As cinco mudanças constitucionais promovidas por FHC
1. Mudou o conceito de empresa nacional.
A Constituição de 1988 havia estabelecido uma distinção entre empresa
brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital
estrangeiro. As empresas de capital estrangeiro só poderiam explorar o
subsolo brasileiro (minérios) com até 49% das ações das companhias
mineradoras. A mudança enquadrou todas as empresas como brasileiras. A
partir dessa mudança, as estrangeiras passaram a poder possuir 100% das
ações. Ou seja, foi escancarado o subsolo brasileiro para as
multinacionais, muito mais poderosas financeiramente do que as empresas
nacionais.
A Companhia Brasileira de Recursos
Minerais havia estimado o patrimônio de minérios estratégicos
brasileiros em US$13 trilhões. Apenas a companhia Vale do Rio Doce
detinha direitos minerários de US$3 trilhões. FHC vendeu essa companhia
por um valor inferior a um milésimo do valor real estimado.
2. Quebrou o monopólio da navegação de cabotagem, permitindo que navios estrangeiros navegassem pelos rios brasileiros, transportando os minérios sem qualquer controle.
3. Quebrou o monopólio das telecomunicações,
para privatizar a Telebrás por um preço abaixo da metade do que havia
gasto na sua melhoria nos últimos três anos, ao prepará-la para ser
desnacionalizada. Recebeu pagamento
em títulos podres e privatizou um sistema estratégico de transmissão de
informações. Desmontou o Centro de Pesquisas da empresa e abortou
vários projetos estratégicos em andamento, como capacitor ótico, fibra
ótica e tevê digital.
4. Quebrou o monopólio do gás canalizado e entregou a distribuição a empresas estrangeiras.
Um exemplo é a estratégica Companhia de Gás de São Paulo, a Comgás, que
foi vendida a preço vil para a British Gas e para a Shell. Não deixou a
Petrobras participar do leilão por meio da sua empresa distribuidora.
Mais tarde, abriu parte do gasoduto Bolívia-Brasil para essa empresa e
para a Enron, com ambas pagando menos da metade da tarifa paga pela
Petrobras, uma tarifa baseada na construção do Gasoduto, enquanto que as
outras pagam uma tarifa baseada na taxa de ampliação.
5. Quebrou o monopólio estatal do petróleo,
por meio de uma emenda à Constituição de 1988, retirando o parágrafo
primeiro, elaborado pelo diretor da Aepet, Guaracy Correa Porto, que
estudava Direito e contou com a ajuda de seus professores na elaboração.
O parágrafo extinto era uma salvaguarda que impedia que o governo
cedesse o petróleo como garantia da dívida externa do Brasil. FHC
substituiu esse parágrafo por outro, permitindo que as atividades de
exploração, produção, transporte, refino e importação fossem feitas por
empresas estatais ou privadas. Ou seja, o monopólio poderia ser
executado por várias empresas, mormente pelo cartel internacional.
1996 — Fernando Henrique enviou o projeto de lei que, sob as mesmas manobras citadas, se transformou na Lei 9.478/97.
Esta Lei contém artigos conflitantes
entre si e com a Constituição Brasileira. Os artigos 3º, 4º e 21º,
seguindo a Constituição, estabelecem que as jazidas de petróleo e o
produto da sua lavra, em todo o território nacional (parte terrestre e
marítima, incluído o mar territorial de 200 milhas e a zona
economicamente exclusiva) pertencem à União Federal. Ocorre que, pelo
seu artigo 26º — fruto da atuação do lobby, sobre uma brecha deixada
pelo projeto de lei de FHC — efetivou a quebra do monopólio, ferindo os
artigos acima citados, além do artigo 177 da Constituição Federal que,
embora alterada, manteve o monopólio da União sobre o petróleo. Esse
artigo 26º confere a propriedade do petróleo a quem o produzir.
“O petróleo agora é vosso.”
1997 — Fernando Henrique
criou a Agência Nacional do Petróleo e nomeou o genro, David
Zylberstajn, que havia se notabilizado como Secretário de Minas e
Energia do Estado de São Paulo, desnacionalizando várias empresas de
energia por preços irrisórios, inclusive a Eletropaulo, vendida para a
empresa americana AES que, para essa compra, lançou mão de um empréstimo
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e não
pagou.
Cabe salientar que, dos recursos do
BNDES, 50% são originários do FAT — Fundo de Amparo ao Trabalhador — e
foram emprestados a empresas estrangeiras para comprar empresas
nacionais, que demitiram, em média, 30% dos trabalhadores. Ou seja, o
FAT foi usado para desempregar os trabalhadores.
Zylberstajn, no ato de sua posse, com o auditório cheio de empresas estrangeiras ou de seus representantes, bradou: “O petróleo agora é vosso”.
Empossado, iniciou os leilões de áreas,
já com alguma pesquisa feita pela Petrobras, com tal avidez entreguista
que os blocos licitados tinham áreas 220 vezes maiores do que a dos
blocos licitados no Golfo do México.
