O jornal que incomoda fardas e batinas
Na manhã seguinte ao anúncio de um Papa argentino, o jornal ‘Página 12’ sacudiu Buenos Aires com a manchete: ‘!Dios, Mio!’
Na 6ª feira, dois dias depois, como relata o correspondente de Carta Maior, Eduardo Febbro, direto do Vaticano, o porta-voz da Santa Sé reclamou do que classificaria como ‘acusações caluniosas e difamatórias’ envolvendo o passado do Sumo Pontífice.
Em seguida atribui-as a ‘elementos da esquerda anticlerical’.
Alvo: o ‘Página 12’ .
Com ele, seu diretor, o jornalista Horácio Verbitsky, autor de um livro sobre o as suspeitas que ensombrecem a trajetória do cardeal Jorge Mário Bergoglio, durante a ditadura argentina.
A cúpula da Igreja acerta ao qualificar o ‘Página 12’ como ‘de esquerda’ – algo que ostenta e do qual se orgulha praticando um jornalismo analítico, crítico, ancorado em fatos.
Mas erra esfericamente ao espetá-lo como ‘anticlerical’.
O destaque que o jornal dispensa ao tema dos direitos humanos não se restringe ao caso Bergoglio.
Fundado ao final da ditadura, em maio de 1987, o ‘Página 12’ é reconhecido como o grande ponto de encontro da luta pelo direito à memória na Argentina.
Não foi algo premeditado.
No crepúsculo da ditadura militar, um grupo de jornalistas de esquerda vislumbrou a oportunidade de criar um veículo enxuto, no máximo 12 páginas (daí o nome), mas dotado de densa capacidade analítica.
E, sobretudo, radicalmente comprometido com a redemocratização e com os seus desafios.
A receita das 12 páginas baseava-se num cálculo curioso.
Era o máximo que se conseguiria produzir com qualidade naquele momento; e o suficiente para a sociedade reaprender a refletir sobre ela mesma.
A fidelidade a essa diretriz (hoje o total de páginas cresceu e a edição digital tem mais de 500 mil acessos/dia) levou-o, naturalmente, a investigar os crimes da ditadura.
Seu jornalismo tornou-se um acelerador da transição que os interesses favorecidos pelo regime militar gostariam de maquiar.
Não apenas interesses econômicos.
Lá, como cá, existe um núcleo de poderosas empresas de comunicação, alvo agora da ‘Ley de Medios’, no caso da Argentina, que, por interesse financeiro, identidade ideológica ou simples covardia integrou-se ao aparato repressivo.
Usufruiu e desfruta vantagens dessa intimidade. Até hoje. O quase monopólio das comunicações é uma delas – combatida agora pelo governo de lá.
Naturalmente, a pauta dos direitos humanos dispunha de um espaço acanhado e ambíguo nessa engrenagem.
Não por falta de familiaridade com o assunto.
Mais de uma centena de jornalistas foram presos e muitos desapareceram na ditadura argentina.
A principal fábrica de papel de imprensa do país foi praticamente expropriada de seus donos.
Eles estavam presos, foram torturados. E então a transferência de propriedade se deu.
A sociedade compradora tinha como participantes o próprio governo militar e os principais jornais apoiadores do regime. Entre eles o ‘El Clarín’, de oposição frontal ao governo Cristina, atualmente.
O ‘Página 12’ não se deteve diante das conveniências. E vasculhou esses impérios sombrios.
Fez o equivalente em relação aos direitos humanos em outros países. Não raro, com a mesma mordacidade que incomoda agora o Vaticano.
Quando Pinochet morreu em 2006, a manchete indagava: ‘Que terá feito o inferno para merecer isso?’
A condenação do ditador Videla à prisão perpétua, em 2010, mereceu letras garrafais: ‘Deus existe!’
Foi com essa ironia, debochada, às vezes, mas sempre intransigente em defesa dos direitos humano, que o ‘Página 12’ tornou-se um espaço apropriado pelos familiares dos desaparecidos políticos.
Por solicitação de Estela Carlotto, atual dirigente das Abuelas de Plaza de Mayo, passou a publicar, desde 1988, pequenas atualizações da trajetória familiar de vítimas da ditadura.
Os anúncios sugerem uma espécie de prosseguimento da vida dos que foram precoce e violentamente apartados dela.
