Última Hora: de como Vargas enfrentou o monopólio dos meios
Sufocado pela mídia de todas as matizes políticas, Vargas reagiu articulando um jornal para o "povão" que o apoiava.
Marcos Dantas, professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ
Os acontecimentos mediáticos na reta final das últimas eleições, muito especialmente a caluniosa edição da revista Veja, na quinta-feira, há dois dias do pleito, buscando envolver a candidata Dilma e o ex-presidente Lula em acusações para lá de suspeitas feitas por um renomado contraventor, tornou ainda mais urgente discutir o perfil escandalosamente partidário e particularmente antipetista que os meios de comunicação assumiram no Brasil.
Não existe mais compromisso com a “neutralidade” ou “objetividade” da notícia. Não se ouvem mais “os dois lados”. E, pior, basta-se ler com atenção os textos das matérias para, não raro, constatar-se que, dois ou três parágrafos abaixo, o que está escrito não confirma, às vezes desmente claramente, a afirmação peremptória expressa no título grafado em letras garrafais.
Mais do que partidários, Veja, Folha de S. Paulo, O Globo e o “Jornal Nacional” da Rede Globo tornaram-se cínicos, nisto sendo acompanhados por quase todos os demais veículos impressos ou eletrônicos. Há exceções, mas não têm o mesmo poder de penetração ou audiência daqueles.
Não deixa de ser digno de nota que ainda assim a presidente Dilma Rousseff tenha obtido sua reeleição, embora a campanha contra ela desfechada pelos meios muito explique a sua reduzida margem eleitoral. Por outro lado, detendo há 15 anos mais da metade do eleitorado e sendo apoiado por uma parcela muito expressiva da opinião esclarecida brasileira, como explicar que, até hoje, não tenhamos entre os meios brasileiros aquele que represente as idéias, a visão de mundo, o projeto de Brasil que o PT e seus aliados políticos vêm vitoriosamente implementando.
Por que não temos entre nós, uma revista que sustente este projeto com a mesma circulação de Veja, um jornal com a mesma penetração da Folha, um canal de televisão que dispute audiência com a Globo, se, no entanto, mais da metade da população brasileira (e não é de hoje) discorda do que pregam e, tudo indica, pouco confiam no que divulgam?
Em toda a história do Brasil, registra-se um único caso de órgão de imprensa que logrou obter audiência, expressa em tiragem e circulação, correspondente, em termos relativos, ao de um amplo conjunto da população cujas opções políticas ou projeto de país não costumam ser apresentados ou representados pelos meios dominantes: a Última Hora.
O (segundo) governo Vargas sofria um cerco da imprensa muito similar ao que atualmente sofrem os governos petistas: os jornais e revistas de maior tiragem e influência lhe faziam oposição implacável pelo centro e direita. À esquerda, o PCB, com sua imprensa quantitativamente diminuta mas qualitativamente influente junto a círculos progressistas, não conciliava com o governo “burguês”. Vargas reagiu articulando a criação e consolidação de um jornal que fosse efetivamente capaz de atrair a leitura do “povão” que o apoiava: assim iria nascer a Última Hora.
Antes de mais nada, Vargas mobilizou capital. Com recursos de banqueiros e industriais que o apoiavam, a exemplo de Walter Moreira Sales, Horácio Lafer e Euvaldo Lodi, além de generosos financiamentos do Banco do Brasil, Vargas fez nascer uma empresa na qual, porém, não tinha qualquer tipo de participação direta, além da própria inspiração.
Para dirigir a empresa e, sobretudo, o jornal que ela editaria, chamou o jornalista Samuel Wainer. Ele não era, àquela altura, um novato desconhecido, muito menos um jornalista marginalizado e pouco considerado nos meios profissionais. Era experiente e respeitado, e já fizera até oposição a Vargas, quando ditador. Com os recursos à sua disposição, Wainer pôs-se a reunir à sua volta alguns dos melhores profissionais de imprensa que o dinheiro poderia comprar.
Da Argentina, trouxe o desenhista gráfico Andrés Guevara, responsável pelo projeto gráfico da Última Hora, moderno e inovador àquela época. Para a redação, trouxe (subtraindo dos jornalões de então) nomes como o esquerdista Moacir Werneck de Castro, para diretor-responsável; Edmar Morel, reconhecido repórter político; ou o reacionário Nelson Rodrigues – sim, o já consagrado dramaturgo que, para a Última Hora, atrairia um grande público com a sua coluna policialesca "A vida como ela é". Também, na polícia, encontrava-se Amado Ribeiro, bem enfronhado com aquela turma que um dia se juntaria no "Esquadrão Le Coq"...
Wainer não esqueceu o colunismo social, na época um tipo de jornalismo que não poderia faltar num jornal que se quisesse importante: para concorrer com Ibrahim Sued, n’O Globo, tirou "Jacinto de Thormes", pseudônimo de Maneco Muller, do Correio da Manhã. Nas charges, estavam Nássara e Lan, este autor do antológico desenho que consagraria Carlos Lacerda como "O Corvo".