Zylberstajn, inicialmente, mandou que a
Petrobras escolhesse 10% das áreas sedimentares, de possível ocorrência
de hidrocarbonetos, nas 29 províncias onde ela já havia pesquisado, para
continuar explorando por mais três anos, quando, se não achasse
petróleo, teria que devolvê-las à ANP. Depois de 6 meses de exaustivos
estudos, a Petrobras escolheu as áreas que queria.
Surpreendentemente, Zylberstajn, aproveitando que a atenção do país estava voltada para a Copa do Mundo de futebol,
em realização na França, retomou 30% dessas áreas que a Petrobras havia
escolhido, sob rigorosos critérios técnicos, pelos seus especialistas.
Assim, a Petrobras passou a ter direito de explorar apenas 7% do total
das rochas sedimentares brasileiras. Esse prazo de três anos se mostrou
inviável e foi estendido para cinco anos. Nós publicamos informativos
mostrando que as multinacionais tinham oito anos de prazo contra os três
da Petrobras.
1998 — A Petrobras é impedida
pelo governo FHC de obter empréstimos no exterior para tocar seus
projetos — a juros de 6% a.a. —, e de emitir debêntures que visavam à
obtenção de recursos para os seus investimentos.
FHC cria o Repetro, por meio do Decreto
3.161/98, que libera as empresas estrangeiras do pagamento de impostos
pelos seus produtos importados, mas sem, contudo, dar a contrapartida às
empresas nacionais. Isto, somado à abertura do mercado nacional
iniciada por Fernando Collor, liquidou as 5 mil empresas fornecedoras de
equipamentos para a Petrobras, gerando brutais desemprego e perda de
tecnologias para o País. Essas empresas haviam sido criadas por meio do
repasse de tecnologia que a Petrobras gerava ou absorvia. A presença do
fornecedor nacional facilitava em muito a operação da empresa.
Ainda em 1998, seis empresas
multinacionais (duas delas comandaram a privatização da YPF Argentina —
Merryl Linch e Gaffney Cline) passaram a ocupar o 12º andar do prédio da
Petrobras (Edise) para examinar minuciosamente todos os dados da
Companhia, sob o argumento de que se tratava de uma avaliação dos dados
técnicos e econômicos necessários à venda de ações da Empresa, em poder
do governo.
Durante dois anos, essas empresas
receberam todas as informações que quiseram dos gerentes da Petrobras,
inclusive as mais confidenciais e estratégicas, de todas as áreas.
Reviraram as entranhas da Companhia, de uma forma jamais realizada em
qualquer empresa que aliene suas ações.
1999 — Muda-se o estatuto da Petrobras com três finalidades:
- permitir que estrangeiros possam ser presidentes da empresa (Philippe Reichstul);
- permitir a venda de ações para estrangeiros;
- retirar os diretores da empresa do Conselho de Administração,
colocando em seu lugar representantes do Sistema Financeiro
Internacional, como Jorge Gerdau Johannpeter (comandante do lobby para a
quebra do monopólio), Roberto Heiss, Paulo Haddad e outros;
Reichstul inicia o mandato cancelando
atabalhoadamente (propositalmente?) o contrato da empresa Marítima —
fornecimento de seis plataformas para perfuração exploratória — um mês
antes dela incorrer numa grave inadimplência. O cancelamento salvou a
Marítima de pesadas multas e ainda deu a ela argumentos para processar a
Petrobras, pedindo R$2 bilhões de indenização pelo incrível
cancelamento. Ganhou em primeira instância.
Reichstul viaja aos EUA com o ex-jogador
Pelé e, juntos, fazem propaganda do lançamento e venda de ações da
Petrobras em Wall Street; o governo vende, então, 20% do capital total
da Petrobras, que estavam em seu poder. Posteriormente, mais 16% foram
vendidos pelo irrisório valor total de US$5 bilhões.
Como a “Ação Direta de
Inconstitucionalidade” da Aepet contra o artigo 26, já mencionado,
assinada pelo governador Roberto Requião (Paraná), foi derrubada, e a
Petrobras é dona das reservas, em detrimento da União, esses acionistas
incorporaram ao seu patrimônio um acervo de 10 bilhões de barris — 36%
de 30 bilhões de barris nas mãos da Petrobras (incluindo 16 bilhões do
pré-sal, já cubados) — os quais, pela Constituição pertencem à União.
Como, agora, estamos no limiar do pico
de produção mundial, o barril de petróleo, em queda temporária, vai
ultrapassar os US$100, esse patrimônio transferido, gratuitamente,
valerá mais de US$1 trilhão. Considerando que já existiam no mercado
cerca de 20% das ações em mãos de testas de ferro, o governo, hoje,
detém 54% das ações com direito a voto, mas apenas 40% do capital total
da Petrobras (antes das mudanças, o governo detinha 87% do capital total
da Companhia).
O poder dos novos e felizardos
acionistas de Wall Street os levam a exigir da Petrobras a quitação dos
débitos que a Companhia tem com o Fundo de Pensão (Petros), de
preferência pelo menor preço possível. Reichstul usa R$8 bilhões em
títulos de longuíssimo prazo do governo (NTN tipo B, recebidos na
privatização das subsidiárias da Companhia — prazos de 23 e 32 anos) e
quita a dívida, financeiramente, mas não atuarialmente, pelo valor de
face dos títulos. A Petrobras contabiliza a saída dos títulos por R$1,8
bilhão e o Fundo de Pensão os recebe por R$8 bilhões.