Filhos que perderam os pais ainda crianças, mencionam os netos que esses avós jamais viram; avós falam dos bisnetos.
O efeito é tocante. Ao se deparar com a foto de um jovem desaparecido, sabe-se que hoje ele poderia estar brincando com os netinhos, filhos dos filho que agora tem a idade com a qual ele morreu.
Em 2007, o ‘Página 12’ recebeu na Espanha o prêmio da Liberdade de Imprensa, instituído pela Casa da América, junto com a Chancelaria espanhola e o governo da Catalunha.
Motivo: a seriedade na defesa dos direitos humanos e o compromisso com o rigor da informação, requisito da liberdade de expressão.
No momento em que pairam sombras sobre o Vaticano, o que deve fazer essa cepa de jornalismo?
O ‘Página 12’ faz o que, em geral, desagrada aos poderes terrenos e celestiais: investiga, pergunta, rememora.
Ao contrário do que sugere o porta-voz da Santa Sé, não se trata de um cacoete anticlerical.
O assunto extravasa o campo religioso e envolve uma questão de interesse político de toda a sociedade.
Trata-se de uma responsabilidade ecumênica e universal, da qual o ‘Página 12’ não abre mão: o dever de todos, sobretudo das autoridades, de zelar e fazer respeitar os direitos humanos e democráticos dos cidadãos.
Sob quaisquer circunstancias; mas principalmente quando são ameaçados. Como na ditadura dos anos 70/80.
Há dúvidas se o passado do cardeal Mario Jorge Bergoglio nesse campo honra o manto santo que agora envolve Francisco, o desenvolto sucessor do atormentado Bento XVI.
As dúvidas estão marmorizadas em um lusco-fusco de pejo, silêncios e versões contrastantes.
É preciso esclarecer.
Há nomes, testemunhos, relatos, datas e um cenário dantesco: os anos de chumbo vividos pela sociedade argentina, entre 1976 e 1983.
O país do então líder dos jesuítas, Mario Jorge Bergoglio, vivia o inferno na terra, sob a ação genocida de uma ditadura cujos atos confirmam a indiferença aterrorizante dos aparatos clandestinos em relação à vida e à dor.
O que se ouve ainda arrepia.
A mesma sensação inspira o rosto endurecido e gasto dos líderes militares, julgados e condenados. Um a um; em grande parte, graças a pressão inquebrantável das denúncias e investigações ecoadas nas edições do 'Página 12'
Em sete anos, o aparato militar montou e azeitou uma máquina de torturar, matar e eclipsar corpos que operou de forma infatigável.
Nessa moenda 30 mil pessoas foram liquidadas ou desapareceram.
Mais de 4 mil e duzentos corpos por ano.
Filhos de militantes de esquerda foram sequestrados, entregues a famílias simpáticas ao regime.
Muitos permanecem nesse limbo.
No dia em que a ‘fumata bianca’ do Vaticano anunciou o ‘habemus papam’ e em seguida emergiu a figura do cardeal argentino, no balcão do Vaticano, Graciela Yorio esmurrou as paredes de seu apartamento, a 11.200 quilômetros de distancia, em Buenos Aires.
O relato está nos jornais argentinos e também na Folha de São Paulo.
A revolta deve-se a uma certeza guardada há 36 anos na memória dessa sexagenária.
Em maio de 1976, seu irmão, padre Orlando Yorio, foi delatado à ditadura sedenta e recém-instalada.
Juntamente com o sacerdote Francisco Jalics, este vivo, na Alemanha— Yorio ficou cinco meses nas mãos dos militares.
Incomunicáveis, na temível Escola Mecânica da Marinha, adaptada para ser a máquina de moer ossos do regime.
O delator dos dois religiosos teria sido o cardeal Bergoglio -- o Papa, então com cerca de 40 anos, líder conservador dos jesuítas argentinos.
Essa é a convicção de Graciela, baseada no que ouviu do irmão, falecido em 2000, militante da Teologia da Libertação, como Jalics.
Jalics não se pronunciou. Alegando viagem, emitiu uma nota na Alemanha em que se diz em paz e reconciliado com Bergoglio.
A nota compassiva não nega a dor que leva Graciela ainda a esmurrar paredes.
