quinta-feira, 11 de abril de 2013

ECONOMIA - A insustentável leveza do capital financeiro.


“No momento atual, a liderança da economia do automóvel e do petróleo está sendo passada para a preponderância das tecnologias de informação e comunicação. Isso indica que está em construção uma nova arquitetura econômica, com alterações nos setores líderes e no reposicionamento dos demais na divisão internacional do trabalho”, aponta o economista.

Confira a entrevista.

“A natureza fundamental do capital financeiro é a especulação”, diz Enéas Costa de Souza à IHU On-Line. Segundo ele, “a dinâmica do capital tem hoje uma hegemonia financeira em toda a sua estrutura”, já que todos os ativos econômicos são financeiros.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o economista salienta que há “uma tentativa do capital de ampliar os espaços onde ele possa se valorizar, sejam as novas tecnologias, a invenção de novos ativos financeiros privados ou públicos, sejam novos territórios de valorização metanacionais etc.”. Ele reitera ainda que “é preciso entender que a valorização do capital não é apenas a sua internacionalização nem multinacionalização, mas a sua mundialização. E a forma que vai tomar essa mundialização depende da disputa acirrada dos capitais e dos países. Aqui a economia política revela o entrelaçamento entre a geoeconomia e a geopolítica”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Para além da questão óbvia da venda de equipamentos eletrônicos e as variações nas bolsas de valores sobre as ações de grandes empresas de informática, de que maneira as novas tecnologias estão relacionadas ao capital financeiro?

Enéas Costa de Souza
– A primeira coisa a entender é que toda a economia capitalista, hoje, é financeira. Por quê? Como nos diz Hyman Minsky, todos os ativos, em verdade, são financeiros; ou seja: tanto os ativos reais (como os monetários) quanto os financeiros propriamente ditos. E essa financeirização é sustentada por uma estrutura institucional também financeira: a governança corporativa. O princípio de qualquer corporação é o retorno máximo por ação, o chamado return on equity (ROE), que quer dizer que a empresa tem que buscar, de todas as formas possíveis (mesmo ela sendo tecnológica), a maior lucratividade, que é, de fato, o maior rendimento financeiro. Então, pode-se concluir que as tecnologias são, desde sempre, ativos financeiros da corporação.

IHU On-Line – A que o senhor se refere exatamente quando menciona o termo “revoluções tecnológicas”?

Enéas Costa de Souza
– Posso falar de “revoluções tecnológicas” no sentido de uma mudança forte num setor ou num produto. Contudo, o mais importante é falar na linha de tempo do capitalismo, uma vez que periodicamente a dominância tecnológica é substituída pelo capital. Por exemplo, no momento atual a liderança da economia do automóvel e do petróleo está sendo passada para a preponderância das tecnologias de informação e comunicação (as TICs). Isso indica que está em construção uma nova arquitetura econômica, com alterações nos setores líderes e no reposicionamento dos demais na divisão internacional do trabalho.

IHU On-Line – As novas tecnologias permitiram uma nova organização do trabalho, possibilitando que pessoas trabalhem a partir de suas casas e organizem o próprio tempo. Isso acaba se refletindo no acúmulo de capital?

Enéas Costa de Souza
– No sistema capitalista, qualquer atividade que entre no processo de trabalho da economia está inserida no processo de valorização do capital. Em casa, na rua, numa fábrica ou num escritório, se o indivíduo faz parte do processo de produção, os seus esforços integram a trajetória da acumulação de capital da sociedade presente.

IHU On-Line – Por que o senhor considera o capital insustentavelmente leve? Como tal ideia poderia ser explicada?

Enéas Costa de Souza
– Quando escrevi a “insustentável leveza do capital financeiro” estava tentando usar uma metáfora, oriunda da literatura, para expressar que a natureza fundamental do capital financeiro é a especulação. E que a especulação é um processo rápido, esfuziante, progressivamente oportunista, valorizando-se e supervalorizando-se, até atingir um clímax onde se dá a queda e se aprofunda a desvalorização do capital, como ocorreu na crise de 2007. Para fazer uma paródia, posso dizer que tudo que é leve se desmancha no ar.

IHU On-Line – Pode-se afirmar que a alternativa para o acúmulo de capital está sendo a especulação financeira e/ou a aposta de corporações em países emergentes como os do Brics?

Enéas Costa de Souza
– Olha, a especulação financeira não é alternativa para o acúmulo de capital, porque ela faz parte da própria acumulação capitalista; ela é hoje a natureza do sistema. De outro lado, não se trata de aposta das corporações nos países emergentes. É a dinâmica do capital que comanda as empresas – e não as empresas que comandam o movimento da economia. Claro que só se pode fazer o desenvolvimento do capital onde existem condições para isso, incluindo-se políticas econômicas adequadas. Insisto que a dinâmica do capital tem hoje uma hegemonia financeira em toda a sua estrutura. Todos os ativos econômicos são financeiros. O que ocorre é que o processo de acumulação do capital passa por todas as fronteiras possíveis. O processo atual é uma tentativa do capital de ampliar os espaços onde ele possa se valorizar, sejam as novas tecnologias, a invenção de novos ativos financeiros privados ou públicos, sejam novos territórios de valorização metanacionais etc. É preciso entender que a valorização do capital não é apenas a sua internacionalização nem multinacionalização, mas a sua mundialização. E a forma que vai tomar essa mundialização depende da disputa acirrada dos capitais e dos países. Aqui a economia política revela o entrelaçamento entre a geoeconomia e a geopolítica.

IHU On-Line – Quais são os desafios para a economia na contemporaneidade levando-se em conta os avanços tecnológicos?

Enéas Costa de Souza
– O principal e decisivo desafio econômico é se a economia capitalista consegue encontrar uma dinâmica sustentável para um novo ciclo econômico de longo prazo, em cima da tensão entre a financeirização e as novas tecnologias, entre a valorização mundial e a valorização local. O capital se mexe, a rota está esboçada, mas a trajetória ainda não está encontrada definitivamente. De outro lado, o maior e mais contundente desafio, no entanto, é a questão da cultura e da civilização. Pode-se ver que nos dirigimos, sob a festa publicitária do positivo, da “agenda positiva” como alguns gostam de dizer, para uma sociedade onde está se armando uma crise ética, política, artística, educacional, etc., sem precedentes.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Enéas Costa de Souza
– Para enfrentarmos essa última questão, cabe escutar a voz de Hegel: é preciso encarar a face do negativo – olho no olho.

Fonte:IHU

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