Paulo Francis não morreu
Por Luciano Martins Costa
Os jornais do fim de semana registram o que pode vir a ser o ponto de
inflexão das relações viciadas entre a política e os interesses privados
no Brasil. A prisão de 24 altos executivos, entre os quais quatro
presidentes de grandes empresas e um ex-diretor da Petrobras, coloca nas
mãos da Justiça o material necessário para aprofundar as investigações
sobre a corrupção e passar a limpo o sistema de financiamento de
campanhas eleitorais.
A última etapa da ação policial está sendo chamada de “Juízo Final”. Os
jornais dizem que serão citados pelo menos 70 senadores e deputados.
Também está publicado que todos os partidos, com exceção do PSOL, foram
financiados pelas empreiteiras acusadas no escândalo.
O evento coloca o Brasil diante da possibilidade de levar à frente uma
“Operação Mãos Limpas” como a que sacudiu as instituições italianas nos
anos 1990. O alto risco dessa operação reside no fato de que sua
continuidade pode depender do empenho da imprensa em dividir com
equilíbrio e de forma equânime as responsabilidades, sem omitir ou
dissimular as culpas conforme a filiação partidária dos acusados.
Deve-se lembrar também que o esquema descrito pelos jornais na
segunda-feira (17/11) é uma cópia exata do “clube de fornecedores”
revelado no escândalo do metrô de São Paulo.
Entre as muitas páginas publicadas desde sábado (15), apenas a Folha de S. Paulo dá espaço para os dois pontos que irão definir o alcance da ação policial. Num deles, o colunista Luiz Fernando Viana (ver aqui)
critica a omissão da imprensa em buscar as origens do esquema de
corrupção que envolve gestores públicos e fornecedores de produtos e
serviços ao Estado. O jornalista questiona: “Por que passamos a achar
que nos cabe apenas noticiar os acontecimentos mais recentes, sonegando
ao leitor informações que ampliariam sua capacidade de discernimento?”
No outro exemplo, o articulista Ricardo Melo observa (ver aqui), muito a propósito, que, em 1997, o jornalista Paulo Francis afirmou, em comentário no programa Manhattan Connection,
que havia um esquema de roubalheira na Petrobras. O então presidente da
empresa, Joel Rennó, em vez de tomar alguma providência, abriu um
processo de US$ 100 milhões contra Francis, lembra o articulista da Folha.
Um fantasma nas redações
Portanto, está definido o ponto mínimo de movimentação da imprensa
diante do escândalo, sem o qual o noticiário deixa de merecer
credibilidade: quais eram os fatos a que se referia o polêmico
comentarista.
O jornalista Franz Paul Heilborn, que assinava sua coluna nos jornais e
se apresentava na TV como Paulo Francis, morreu menos de um mês depois
de ser informado por seus advogados de que não tinha como se defender no
processo movido pela Petrobras na corte de Nova York. Como havia
acusado sem provas, baseado em fontes que não podia revelar, entrou em
depressão e sofreu um estresse que causou sua morte por um ataque
cardíaco, segundo revelou sua mulher, a jornalista e escritora Sonia
Nolasco.
A lembrança de sua denúncia vem agora assombrar antigos dirigentes da
empresa petroleira e colocar a imprensa brasileira diante de um dilema:
se persistir em circunscrever o escândalo aos fatos recentes, datando o
processo a partir do ano 2013, o noticiário ficará marcado pelo
partidarismo e a manipulação. Se for investigar as origens do escândalo,
completando a pauta levantada por Paulo Francis há 17 anos, terá que
reconhecer que a corrupção na Petrobras tem raízes mais profundas, e
estará aberto o caminho para uma operação de larga escala contra a
roubalheira. O ponto de partida dessa pauta é sua afirmação de que, em
1997, diretores da Petrobras engordavam contas bancárias na Suíça com
dinheiro de propinas obtidas na compra de equipamentos.
O escritor e colunista Carlos Heitor Cony já havia feito pelo menos
duas referências à sua história, em março e setembro deste ano (ver aqui e aqui), na própria Folha,
mas nenhum jornal teve interesse em revisitar o passado. Cony e outros
jornalistas que trabalharam com Francis, como este observador, sabiam
que ele não era um repórter investigativo, mas tinha fontes poderosas.
Os fatos que agora vemos expostos nos jornais demonstram que sua
denúncia tinha fundamento.
A revelação de que policiais federais do Paraná envolvidos na Operação
Lava Jato atuavam como cabos eleitorais do PSDB cria para a instituição
um dever de honra: levar o inquérito aos níveis de uma “Operação Mãos
Limpas”, acabando com o vazamento seletivo de informações.
Os jornais não poderão seguir com seu joguinho de mostra-e-esconde. O fantasma de Paulo Francis vai assombrar as redações.
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