A estupefação tampouco é apenas dela.
Ainda que setores progressistas argentinos optem por uma certa moderação em público, muitas vozes não se calam.
Estela Carlotto, a dirigente das Abuelas de Mayo, em entrevista ao ‘Página 12’ deste sábado, procura manter a objetividade num relato que adiciona mais nuvens às sombras.
Carlotto afirma que o Cardeal Bergoglio nunca fez um gesto de solidariedade para ajudar a luta mundialmente reconhecida das mães e avós de desaparecidos políticos argentinos.
Poderia, mas não facilitou a reunião do grupo com o Papa. Ao contrário.
O primeiro encontro, em 1980, no Brasil, só aconteceu por interferência de religiosos brasileiros.
As abuelas só seriam recebidas em Roma três anos mais tarde; de novo, graças a contatos alheios ao cardeal Bergoglio.
Prossegue Estela Carlotto.
O cardeal teria sido conivente com o sequestro de pelo menos uma criança nascida na prisão.
Procurado por familiares da desaparecida política, Elena de la Quadra, teria aconselhado: ‘Não busquem mais por essa criança que está em boas mãos’.
E desfechou sentença equivalente em relação às demais.
O ‘Jornal Página 12’ tem sido o principal eco desses relatos e dessa revolta, que muitos relativizam e gostariam de esquecer.
O que o jornal faz ao investigar as dúvidas que pairam sobre Francisco é coerente com o 'manual de redação' sedimentado na prática da democracia argentina nesses 25 anos de existência: não sacrificar a memória ao conforto das conveniências.
Pode soar anticlerical a setores da Igreja que gostariam de esquecer o que já se cometeu neste mundo, em nome de Deus.
Mas é um reducionismo improcedente, que se dissolve na trajetória reconhecidamente qualificada do 'Página 12'.
Na Argentina, graças à persistência de vozes como a de seus jornalistas, a memória deixou de ser o espaço da formalidade.
Hoje ela é vista como um pedaço do futuro. Um mirante poderoso para se entender o presente e superar as forças, e a lógica, que esmagaram a sociedade no passado.
Carta Maior orgulha-se de ser parceira do jornalismo criterioso e corajoso de ‘Página 12’ no Brasil.
Na 6ª feira, dois dias depois, como relata o correspondente de Carta Maior, Eduardo Febbro, direto do Vaticano, o porta-voz da Santa Sé reclamou do que classificaria como ‘acusações caluniosas e difamatórias’ envolvendo o passado do Sumo Pontífice.
Em seguida atribui-as a ‘elementos da esquerda anticlerical’.
Alvo: o ‘Página 12’ .
Com ele, seu diretor, o jornalista Horácio Verbitsky, autor de um livro sobre o as suspeitas que ensombrecem a trajetória do cardeal Jorge Mário Bergoglio, durante a ditadura argentina.
A cúpula da Igreja acerta ao qualificar o ‘Página 12’ como ‘de esquerda’ – algo que ostenta e do qual se orgulha praticando um jornalismo analítico, crítico, ancorado em fatos.
Mas erra esfericamente ao espetá-lo como ‘anticlerical’.
O destaque que o jornal dispensa ao tema dos direitos humanos não se restringe ao caso Bergoglio.
Fundado ao final da ditadura, em maio de 1987, o ‘Página 12’ é reconhecido como o grande ponto de encontro da luta pelo direito à memória na Argentina.
Não foi algo premeditado.
No crepúsculo da ditadura militar, um grupo de jornalistas de esquerda vislumbrou a oportunidade de criar um veículo enxuto, no máximo 12 páginas (daí o nome), mas dotado de densa capacidade analítica.
E, sobretudo, radicalmente comprometido com a redemocratização e com os seus desafios.
A receita das 12 páginas baseava-se num cálculo curioso.
Era o máximo que se conseguiria produzir com qualidade naquele momento; e o suficiente para a sociedade reaprender a refletir sobre ela mesma.
A fidelidade a essa diretriz (hoje o total de páginas cresceu e a edição digital tem mais de 500 mil acessos/dia) levou-o, naturalmente, a investigar os crimes da ditadura.
Seu jornalismo tornou-se um acelerador da transição que os interesses favorecidos pelo regime militar gostariam de maquiar.
