Drible de procurador da Lava Jato para obter documentos na Suíça é questionado
Jornal GGN - Reportagem publicada pelo Conjur informa que um documento que acaba de chegar à Justiça indica que o Ministério Público Federal “driblou exigências legais para obter dados de contas bancárias na Suíça” e que, se esses documentos forem usados na Lava Jato, pode colocar toda a operação em risco ao abrir caminho para que os advogados peçam a nulidade das provas.
Segundo o Conjur, o tratado de cooperação jurídica entre o Brasil e Suíça para matéria penal deixa claro que “cabe às autoridades centrais dos países fazer pedidos e autorizar a troca de documentos” que serão usados em inquéritos.
“O Decreto 6.974/2009, que promulgou o tratado, lista como autoridade central no Brasil apenas um órgão: a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério de Justiça. Isso significa que todo pedido e autorização de cooperação penal entre os dois países precisa necessariamente passar por esta secretaria para ser considerado legal.”
Ocorre que, em novembro do ano passado, o procurador da Lava Jato Delton Dallagnol, chefe da força-tarefa, teve acesso a documentos relacionados à investigação na Petrobras que ele solicitou diretamente ao Ministério Público da Suíça, sem passar pela Pasta comandada por José Eduardo Cardozo.
A informação conta numa “certidão que acaba de ser anexada a um processo no Superior Tribunal de Justiça” envolvendo a Odebrecht, mostrando que o membro da força-tarefa teve acesso a um “pen drive (mídia USB) com informações de contas bancárias relacionadas a ‘Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e outros’”. O MP suíço confirma ter entregado a mídia ao procurador brasileiro em 28 de novembro de 2014.
O Conjur destacou que o pedido de Dallagnol não passou pelo Ministério da Justiça e que a própria Secretaria Nacional de Justiça fez um alerta ao MP, enviando um ofício à Procuradoria-Geral da República no qual diz que documentos que fujam dos trâmites estabelecidos em tratados internacionais não podem ser usado em inquéritos ou para instrução de processos.
“É de extrema importância que os documentos restituídos pelas autoridades suíças não sejam usados para instruir processos ou inquéritos não mencionados no pedido de cooperação jurídica internacional, sem prévia autorização da autoridade central”, diz o informe da Secretaria Nacional de Justiça.
Na certidão, o Ministério da Justiça “atesta que não tem conhecimento da motivação ou do desenvolvimento da viagem do Ministério Público Federal à Suíça em novembro de 2014. Ou seja, a entrega dos documentos não passou pela autoridade central responsável pela cooperação jurídica entre Brasil e Suíça, como diz a lei. Logo, é uma prova ilegal, que pode contaminar todo o processo.”
A avaliação de que o trâmite irregular pode causar prejuízos à Lava Jato é reforçada por opiniões de juristas como Pedro Serrano e Lênio Streck, entrevistados pelo Conjur (leia aqui).
Reunião com Cardozo
Segundo o Conjur, essa certidão que envolve investigação contra a Odebrecht foi cobrada pelos advogados num famigerado encontro com o ministro José Eduardo Cardozo. “No dia 5 de fevereiro deste ano, [houve uma audiência] para reclamar de vazamentos de informações sigilosas e para pedir que o ministério emitisse a certidão sobre a cooperação internacional. O simples fato de ter havido uma reunião (oficial e listada na agenda do ministro) foi motivo de notícias alarmantes e acusações contra os advogados”, lembrou o portal.
Trâmite via Secretaria da PGR
No dia 20 de fevereiro, a imprensa noticiou, entrevistando o procurador Vladimir Aras, “a rota que devem seguir os pedidos de provas da Suíça na Lava Jato: o MPF no Paraná faz um pedido de informações para a Secretaria de Cooperação Jurídica internacional da PGR, que encaminha tal demanda ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, que, por sua vez, faz uma solicitação às autoridades suíças.”
Aras disse que o pedido dos advogados da Odebrecht para ter acesso à certidão que agora chega ao STJ seria “uma tentativa de encontrar nulidade onde não há”. Para ele, todo procedimento foi observado “de acordo com as leis e os tratados”.
Ao Conjur, Aras disse agora que “são corriqueiros e absolutamente comuns os contatos diretos entre autoridades de persecução de países distintos”. Ele disse que os documentos entregues a Dallagnol pelo MP suíço sem passar pelo Ministério da Justiça foram resultado de contatos prévios, estimulados para que os pedidos “sejam precisos, adequados e completos e não necessitem de aditivos ou retificações”.
“Ou seja, o MPF teve acesso às provas para saber exatamente quais provas pedir pela via formal”, observou o Conjur. Pela versão da PGR, não haveria porque questionar a validade de toda uma operação em cima desse fato, já que o que não se pode fazer é inserir documentos estrangeiros que não passaram pelo Ministério da Justiça nos inquéritos. Isso não impede a troca de informações. Apesar disso, a Odebrecht, segundo o Conjur, pode trabalhar a tese da “árvore contaminada” por provas obtidas de maneira ilícita e pedir a nulidade de algumas ações.
Versão da PGR
A PGR explicou em nota enviada ao Conjur que todos os “procedimentos de cooperação internacional foram observados no caso Lava Jato, como ocorre aliás em todas as outras apurações transnacionais do MPF” e que são “corriqueiro e absolutamente comuns os contatos diretos entre autoridades de persecução de países distintos, sejam eles procuradores, policiais ou autoridades ligada a UIFs.”
“Tais contatos prévios são estimulados por foros internacionais, como o UNODC, como providências que devem anteceder pedidos formais, para que tais rogatórias e mutual legal assistance requests sejam precisos, adequados e completos e não necessitem de aditivos ou retificações. Ademais a troca de informações entre autoridades do Estado requerido e Estado requerente não é prática vedada por qualquer norma interna ou internacional.”
“A tramitação pela autoridade central ou por via diplomática é requisito sempre observado pelo Ministério Público Federal em todos os pedidos de cooperação, tenha ou não tenha havido contato direto prévio entre procuradores brasileiros e estrangeiros, valendo lembrar que a PGR é autoridade central em três tratados (Portugal e Canadá e Convenção de Nova York) e também vela pela validade de documentos que tramitam por esses canais.”
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