio da Alvorada em setembro de 2020 –no mê seguinte, o governo federal encerrava o pagamento do auxílio emergencial – Adriano Machado – 28.set.20/Reuters | Ao fundo, uma favela carioca, por Kay Fochtmann/EyeEm/Getty Images | Sobreposição de imagens
“O Brasil de Bolsonaro nos faz retornar a um tempo de brutalidade e indiferença“, escreve a jornalista, que também lembra de um poema de Manuel Bandeira, ‘O Bicho‘, em que o poeta retrata o homem como um animal ‘Na imundície do pátio/ Catando comida entre os detritos‘
PROGRESSISTAS POR UM BRASIL SOBERANO
“Nos anos 1970, o economista Edmar Lisboa Bacha [que participou da equipe econômica que instituiu o Plano Real, no governo Itamar Franco, e que também, desde 2003, é diretor do think tank Casa das Garças – instituição dedicada a estudos e debates de economia, no Rio de Janeiro] cunhou o termo “Belíndia”, que passou a ser usado como sinônimo do abismo entre dois “brasis”: a Bélgica dos mais ricos e a Índia dos miseráveis. Em 2009, Bacha disse em entrevista que o conceito não era mais adequado. Em resumo, argumentou que a desigualdade ainda era forte, mas que o crescimento econômico, com aumento de renda e programas sociais, havia melhorado muito a parte “Índia” do Brasil“, escreve Cristina Serra, na Folha de S. Paulo, deste sábado (01/11).
“Mais de uma década depois, uma pandemia e três anos de um governo que odeia as pessoas pobres, a porção “Índia” está aí, e muito piorada, para qualquer um que tenha os olhos abertos: dorme sob marquises, cata ossos e carcaças, vasculha restos no lixo“, argumenta a colunista e escritora que, com o termo “bolsoguedismo” [ao qual atribui precisão após leitura do artigo do professor da Fundação Getulio Vargas e do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama, Silvio Almeida], afirma que os personagens donos dos nomes aglutinados são “uma máquina de produzir desigualdades e o símbolo mais inequívoco disso é o fim do Bolsa Família e sua substituição por outro auxílio que ainda nem tem fonte de recursos assegurada“.
“O Bolsa Família agrupou programas assistenciais já existentes, ampliou a população atendida e vinculou os pagamentos a uma série de condições a serem cumpridas pelas famílias, tais como vacinar as crianças e mantê-las na escola. Um dos aspectos mais importantes foi pagar o benefício, preferencialmente, às mulheres. Milhares de estudos mostram que o programa ajudou a reduzir a extrema pobreza e a tirar o Brasil do mapa da fome, para onde voltamos, desgraçadamente”, lembra a escritora.
“O Brasil de Bolsonaro nos faz retornar a um tempo de brutalidade e indiferença. Em 1947, o poeta Manuel Bandeira escreveu o poema “O Bicho”. Diz assim: “Vi ontem um bicho/ Na imundície do pátio/ Catando comida entre os detritos/ Quando achava alguma coisa/ Não examinava nem cheirava/ Engolia com voracidade/ O bicho não era um cão/ Não era um gato/ Não era um rato/ O bicho, meu Deus, era um homem.”, pontua Cristina Serra.
21% dos mais pobres estão sem qualquer tipo de renda
A pandemia reduziu ainda mais a renda das famílias brasileiras e muitas sequer conseguiram auxílio emergencial. Um levantamento da empresa Bússola Social revelou que 21% dos mais pobres estão sem renda alguma. A pesquisa mostra que 12,5% das famílias vivem com menos de 500 reais por mês e 31,5%, com renda entre 500 e 1.000 reais mensais. Ainda de acordo com os dados, em 71% das famílias pelo menos um membro perdeu o emprego durante a pandemia do coronavírus. A informação, cuja fonte é a Agência Brasil, foi publicada na Exame de setembro passado.
Sem uma fonte de renda, as famílias não têm acesso a alimentos básicos e dependem de doações. Para 14,1% a única maneira de conseguir comida é com a ajuda de outras pessoas. Além do aperto na renda, a inflação está pressionando ainda mais quem ganha menos. No ano, o Indicador Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de Inflação por Faixa de Renda para as famílias muito pobres acumula alta de 1,5%. Para os mais ricos, há retração de 0,07% no índice.
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