Não apenas interesses econômicos.
Lá, como cá, existe um núcleo de poderosas empresas de comunicação, alvo agora da ‘Ley de Medios’, no caso da Argentina, que, por interesse financeiro, identidade ideológica ou simples covardia integrou-se ao aparato repressivo.
Usufruiu e desfruta vantagens dessa intimidade. Até hoje. O quase monopólio das comunicações é uma delas – combatida agora pelo governo de lá.
Naturalmente, a pauta dos direitos humanos dispunha de um espaço acanhado e ambíguo nessa engrenagem.
Não por falta de familiaridade com o assunto.
Mais de uma centena de jornalistas foram presos e muitos desapareceram na ditadura argentina.
A principal fábrica de papel de imprensa do país foi praticamente expropriada de seus donos.
Eles estavam presos, foram torturados. E então a transferência de propriedade se deu.
A sociedade compradora tinha como participantes o próprio governo militar e os principais jornais apoiadores do regime. Entre eles o ‘El Clarín’, de oposição frontal ao governo Cristina, atualmente.
O ‘Página 12’ não se deteve diante das conveniências. E vasculhou esses impérios sombrios.
Fez o equivalente em relação aos direitos humanos em outros países. Não raro, com a mesma mordacidade que incomoda agora o Vaticano.
Quando Pinochet morreu em 2006, a manchete indagava: ‘Que terá feito o inferno para merecer isso?’
A condenação do ditador Videla à prisão perpétua, em 2010, mereceu letras garrafais: ‘Deus existe!’
Foi com essa ironia, debochada, às vezes, mas sempre intransigente em defesa dos direitos humano, que o ‘Página 12’ tornou-se um espaço apropriado pelos familiares dos desaparecidos políticos.
Por solicitação de Estela Carlotto, atual dirigente das Abuelas de Plaza de Mayo, passou a publicar, desde 1988, pequenas atualizações da trajetória familiar de vítimas da ditadura.
Os anúncios sugerem uma espécie de prosseguimento da vida dos que foram precoce e violentamente apartados dela.
Filhos que perderam os pais ainda crianças, mencionam os netos que esses avós jamais viram; avós falam dos bisnetos.
O efeito é tocante. Ao se deparar com a foto de um jovem desaparecido, sabe-se que hoje ele poderia estar brincando com os netinhos, filhos dos filho que agora tem a idade com a qual ele morreu.
Em 2007, o ‘Página 12’ recebeu na Espanha o prêmio da Liberdade de Imprensa, instituído pela Casa da América, junto com a Chancelaria espanhola e o governo da Catalunha.
Motivo: a seriedade na defesa dos direitos humanos e o compromisso com o rigor da informação, requisito da liberdade de expressão.
No momento em que pairam sombras sobre o Vaticano, o que deve fazer essa cepa de jornalismo?
O ‘Página 12’ faz o que, em geral, desagrada aos poderes terrenos e celestiais: investiga, pergunta, rememora.
Ao contrário do que sugere o porta-voz da Santa Sé, não se trata de um cacoete anticlerical.
O assunto extravasa o campo religioso e envolve uma questão de interesse político de toda a sociedade.
Trata-se de uma responsabilidade ecumênica e universal, da qual o ‘Página 12’ não abre mão: o dever de todos, sobretudo das autoridades, de zelar e fazer respeitar os direitos humanos e democráticos dos cidadãos.
Sob quaisquer circunstancias; mas principalmente quando são ameaçados. Como na ditadura dos anos 70/80.
Há dúvidas se o passado do cardeal Mario Jorge Bergoglio nesse campo honra o manto santo que agora envolve Francisco, o desenvolto sucessor do atormentado Bento XVI.
As dúvidas estão marmorizadas em um lusco-fusco de pejo, silêncios e versões contrastantes.
É preciso esclarecer.
Há nomes, testemunhos, relatos, datas e um cenário dantesco: os anos de chumbo vividos pela sociedade argentina, entre 1976 e 1983.
O país do então líder dos jesuítas, Mario Jorge Bergoglio, vivia o inferno na terra, sob a ação genocida de uma ditadura cujos atos confirmam a indiferença aterrorizante dos aparatos clandestinos em relação à vida e à dor.
