terça-feira, 2 de abril de 2013

JUSTIÇA DO PARÁ CONCEDE 25 MIL AO MAIOR GRILEIRO.




Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital
No dia 13 depositei em conta do poder judiciário R$ 25.116,75. Esse dinheiro, obtido através de coleta pública nacional pela internet, se destina aos sucessores e herdeiros do empresário Cecílio do Rego Almeida. Corresponde à indenização que a justiça do Pará me obrigou a pagar ao dono de uma das maiores empreiteiras do Brasil, a Construtora C. R. Almeida, com sede no Paraná.
Foi o desfecho de uma ação que ele iniciou em 2000. Alegou ofensa à sua honra pessoal por eu o ter chamado de pirata fundiário, em artigo publicado no meu Jornal Pessoal. Na época, cobrou R$ 4 mil como reparação pela sua honra ofendida. O valor final, de R$ 25 mil, decorreu da correção monetária e dos acréscimos do processo.
Eu podia continuar a recorrer, como fiz ao longo de mais de 10 anos. Mas achei que o cinismo, a injustiça e o propósito deliberado de me atingir exigiam uma resposta mais contundente, à altura do surrealismo da situação. Decidi não recorrer mais. E fiz algo inédito nos anais forenses: compareci espontaneamente ao foro e pedi para pagar a indenização.
O juiz que me condenou, Amílcar Guimarães, atuou como substituto na Vara pela qual o processo tramitava, em 2005, por um único dia, enquanto a titular viajava para fazer um curso de três dias no Rio de Janeiro. Sua sentença fraudou a data para poder ser recebida, quando ele já não podia mais atuar no processo. Não consegui anular essa decisão, apesar de todos os recursos que utilizei. Não consegui sequer a punição do juiz fraudador, A sentença foi mantida no tribunal.
A história já é conhecida e a relembro num artigo que escrevi para minha coluna, Cartas da Amazônia, no portal do Yahoo. Através dela, convoco novamente os amigos e simpatizantes, que aderiram à "vaquinha” para a coleta dos fundos para a indenização, a participarem de uma nova rodada, agora para as manifestações daqueles que também acham que a situação merece uma resposta. Este é meu convite: vamos mostrar à justiça do Pará que se ela reprime a verdade, nós a exaltamos. E estamos dispostos a pagar qualquer preço para fazê-la prevalecer sobre o absurdo do poder absoluto.
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JP: o pesado ônus de uma imprudência
Por Théo Carpentier
(Publicado na edição738 do Observatório da Imprensa, em 19 de março)
Acompanho há muitos anos o trabalho e a luta árdua deste ilustre jornalista brasileiro Lúcio Flávio Pinto e gostaria de manifestar-me a respeito do desfecho de um de seus processos, noticiado esta semana no site Yahoo, no qual decide interromper o ciclo de recursos a que formalmente teria direito. Quando o Tribunal de Justiça do Estado do Pará decidiu condená-lo a pagar indenização por suposto "dano moral” ao rico empreiteiro que praticou a grilagem de 5 milhões de hectares de terras públicas naquele estado, decerto não imaginava o desfecho surpreendente e inusitado do caso. Após vitoriosa campanha nacional de solidariedade ao jornalista-denunciante conduzida pelo movimento Somos Todos Lúcio Flávio Pinto, que incluiu a arrecadação de fundos no valor da sentença, ele foi até o órgão judiciário, por iniciativa própria, na terça-feira (12/3) e consumou o fato, fazendo o depósito do valor cobrado, em números atualizados: 25 mil reais e uns trocados. O que esperava o tribunal paraense?
