quarta-feira, 2 de julho de 2014

MEDO E ÓDIO NO HOTEL BABILÔNIA

Pepe Escobar
Asia Times Online

Pois agora um vasto Sunitastão linha-duríssima estende-se direto dos subúrbios de Aleppo a Tikrit, e de Mosul à fronteira Jordânia/Iraque – o mesmo que se desmanchou em 2003, quando “Choque e Pavor” virou “Missão (não)Cumprida”.
Num fantasmagórico eco das pegadas do exército de Dick Cheney reverberando pelas areias da província de Anbar, o Estado Islâmico do Iraque e al-Sham (ISIS) e a coalizão de vontades lá-deles (jihadistas, islamistas, ba’athistas e xeiques tribais) posa agora de “libertadores” dos sunitas iraquianos, para livrá-los das garras de um governo da maioria xiita (do “mal”) em Bagdá.
Além disso, o ISIS também controla as guerras de Relações Públicas. Em “Elijah J. Magnier entrevista Abu Baqr-al-Janabi, comandante do ISIS”, um jihadista detalha como qualquer tipo de possível envolvimento “cinético” de Washington será interpretado como aliança nada-santa entre o Império e o primeiro-ministro Nouri al-Maliki, contra os azarões.
DAR UM BASTA
De um ponto de vista sunita, basta de lei contra terrorismo no Iraque; basta de des-Ba’athificação (com ascensão do neo-Ba’athista Jaysh Rijal al-Tariqa al-Naqshbandia, JRTN, liderado pelo ex-chefete saddamista Izzat Ibrahim al-Douri); basta de o Ministério do Interior em Bagdá perseguir políticos sunitas; basta de violência contra manifestantes e protestos.
Ao mesmo tempo, é o retorno dos Sahwa (Filhos do Iraque) – que combateram furiosamente contra a al-Qaeda no Iraque em 2007. Sahwa é a mãe do ISIS e o retorno de sortimento variado de milícias xiitas. Muqtada al-Sadr não apenas repeliu a nova onda de “conselheiros militares” dos EUA – foi assim que tudo começou no Vietnã – mas também alertou que seus próprios Homens-de-Preto-Perigosíssimos farão “a terra tremer” na luta contra o ISIS. Os meados dos anos 2000 são a nova normalidade: vai ser aquele inferno de milícias, tudo outra vez.
Mesopotâmia, estamos com um problema. Os neo-Ba’athistas nada querem além de um Irã secular governado por sunitas, estilo Saddam (em vez de Ahmad Chalabi, ex-queridinho dos neoconservadores). O ISIS quer um califato que se estenda por todo o Levante, sob a lei da Xaria. Algo terá de ceder.
O que vai ceder é a própria nação iraquiana – a consequência balcanizada, reduzida (como era objetivo) da invasão e ocupação de 2003, finalmente reciclada como Central Jihad.
É HORA DO REVIDE 
A “estratégia” do governo Obama (lembram-se da estratégia de “Não façam nenhuma merda estúpida”, dos EUA para a Ucrânia?) é impor mutação-de-regime a al-Maliki; afinal, ele cometeu a deselegância de recusar-se a permitir que os EUA continuassem a ocupar o Iraque mesmo depois de esgotado o prazo em 2012; e, para piorar, seu governo é próximo de Teerã.
Assim sendo, aí está a resposta à já lendária pergunta sobre como a rede de satélites dos EUA conseguiram não ver aquela longa coluna de Homens-de-Preto do ISIS em seus flamantes  Toyota “Land Cruisers” branquinhos novinhos em folha, atravessando o deserto Síria-Iraque. Podem chamar de fracasso-mãe-de-todos-os-fracassos-de-Inteligência (lembram-se de Saddam, que falava da batalha Mãe-de-Todas-as-Batalhas?)
Temos aqui a ‘vingança’ do Império do Caos contra Bagdá, Teerã e – por que não? – Moscou (afinal, o presidente Vladimir Putin da Rússia já ofereceu total apoio a al-Maliki, na luta contra os jihadistas). O Iraque mistura-se devidamente com a Ucrânia. E quanto ao revide-redux, está (quase) tudo explicado no Telegraph de 22/6.
OS BONS E OS MAUS
Quanto ao super-repisado mito do Departamento de Estado dos EUA – outra vez?! – dos “bons terroristas” e “maus terroristas”, a Frente al-Nusra na Síria jurou fidelidade ao ISIS. Implica dizer que o ISIS agora controla virtualmente os dois lados da fronteira, em Albu Kamal na Síria e Al-Qaim no Iraque. Como bônus, o ISIS e xeiques tribais sunitas, seus aliados, também cercaram o Camp Anaconda que os EUA controlam no Iraque e estão preparados para jogo de morteiro de longo-longo prazo. Os ‘analistas’ da Av. Beltway nunca aprendem?!
Aquela pequena ficção conhecida como Jordânia – onde reina o Reizinho de PlayStation, codinome Abdullah – estará prontinha para ser invadida, logo que os salafistas linha-duríssima de Zarqa (cidade natal de Zarqawi) alinhem-se totalmente com o ISIS. Acrescentem esse bom pedaço de propriedade ao Califato Levantino ainda em embrião, e o negócio todo já engrossará consideravelmente – refinarias de petróleo e coisa-e-tal incluídas.
“NENHUMA MERDA ESTÚPIDA”
“Não façam nenhuma merda estúpida”, aplicada à Síria e ao Iraque, significa que o governo Obama já não tem limite que o contenha ou modere, na política de “Assad tem de sair” (e, por falar dele, é governo Ba’athista; implica dizer que Washington é aliada do ISIS na Síria, ao mesmo tempo em que é inimiga do ISIS no Iraque). O ‘pecado’ de Assad é que ele é, ao mesmo tempo, aliado de Teerã (como al-Maliki) e, principalmente (de um ponto de vista dos EUA), do Hezbollah. É onde entra a mais recente “merda estúpida” do governo Obama: estão armando rebeldes “devidamente avaliados”, na Síria.
Pairando sobre esse cenário em que nada faz sentido que preste, toda a Av. Beltway, Casa Branca incluída, vende a ilusão de que estaria deliberando cuidadosa e atentamente para identificar se os Homens-de-Preto realmente perigosos são os do ISIS – e o que fazer sobre eles.
Simultaneamente, com algum tipo de cooperação Washington-Teerã contra o ISIS já se tornando autoevidente, surge aí um grande problema para a turma do perene “Bombardeie-o-Irã” na Av. Beltway, tanto quanto para os linha-dura em Teerã; afinal, o ISIS ergueu massiva barreira geoestratégica entre o Irã e a Síria, ao ameaçar a conexão Teerã-Hezbollah.
Em Israel, os Likudniks farão de tudo para impedir qualquer cooperação. Mas nunca seriam mais que um detalhe. Bagdá pode obter toda a ajuda de que precisa, de forças especiais iranianas e de milícias como a de Muqtada.
ISIS não tem capacidade humana ou expertise para sitiar Bagdá; só o povo de Sadr City bastaria para fazê-lo em pedaços. Para nem falar de atacar Najaf e Karbala, cidades santas dos xiitas, já protegidas por brigadas populares pesadamente armadas.

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