O que se ouve ainda arrepia.
A mesma sensação inspira o rosto endurecido e gasto dos líderes militares, julgados e condenados. Um a um; em grande parte, graças a pressão inquebrantável das denúncias e investigações ecoadas nas edições do 'Página 12'
Em sete anos, o aparato militar montou e azeitou uma máquina de torturar, matar e eclipsar corpos que operou de forma infatigável.
Nessa moenda 30 mil pessoas foram liquidadas ou desapareceram.
Mais de 4 mil e duzentos corpos por ano.
Filhos de militantes de esquerda foram sequestrados, entregues a famílias simpáticas ao regime.
Muitos permanecem nesse limbo.
No dia em que a ‘fumata bianca’ do Vaticano anunciou o ‘habemus papam’ e em seguida emergiu a figura do cardeal argentino, no balcão do Vaticano, Graciela Yorio esmurrou as paredes de seu apartamento, a 11.200 quilômetros de distancia, em Buenos Aires.
O relato está nos jornais argentinos e também na Folha de São Paulo.
A revolta deve-se a uma certeza guardada há 36 anos na memória dessa sexagenária.
Em maio de 1976, seu irmão, padre Orlando Yorio, foi delatado à ditadura sedenta e recém-instalada.
Juntamente com o sacerdote Francisco Jalics, este vivo, na Alemanha— Yorio ficou cinco meses nas mãos dos militares.
Incomunicáveis, na temível Escola Mecânica da Marinha, adaptada para ser a máquina de moer ossos do regime.
O delator dos dois religiosos teria sido o cardeal Bergoglio -- o Papa, então com cerca de 40 anos, líder conservador dos jesuítas argentinos.
Essa é a convicção de Graciela, baseada no que ouviu do irmão, falecido em 2000, militante da Teologia da Libertação, como Jalics.
Jalics não se pronunciou. Alegando viagem, emitiu uma nota na Alemanha em que se diz em paz e reconciliado com Bergoglio.
A nota compassiva não nega a dor que leva Graciela ainda a esmurrar paredes.
A estupefação tampouco é apenas dela.
Ainda que setores progressistas argentinos optem por uma certa moderação em público, muitas vozes não se calam.
Estela Carlotto, a dirigente das Abuelas de Mayo, em entrevista ao ‘Página 12’ deste sábado, procura manter a objetividade num relato que adiciona mais nuvens às sombras.
Carlotto afirma que o Cardeal Bergoglio nunca fez um gesto de solidariedade para ajudar a luta mundialmente reconhecida das mães e avós de desaparecidos políticos argentinos.
Poderia, mas não facilitou a reunião do grupo com o Papa. Ao contrário.
O primeiro encontro, em 1980, no Brasil, só aconteceu por interferência de religiosos brasileiros.
As abuelas só seriam recebidas em Roma três anos mais tarde; de novo, graças a contatos alheios ao cardeal Bergoglio.
Prossegue Estela Carlotto.
O cardeal teria sido conivente com o sequestro de pelo menos uma criança nascida na prisão.
Procurado por familiares da desaparecida política, Elena de la Quadra, teria aconselhado: ‘Não busquem mais por essa criança que está em boas mãos’.
E desfechou sentença equivalente em relação às demais.
O ‘Jornal Página 12’ tem sido o principal eco desses relatos e dessa revolta, que muitos relativizam e gostariam de esquecer.
O que o jornal faz ao investigar as dúvidas que pairam sobre Francisco é coerente com o 'manual de redação' sedimentado na prática da democracia argentina nesses 25 anos de existência: não sacrificar a memória ao conforto das conveniências.
Pode soar anticlerical a setores da Igreja que gostariam de esquecer o que já se cometeu neste mundo, em nome de Deus.
Mas é um reducionismo improcedente, que se dissolve na trajetória reconhecidamente qualificada do 'Página 12'.
Na Argentina, graças à persistência de vozes como a de seus jornalistas, a memória deixou de ser o espaço da formalidade.
Hoje ela é vista como um pedaço do futuro. Um mirante poderoso para se entender o presente e superar as forças, e a lógica, que esmagaram a sociedade no passado.
Carta Maior orgulha-se de ser parceira do jornalismo criterioso e corajoso de ‘Página 12’ no Brasil.
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