As páginas esportivas, nas quais, claro, dominava o futebol, foram as primeiras a publicar fotos a cores de equipes campeãs: inaugurou-as o time do Fluminense, em 1951. Última Hora também não deixaria de oferecer aos seus leitores, notícias, informações, resenhas críticas sobre cinema, teatro, espetáculos, artes em geral. Neste segmento fazia sucesso a coluna de “Stanislaw Ponte Preta”, pseudônimo de Sergio Porto, trazendo as fofocas do mundo artístico popular e brindando seu público com fotos diárias das estonteantes “certinhas do Lalau”, as popozudas da época que brilhavam no teatro de revista
Não existe mais compromisso com a “neutralidade” ou “objetividade” da notícia. Não se ouvem mais “os dois lados”. E, pior, basta-se ler com atenção os textos das matérias para, não raro, constatar-se que, dois ou três parágrafos abaixo, o que está escrito não confirma, às vezes desmente claramente, a afirmação peremptória expressa no título grafado em letras garrafais.
Mais do que partidários, Veja, Folha de S. Paulo, O Globo e o “Jornal Nacional” da Rede Globo tornaram-se cínicos, nisto sendo acompanhados por quase todos os demais veículos impressos ou eletrônicos. Há exceções, mas não têm o mesmo poder de penetração ou audiência daqueles.
Não deixa de ser digno de nota que ainda assim a presidente Dilma Rousseff tenha obtido sua reeleição, embora a campanha contra ela desfechada pelos meios muito explique a sua reduzida margem eleitoral. Por outro lado, detendo há 15 anos mais da metade do eleitorado e sendo apoiado por uma parcela muito expressiva da opinião esclarecida brasileira, como explicar que, até hoje, não tenhamos entre os meios brasileiros aquele que represente as idéias, a visão de mundo, o projeto de Brasil que o PT e seus aliados políticos vêm vitoriosamente implementando.
Por que não temos entre nós, uma revista que sustente este projeto com a mesma circulação de Veja, um jornal com a mesma penetração da Folha, um canal de televisão que dispute audiência com a Globo, se, no entanto, mais da metade da população brasileira (e não é de hoje) discorda do que pregam e, tudo indica, pouco confiam no que divulgam?
Em toda a história do Brasil, registra-se um único caso de órgão de imprensa que logrou obter audiência, expressa em tiragem e circulação, correspondente, em termos relativos, ao de um amplo conjunto da população cujas opções políticas ou projeto de país não costumam ser apresentados ou representados pelos meios dominantes: a Última Hora.
O (segundo) governo Vargas sofria um cerco da imprensa muito similar ao que atualmente sofrem os governos petistas: os jornais e revistas de maior tiragem e influência lhe faziam oposição implacável pelo centro e direita. À esquerda, o PCB, com sua imprensa quantitativamente diminuta mas qualitativamente influente junto a círculos progressistas, não conciliava com o governo “burguês”. Vargas reagiu articulando a criação e consolidação de um jornal que fosse efetivamente capaz de atrair a leitura do “povão” que o apoiava: assim iria nascer a Última Hora.
Antes de mais nada, Vargas mobilizou capital. Com recursos de banqueiros e industriais que o apoiavam, a exemplo de Walter Moreira Sales, Horácio Lafer e Euvaldo Lodi, além de generosos financiamentos do Banco do Brasil, Vargas fez nascer uma empresa na qual, porém, não tinha qualquer tipo de participação direta, além da própria inspiração.
Para dirigir a empresa e, sobretudo, o jornal que ela editaria, chamou o jornalista Samuel Wainer. Ele não era, àquela altura, um novato desconhecido, muito menos um jornalista marginalizado e pouco considerado nos meios profissionais. Era experiente e respeitado, e já fizera até oposição a Vargas, quando ditador. Com os recursos à sua disposição, Wainer pôs-se a reunir à sua volta alguns dos melhores profissionais de imprensa que o dinheiro poderia comprar.
Da Argentina, trouxe o desenhista gráfico Andrés Guevara, responsável pelo projeto gráfico da Última Hora, moderno e inovador àquela época. Para a redação, trouxe (subtraindo dos jornalões de então) nomes como o esquerdista Moacir Werneck de Castro, para diretor-responsável; Edmar Morel, reconhecido repórter político; ou o reacionário Nelson Rodrigues – sim, o já consagrado dramaturgo que, para a Última Hora, atrairia um grande público com a sua coluna policialesca "A vida como ela é". Também, na polícia, encontrava-se Amado Ribeiro, bem enfronhado com aquela turma que um dia se juntaria no "Esquadrão Le Coq"...
Wainer não esqueceu o colunismo social, na época um tipo de jornalismo que não poderia faltar num jornal que se quisesse importante: para concorrer com Ibrahim Sued, n’O Globo, tirou "Jacinto de Thormes", pseudônimo de Maneco Muller, do Correio da Manhã. Nas charges, estavam Nássara e Lan, este autor do antológico desenho que consagraria Carlos Lacerda como "O Corvo".
As páginas esportivas, nas quais, claro, dominava o futebol, foram as primeiras a publicar fotos a cores de equipes campeãs: inaugurou-as o time do Fluminense, em 1951. Última Hora também não deixaria de oferecer aos seus leitores, notícias, informações, resenhas críticas sobre cinema, teatro, espetáculos, artes em geral. Neste segmento fazia sucesso a coluna de “Stanislaw Ponte Preta”, pseudônimo de Sergio Porto, trazendo as fofocas do mundo artístico popular e brindando seu público com fotos diárias das estonteantes “certinhas do Lalau”, as popozudas da época que brilhavam no teatro de revista
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