“Desinvestimento”, eufemismo para privatização, prejudica a Petrobrás
Fonte: Aepet
Autor: Felipe Coutinho
A
Petrobrás apresentou recentemente a revisão do seu plano de negócios
para o período 2015-20. Das revisões se destacam a redução dos
investimentos em 37%, a diminuição da projeção da produção de
petróleo em 2020 de 4,2 para 2,8 milhões de barris por dia e a venda de
ativos na ordem de 57 bilhões de dólares, cerca de 20% do patrimônio da
estatal, até 2020. O foco da revisão é a redução do
endividamento, da “alavancagem” no jargão financeiro.
Este
artigo trata da venda de ativos, da privatização de cerca de
20% da Petrobrás, chamada com eufemismo por “desinvestimento”. A
privatização tem sido justificada pela direção da companhia e
por “porta-vozes do mercado” porque a Petrobrás teria alcançado
limites de endividamento. Segundo indicadores que correlacionam a
dívida com o fluxo de caixa e a dívida com o patrimônio, os interpretes
do deus mercado teriam, de forma mediúnica, concluído que a companhia
está no limite da “alavancagem”.
No
entanto, a realidade material revela fatos recentes que desmentem a
suposta incapacidade ou limitação para o acesso a novos créditos. Em
2015, a Petrobrás captou 2,5 bilhões de dólares em títulos de 100
anos, operação onde havia disponível 13 bilhões. Com o Banco de
Desenvolvimento da China obteve contrato de 5 bi. No mercado
doméstico, 4,5 bilhões de reais com o Banco do Brasil, 2 bi com a Caixa,
3 bi com o Bradesco. Seja no mercado financeiro internacional, na
relação estratégica com países soberanos, ou no mercado doméstico, dados
empíricos contradizem a hipótese do limite do endividamento.
É
atribuído ao físico Albert Einstein o argumento “Nem tudo que conta se
pode contar. Nem tudo o que se pode contar, conta”. O alerta é
pertinente para indicadores contábeis e financeiros que apresentam um
retrato, uma revelação instantânea e estreita da realidade, e caso não
sejam relativizados podem ser mal interpretados e comprometer o futuro
de uma companhia produtiva e estratégica. O indicador que
correlaciona a dívida com o patrimônio, por exemplo, não
considera os ativos do pré-sal a serem desenvolvidos pela
Petrobrás sob o regime de partilha. Trata-se de um critério contábil que
deve ser ponderado em face ao potencial dessas reservas.
A
privatização é inoportuna, compromete o fluxo de caixa futuro,
fragiliza a integração produtiva submetendo a companhia a riscos
desnecessários, e expõe o mercado interno aos seus competidores. A
conjunturade queda dos preços do petróleo e de recessão da economia
internacional deprime os preços dos ativos da indústria do
petróleo. A situação é desfavorável para a alienação de ativos.
A venda
de ativos rentáveis prejudica a tendência dos indicadores contábeis ora
utilizados para justificar a alienação. A receita operacional líquida
da BR Distribuidora em 2014 foi de 98,5 bilhões de reais, enquanto o
lucro líquido da Gaspetro alcançou 1,5 bi. As duas subsidiárias são
citadas como possíveis ativos à venda.
A
integração produtiva e o acesso a um enorme mercado, com
potencial de crescimento e praticamente cativo, são vantagens
estratégicas da Petrobrás que são colocadas em risco pelo plano de
privatização proposto. A integração reduz o risco às variações de preços
relativos e o mercado brasileiro é um ativo não contabilizado pelos
indicadores financeiros. Alienar infraestrutura, de gasodutos por
exemplo, é entregar mercado e comprometer receita futura.
A
Petrobrás tem potencial de crescimento, descobriu as maiores
reservas de petróleo das últimas três décadas, possui tecnologia de
ponta, tem acesso privilegiado a um mercado pujante. Além de ser uma
empresa integrada, fator que minimiza os riscos.
A
companhia deve focar no crescimento, proporcional ao desenvolvimento e
em apoio a economia nacional. Deve utilizar a renda petroleira para
investir em infraestrutura para a produção de renováveis, vocação
do Brasil, país tropical e continental, e assim nos preparar
para o futuro. Vender ativos para pagar dividendos no curto prazo e se
acanhar diante da liderança do desenvolvimento industrial
brasileiro é um erro grave, com severas consequências para o
futuro corporativo e nacional.
O
petróleo não é uma mercadoria comum, não é substituível, ponderadas as
suas qualidades e quantidades. A Petrobrás não é uma empresa qualquer,
vide seu peso na economia nacional e seu papel na garantia da segurança
energética do país. O plano de negócios da companhia precisa estar
subordinado, e ser sustentado, por um projeto de desenvolvimento
nacional. Privatizar ativos estratégicos e rentáveis é uma
ameaça ao futuro da companhia e um entrave ao desenvolvimento
econômico e social brasileiro.
* Presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
http://www.aepet.org.br/https://felipecoutinho21.wordpress.com/
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