Janio de Freitas: Joaquim Barbosa e o leitor black bloc mental
Com e sem Joaquim Barbosa
Presidente do STF tornou-se, via TV, o que a linguagem modernosa chama de fenômeno midiático
por Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo
Está prevista para hoje a última participação do ministro Joaquim Barbosa como presidente e como integrante do Supremo Tribunal Federal, mas da agenda não decorre a certeza de sua presença. É desejável que vá. Considerado o nível de apreço que o ministro tem aparentado pelo Supremo, em referências à corte atual e na renúncia antecipada em relação até ao que já seria grande antecipação, pode bem revelar-se um privilégio vê-lo togado ainda uma vez e, como despedida, em sua plena autenticidade.
O sentido e a dimensão das contribuições de Joaquim Barbosa, para a magistratura e para o Supremo, devem ser medidos e pesados por juristas e magistrados. Seu último e relevante desempenho suscitou, porém, fora do tribunal, admirações exacerbadas e os diferentes opostos disso, além, entre aquelas e estes, de não pouco estarrecimento.
As múltiplas imagens públicas de Joaquim Barbosa, por mais que se devam ao próprio, são obra direta da função de projetá-las que o Supremo deu à TV, ao abrir à indiscrição das câmeras e microfones o que até então era tratado com o temeroso recato da imprensa ante a alta magistratura. Joaquim Barbosa tornou-se, via TV, o que a linguagem modernosa chama de fenômeno midiático. E, em tal condição, protagonista político.
Alguns reflexos desse protagonismo são sociologicamente bastante reveladores. Ministros do Supremo, por exemplo, em especial Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Teori Zavascki, conhecem o efeito, manifestado por parte da opinião pública e da imprensa, de ter posições divergentes das expostas por Joaquim Barbosa. No Supremo mesmo, aliás, a exaltação de Joaquim Barbosa se difundiu, a ponto de ouvir-se o próprio decano do tribunal, Celso de Mello, em voto descontroladamente irado sobre um recurso, chamar de “ladrões” os recorrentes entre os quais nenhum foi acusado ou condenado como ladrão.
Para ficar em exemplo com base ainda mais segura, tenho a correspondência recebida de leitores. Em minhas três décadas na Folha, jamais me faltaram críticas de leitores. Guardei todas, valiosas como elementos de análise histórica. E nelas se comprova um salto extraordinário: criticar ou mesmo registrar qualquer das muitas violações, por Joaquim Barbosa, do equilíbrio e da compostura que são deveres de todo magistrado, e sem as quais o magistrado deixa de sê-lo, provocou a mudança de linguagem das críticas que antes seriam ásperas.
O crescendo da exaltação de Joaquim Barbosa foi acompanhado do crescendo de insultos, da violência a ponto de haver até ameaça. E, com o novo hábito, não mais a respeito só de pontuações do julgamento, mas já sobre qualquer assunto. As deformações caluniosas do que foi expresso no texto, antes próprias dos judeus de extrema direita (agora mesmo fui atacado por lamentar o fim do mandato do presidente Shimon Peres, um raro estadista israelense), hoje são corriqueiras. O salto nítido na linguagem exprimiu como que uma liberação de iras e fúrias por Joaquim Barbosa, por sua exaltação condenatória.
Não muda nada que a liberação ocorresse à revelia do ministro, talvez desconhecimento. É a revelação de um estrato social que constitui uma espécie de black bloc mental, político e tão ansioso por violência quanto aquele que sai de casa para destruir placas de trânsito, incendiar lixeiras, obstruir partes das cidades e tentar atingir policiais. É a revelação daquela massa que parece compreender, insatisfeita embora, os males da prepotência social e do autoritarismo político, mas está pronta para o contrário. Espera só o pretexto.
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