quarta-feira, 30 de julho de 2014

MASSACRE DOS PALESTINOS - A lição de Daniel.

A lição de Daniel

"Não faz sentido que Israel se recuse a negociar com o Hamas ou que se recuse a reconhecer o governo de unidade; não, Israel deve escutar os palestinos que estão dispostos a falar a uma só voz", escreve  Vladimir Safatle, professor de Filosofia, citando o grande músico Daniel Barenboim, em artigo publicado pela Folha de S. Paulo, 29-07-2014.
Eis o artigo.
Daniel Barenboim não é apenas um dos músicos mais completos da atualidade; pianista e maestro com interpretações maiores. Na verdade, Barenboim é um homem de rara coragem e visão, capaz de atitudes políticas de forte significado. Judeu argentino, o músico é atualmente cidadão palestino e israelense e, por atos políticos desta natureza, sua voz deveria ser mais ouvida no momento atual.
Há alguns dias, ele escreveu um impressionante artigo, "Podemos viver juntos", no qual lembrava que nunca haverá solução militar para o conflito Israel-Palestina.
Ações como as que vemos atualmente não levarão a aumento algum da segurança de Israel, nem destruirão o Hamas. Por isto, diz Barenboim: "Não faz sentido que Israel se recuse a negociar com o Hamas ou que se recuse a reconhecer o governo de unidade; não, Israel deve escutar os palestinos que estão dispostos a falar a uma só voz".
Claro que alguns dirão: "Mas como negociar com alguém que não reconhece seu direito de existência?". Se assim fosse, não haveria razão alguma para os palestinos negociarem com um governo israelense comandado pelo Likud, partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Em seu programa, o Likud simplesmente não reconhece o direito de existência de um Estado palestino à oeste do rio Jordão. No entanto, os palestinos negociam com representantes de um partido que nega seu direito de existência.
Sim, mas como negociar com "terroristas"? Esta era, vejam vocês, a mesma pergunta feita pela administração colonial britânica na Palestina, referindo-se a grupos judaicos de luta armada atuantes nos anos 40, como Irgun, Stern e Haganá. Tanto foi assim que os britânicos sequer votaram a favor da criação do Estado de Israel.
"Terrorista" foi também a palavra usada por Albert Einstein e Hannah Arendt em carta ao "New York Times" (4/12/1948) para se referir ao futuro primeiro-ministro de Israel, Menachen Begin, líder do futuro Likud. Mas, se há algo que a história das lutas de ocupação (Argélia, Vietnã, Irlanda etc.) nos ensina, é: chega uma hora em que você terá que negociar com os "terroristas". Foi isso que a Inglaterra fez com o IRA (Exército Republicano Irlandês), e será isso que, um dia, Israel terá que fazer com o Hamas.
Não é o caso aqui de justificar o Hamas. Trata-se de um grupo que representa o que há de pior no mundo árabe, com um projeto autoritário, destrutivo e demente de sociedade religiosa. Mas seu destino será, provavelmente, o mesmo de grupos muçulmanos como a Irmandade Muçulmana ou o Nahda tunisiano: serão expulsos do poder pelo próprio povo que eles julgam representar. Mas para tanto, o governo de Israel deveria começar por parar de dar a ocasião perfeita para eles posarem de mártires.

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