Exatamente o contrário. Que ele se mantivesse distante, tomasse outra rota, recorrendo às instâncias superiores na capital federal, como é de praxe, e, ao fazê-lo, livrasse o Tribunal estadual do ônus de sua incômoda e impopular decisão. O gesto grave do jornalista-denunciante, de assumir o pagamento da sentença injusta que lhe foi imposta, nos coloca as seguintes questões: por que o Tribunal tomou uma decisão final favorável ao grileiro, mesmo amparado numa vasta documentação (vindo à tona no Dossiê Jornal Pessoal nº 1: "Grilagem – a pirataria nas terras da Amazônia”, em março de 2012, vendido em bancas de jornais da sua cidade), que comprova de forma irrefutável o ilícito praticado por Cecílio do Rego Almeida e os descaminhos do processo judicial? Por que o Tribunal manteve a decisão, mesmo quando réus no mesmo processo foram absolvidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, onde a ação teve origem? Por que o Tribunal não voltou atrás de sua decisão quando o próprio juiz Amílcar Guimarães, responsável pela sentença, protagonizou um escândalo internacional nas redes sociais, vindo a público desmoralizar a própria instituição, declarando-a não confiável nos seus julgamentos? Por que o Tribunal, quando instado pelo jornalista a executar a sentença, permaneceu inerte?
Consequências nefastas
Minha resposta: o Tribunal de Justiça do Estado do Pará acovardou-se duplamente: tanto perante o crime e o criminoso, quanto perante o próprio réu, que lhe cobrou assumir a sentença condenatória e colocar um ponto final jurídico a um processo kafkiano que já durava mais de 10 anos. Não teve a coragem que se exige de uma instituição de Justiça para contrariar interesses e enfrentar grandes latifundiários, que constituem uma espécie de segundo poder dentro do Estado, com bancada constituída no Congresso Nacional.
Mas se o Tribunal local é desprovido dessa coragem para julgar casos envolvendo poderosos agentes e grupos econômicos, por que assumiu o julgamento do caso? A condenação de um jornalista-denunciante do crime da grilagem —do roubo, melhor dizendo— de terras públicas em extensões colossais, cujo reverso é a absolvição do latifúndio, tem consequências sociais nefastas, gravíssimas, numa região de fronteira —foco de atenção internacional envolvendo a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte em terras ocupadas por indígenas— e num estado campeão nacional de assassinatos de lideranças sindicais e camponeses pobres empurrados para conflitos de terra pela grilagem criminosa. O que têm a dizer os organismos externos de controle do poder judiciário, o Conselho Nacional de Justiça? O que tem a dizer o próprio Ministério da Justiça sobre a injustiça que vitimou o jornalista que nada mais fez que cumprir o seu dever de ofício e de cidadão?
MINHA RESPOSTA
Muito obrigado por este seu artigo. Confesso que era algo assim que eu esperava de um cidadão que tomasse conhecimento da minha iniciativa. Eu a adotei depois de um verdadeiro calvário de recursos contra uma decisão que não era apenas iníqua, contrariando todas as provas dos autos: era mesmo ilegal, à base de uma fraude comprovada. Ao ver que a justiça queria me atar aos autos como um Prometeu tropical acorrentado, entregue à fúria dos abutres, decidi reagir frontalmente, refazendo os termos da condenação maliciosa e malsã. Duvido que qualquer dos meus algozes, fantasiados de piratas fundiários ou envergando togas sebosas, imaginasse essa reação. Um réu foge da sentença quando ela o pune. Mas o pagamento de indenização ao grileiro pelo "crime” de chamá-lo de grileiro é nódoa que pertence ao poder judiciário paraense, não a mim. Quem vai ter que responder ao tribunal maior, o da história, será a justiça do Pará. Ela traiu o compromisso de vigiar pela defesa dos superiores interesses da sociedade e pela supremacia da verdade. Serviu de instrumento ao ato vil do usurpador das terras públicas, não "alguma terra”, mas o território de um país (que poderia ser o 21º maior Estado da federação). Serviu também à punição de quem se colocou no caminho desse pirata fundiário. Ao pagar a indenização, devolvi ao judiciário o que lhe é devido: a responsabilidade pela infâmia.

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