LEITURAS INTERESSADAS DA IMPRENSA
Por Clóvis de Barros Filho
Recentemente,
a imprensa brasileira tem dado destaque para artigos sensacionalistas
da mídia internacional para destruir a credibilidade do Governo Federal.
E isso não é fenômeno atual. É notório saber que as poucas famílias que
hoje monopolizam os meios de comunicação no Brasil militam
politicamente em prol de correntes conservadoras e de extrema direita
desde o golpe civil-militar de 1964, que em retribuição censurou,
perseguiu e matou todo jornalismo independente ou de oposição às classes
dominantes do período.
Fotos
desabonadoras, títulos de artigos capciosos, linguagens depreciativas e
editoriais acalorados são recursos constantes utilizados para
desqualificar todo tipo de política desalinhada aos interesses da elite
paulistana. Porém, essa prática usual adotada pela imprensa já não cola
mais. Após décadas utilizando os mesmos recursos de manipulação1, e da circulação de informações alternativas nas redes sociais, a população criou anticorpos.
Ciente
do desgaste desse modelo de jornalismo opinativo, a imprensa adota
outra estratégia que tem ganhado fôlego na internet. Trata-se da
utilização de artigos opinativos e de editoriais depreciativos sobre o
governo brasileiro publicados em blogs e jornais estrangeiros. Dois
casos recentes que tiveram grande repercussão: a acusação do jornalista
dinamarquês Mikkel Jensen sobre extermínio de moradores de rua em
Fortaleza e o artigo opinativo sobre a diplomacia brasileira feita pelo
jornalista John Paul Rathbone.
A
versão eletrônica da revista Veja publicou, no dia 15 de abril, na
coluna de Augusto Nunes, uma matéria com o título “Jornalista
dinamarquês desiste de cobrir a Copa depois do que viu em Fortaleza”2. Segundo
o autor do artigo, Mikkel Jensen, o governo brasileiro estaria
eliminando crianças de rua para deixar a cidade limpa para os turistas
estrangeiros. Essa é uma acusação grave, pois afirma que praticamos uma
política de higiene social nos moldes do nazismo. Não demorou muito para
outros meios de comunicação replicarem a notícia e assim causar um
alvoroço nas redes sociais.
No
dia seguinte, ninguém mais falou sobre o assunto. Os jornalistas sérios
foram investigar as denúncias e ficaram surpresos. O jornalista
“independente” não era freelanceer de nenhum jornal de seu país.
Ninguém o conhecia na Dinamarca, nem publicaram seu artigo. Nenhuma
outra mídia européia tomou conhecimento do caso. Primeiro, porque o
jornalista se manifestou por meio de um post em seu insignificante blog.
Segundo, o autor indiretamente acusou os demais jornalistas
internacionais que estão trabalhando no Brasil de ajudarem o governo
brasileiro a omitir o extermínio dos moradores de rua. Há uma
conspiração internacional para dizimar os pobres desabrigados no Brasil?
O jornalista apresentou alguma prova concreta do ocorrido?
O artigo publicado no Financial Times (FT)3 foi
utilizado pela imprensa de maneira menos grotesta que a anterior. De
caráter estritamente opinativo o jornalista John Paul Rathbone critica a
diplomacia brasileira “suave” pelo seu não alinhamento aos interesses
estadunidenses nas Nações Unidas. Afirma ser ridículo o país almejar um
assento permanente na ONU apoiando “ditaduras” como na Venezuela e o
Irã, opondo-se à construção de uma base americana na Colômbia e
omitindo-se na votação das sanções contra a Rússia no caso da Criméia. O
jornal FT é historicamente alinhado com os interesses liberais de Wall
Street e do Loyd’s of London e extremamente crítico aos governos
antiliberais sociais democratas como a Alemanha, a França, o Canadá, a
Rússia e o Brasil.
Todos
os chamados “Erros” diplomáticos brasileiros refletem os ideais
humanistas consagrados pelo Itamaraty. A defesa brasileira da Venezuela
mostra o apoio ao sistema democrático que elegeu Nicolás Maduro,
democracia esta que até os Estados Unidos reconhecem. A “ditadura” está
na cabeça do jornalista. Além disso, a política suave em relação ao Irã
não é nada comparada ao apoio político e militar que os Estados Unidos e
a Inglaterra oferecem às monarquias tirânicas da Arábia Saudita e do
Kuwait, regimes que são mais autoritários e infratores dos direitos
humanos do que Teerã. A recusa brasileira de uma base militar americana
garante a paz e estabilidade na América do Sul, algo difícil de aparecer
quando os norte-americanos decidem interferir. Por fim, a recusa do
Brasil em apoiar a intervenção militar na Rússia ou os apoiadores do
golpe neonazista na Ucrânia mostra nossa coragem em reprovar todas as
superpotências envolvidas diretamente no caos que se tornou o Leste
Europeu.
Muitos
jornais classificaram o artigo opinativo de “reportagem”, para garantir
um status de imparcialidade e credibilidade. A reportagem difere-se de
um artigo opinativo por se referenciar a pesquisas de campo, entrevistas
e testemunhos diretos das partes envolvidas, o que não aconteceu.
Outros
jornais e revistas publicaram o texto traduzido do FT sem fazer uma
análise de conteúdo, sem criticar as posições e argumentos, e sem
consultar o Itamaraty ou o Governo Federal, o que significa que os
editores do veículo da comunicação concordam com a fonte e assinam junto
com o autor. É a típica estratégia: “São os gringos que estão dizendo,
não sou eu...”.
Autoria: Clóvis de Barros Filho é professor de Ética da ECA/USP e Conferencista do Espaço Ética – WWW.espacoetica.com.br
Livros
publicados: “Vida que vale a pena ser vivida”; “Ética na comunicação”;
“O Executivo e o Martelo”, co-autoria com Arthur Meucci; entre outras
obras.
Fonte: Revista Filosofia Ciência&Vida nº 95 – pág. 72-73. Site: WWW.portalcienciaevida.com.br
Referências Citadas no texto:
(1) Indico
a leitura do trabalho sobre a manipulação da notícia no fotojornalismo
brasileiro de Bernardo Issler, “As máscaras de Barbie: um estudo dos
conflitos simbólicos no fotojornalismo”. In: Barros FILHO, Clóvis
(org.). Comunicação na polis: ensaios somre mídia e política.
Petrópolis: Vozes, 2002
(2) Artigo disponível em : http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/jornalista-dinarmaques-desiste-de-cobrir-a-copa-depois-do-que-viu-em-fortaleza/.Acesso em: 8 maio 2014
(3) Artigo disponível em: HTTPS://www.ft.com/intl/cms/s/0/7a24cc2a-4bd4-11df-a217-0014feab49a.html#axzz2zlZi9ez2. Acesso em 8 maio 2014
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