Reichstul dobra o salário dos gerentes da Petrobras, amplia o número deles, e lhes dá poderes ilimitados para contratar
empresas e pessoas. Ganha com isso o apoio para fazer todas as
falcatruas que planejava. Desmonta a competente equipe de planejamento
da Petrobras e contrata, sem concorrência, a Arthur De Little, empresa
americana, presidida pelo seu amigo Paulo Absten, para comandar o
planejamento estratégico da Companhia.
Isto resulta numa série de desastres
consecutivos. Entre eles, a compra de ativos obsoletos na Argentina, na
Bolívia e em outros países. Os gerentes — cooptados — se fartam de
contratar empresas e pessoas, sem controle. A terceirização atinge o
estrondoso absurdo de 120 mil contratados, com nepotismo e corrupção,
enquanto os empregados efetivos caem de 60 mil para cerca de 30 mil,
seguindo a estratégia aplicada na Argentina, de enxugar para
desnacionalizar. Abre-se acesso às entranhas da empresa para pessoas
alocadas por empreiteiras e concorrentes estrangeiras.
Reichstul tenta mudar o nome da empresa
para Petrobrax, para facilitar a pronúncia dos futuros compradores
estrangeiros. Causa uma reação de indignação nacional e recua. Mas segue
a sua meta desnacionalizante e divide a empresa em 40 unidades de
negócio, seguindo a proposta do Credit Suisse First Boston, apresentada
ao Governo Collor, para a desnacionalização da Companhia. Pulveriza as
equipes técnicas, desmantelando a tecnologia da empresa e preparando
para, por meio do artigo 64 da Lei 9.478/97, transformar cada unidade de
negócio em subsidiária e privatizá-las, como iniciou fazendo com a
Refinaria do Rio Grande do Sul, a Refap.
Essa privatização foi feita pela troca
de ativos com a Repsol Argentina (pertencente ao Banco Santander, braço
do Royal Scotland Bank Co.), onde a Petrobras deu ativos no valor de
US$500 milhões — que avaliamos em US$2 bilhões — e recebeu ativos no
valor de US$500 milhões, os quais, dois dias depois, com a crise da
Argentina, passaram a valer US$170 milhões.
A avaliação dos ativos foi feita pelo
Banco Morgan Stanley, do qual Francisco Gros era diretor, acumulando,
desde o início da gestão Reichstul, o cargo de membro do Conselho de
Administração da Petrobras. Gros, segundo sua biografia publicada pela
Fundação Getulio Vargas, veio para o Brasil, como diretor do Morgan
Stanley, para assessorar as multinacionais no processo de privatização.
Por meio de sindicalistas do Rio Grande do Sul, entramos com uma ação
judicial na qual ganhamos a liminar, cassada, mas que interrompeu esse
processo de desnacionalização.
A gestão Reichstul levou a empresa a um
nível de acidentes sem precedentes na sua história: 62 acidentes graves —
em dois anos — contra a série histórica de 17 acidentes em 23 anos
(1975 a 1998), segundo relatório publicado pelo Conselho Regional de
Engenharia do Estado do Paraná.
Nós pedimos investigação de sabotagem
aos vários órgãos de segurança: Polícia Federal, Marinha, Procuradoria
Federal. Não investigaram, mas os acidentes cessaram.
2001 — Reichstul, desgastado,
dá lugar a Francisco Gros, que, ao assumir a presidência da Petrobras,
num discurso em Houston, EUA, declara que, na sua gestão, “a Petrobras
passará de estatal para empresa privada, totalmente desnacionalizada”.
Gros compra 51% da Pecom Argentina, por
US$1,1 bilhão, embora a dita empresa tenha declarado, publicamente, um
déficit de US$1,5 bilhão; cria um sistema para mascarar acidentes, nos
quais os acidentados não os possam reportar; tenta implantar um plano de
Benefício Definido no fundo de pensão — Petros.
Faz, ainda, um contrato de construção de
duas plataformas com a Halliburton, com uma negociação obscura, sem
concorrentes, que resulta, além de um emprego maciço de mão de obra
estrangeira, em dois atrasos superiores a um ano e meio. Esses atrasos
fizeram com que, pela primeira vez na história da empresa, houvesse uma
queda de produção, fato ocorrido em novembro de 2004. Apesar desses
atrasos, a Halliburton não pagou multa e ainda ganhou cerca de US$500
milhões adicionais da Petrobras, em tribunal americano.
Com a eleição de Lula para a Presidência
da República, antes da sua posse, houve uma renegociação em massa dos
contratos de serviço em andamento, com novos prazos, superiores a quatro
anos, de forma a criar uma blindagem ao novo governo, impedindo as
reanálises, renegociações ou revogações dos contratos feitos sem
concorrência, incluindo empresas ligadas aos amigos de alguns gerentes
do governo FHC.”
Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras em 26/5/2009.
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