“Washington não tem nenhum interesse em uma solução para a guerra na Síria”, afirma James Petras
“Eu acredito que a razão é que Washington não tem nenhum interesse em uma solução, quer continuar a guerra, destruir a Síria, quer provocar uma crise com a Rússia”, afirmou o sociólogo norte-americano, professor James Petras, em uma entrevista concedida à Rádio CX36. Também mencionou as eleições na Argentina, a situação na Palestina, as futuras eleições parlamentares na Venezuela e Grécia.
A entrevista é de Efrain Chury Iribarne, publicada no sítio da Rádio CX36 Centenário, de Montevidéu, Uruguai, 29-10-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Bom dia, James Petras. Como você está?
Estamos bem e vocês? Como vai a primavera?
Digamos que
hoje é um dia muito parecido com uma primavera, com uma temperatura que
certamente deve estar no eixo dos 20, 21 graus.
Que bom, desfrutem, aproveitem o bom tempo.
Pedimos a você
um panorama inicial. Você sabe que há uma grande quantidade de notícias
que se aglutinam, são muitas, mas para interpretar realmente o que
aconteceu na última semana, no Oriente Médio e nessa região,
naturalmente com ênfase nos ataques de Israel contra a Palestina e todas
essas coisas.
Em primeira instância, devemos reconhecer que a Rússia e o governo da Síria, Bashar Al Assad,
declararam a disposição em convocar eleições para determinar a vontade
dos sírios e evitar a saída, derrotar os terroristas e buscar uma forma
de conciliação entre os combatentes não extremistas e o governo. No
entanto, nem Washington, nem os países da Europa e nem a oposição
supostamente moderada aceitaram esta oferta de acabar a guerra ao menos
entre estas forças e buscar uma conciliação. A razão é que Washington
não tem nenhum interesse em uma solução, quer continuar a guerra,
destruir a Síria. Quer provocar uma crise com a Rússia e tudo mais. Tudo
o que lemos e escutamos nestes dias aponta para o fato de que em
Washington nada mudou em sua política. Continua buscando a dominação,
continua provocando guerras, continua apoiando Israel, continua aliado
com os extremistas monarquistas da Arábia Saudita, etc. Não vimos
nenhuma mudança, inclusive, ainda não acabaram as sanções contra o Irã,
que podem prejudicar o acerto conjuntural que negociaram com o governo
de Teerã. Em outras palavras, podemos dizer que a continuidade define a
situação. Mais que um reajuste, uma aceitação que as soluções não são
absolutistas, que os Estados Unidos têm que aceitar algumas realidades,
que para uma transição na Síria deve permanecer o governo de Al Assad
até que as próprias eleições determinem a composição de um novo
governo. Além disso, Israel continua matando palestinos, segue a
política de desapropriação dos palestinos, mata jornalistas, mata
médicos e mata ativistas pacifistas, que protestam contra a ocupação.
Washington timidamente disse que devem acabar com a violência, mas
ninguém leva a sério as intervenções de Washington, razão pela qual
todos entendemos que Washington e Israel são duas partes do mesmo
problema palestino.
Petras, por aí, quais repercussões tiveram a afirmação sobre o holocausto feita por Netanyahu, recentemente?
Em muitas partes do mundo, há grupos de direitos humanos que começaram uma ação penal contra Netanyahu
por crimes de guerra e é um processo judicial que querem prosseguir
contra ele por uma razão óbvia: cometeu muitos crimes internacionais.
Mas, os governantes procuram proteger Netanyahu, como o governo de Merkel, o governo de Cameron
e os governantes da França, Holanda que fazem um bloqueio, fazem uma
política de proteção para evitar as ações iniciadas pelos cidadãos e as
organizações de direitos humanos. É reconhecido mundialmente que Netanyahu
e o governo israelense são criminosos, que cometem crimes diariamente,
de grande escala e a longo prazo. No entanto, os governantes políticos
utilizam seus poderes para evitar um julgamento e Netanyahu continua viajando e conversando com os diferentes governantes, apesar de permanecer pendentes julgamentos que o condenam.
Petras, não
muito distante do que serão as eleições legislativas na Venezuela, como
se nota através das notícias, que não sei se são legítimas, acredito que
o clima segue bastante agitado, particularmente pelos elementos de
ultradireita da Venezuela, com o apoio americano. Como enxerga isto, a
partir daí?
Devemos reconhecer que
Washington nunca suspendeu sua campanha de desestabilização, nunca
deixou de financiar as oposições, canalizando o dinheiro às ONGs
apoiadas pela direita. Infelizmente, na Venezuela não há nenhuma
diferença entre a direita e a ultradireita, são a mesma coisa. Entre os
violentos e os eleitoralistas existem muitas vinculações, a longo prazo.
Então, para qualquer processo político as duas coisas se misturam, a
direita obviamente violenta e a direita dura e compraram muitos
ex-chavistas, particularmente oficiais. São utilizados para fazer
denúncias falsas. Por exemplo, um promotor que estava de alguma forma
vinculado ao governo, que partiu por ser um juiz incapaz, incompetente e
vigarista. Agora, declara que o processo contra López,
o terrorista encarcerado por onze anos, era um julgamento falso,
testemunhas e provas falsificadas, mas não mostram nenhuma evidência,
não mostram nenhuma coisa concreta para justificar a denúncia. Porém, os
meios de comunicação de massas, inclusive a BBC e
outros, repetem que o ex-promotor como dava seguimento ao julgamento,
não é promotor há tempo. Não só que não é promotor, mas também está
condenado e se foi do país para evitar o processo. É citado como uma
testemunha contra o governo. E há muitos casos assim, falam de militares
quando são militares aposentados ou militares destituídos do poder por
algumas ofensas. Então, a campanha segue se intensificando e as pressões
econômicas continuam, continuam sendo um fator importante. Os grandes
capitais que controlam as importações e a circulação de mercadorias
seguem atuando de alguma forma para prejudicar o governo. Sobem os
preços de forma arbitrária. Estão em um grande processo de evasão de
impostos. Continuam especulando com a moeda e fazendo tudo o que é
possível para prejudicar a economia. Eu garanto que se houver uma
mudança de governo rapidamente, vão aparecer muitas mercadorias, vão
baixar a taxa de inflação, etc. Todo um mecanismo político para
prejudicar o governo atual. O problema é que o governo trata a oposição
com muita gentileza, ao invés de lhe dar golpes nocaute, continuam
tolerando. Alguns setores governamentais estão procurando uma
conciliação, sendo que em tais tipos de conflitos não há forma de
constituir pontes com a oposição: trata-se de tudo ou nada. Ou seja, é
preciso buscar transformar o país ou aceitar a derrota. O problema da
Venezuela é que o governo não decidiu tomar medidas decisivas e vai às
eleições com uma mão controlando e outra mão brigando, e não é mais
possível ganhar eleições desta forma.
Faz algumas
semanas que não conversamos. Após as últimas eleições, como estão as
coisas, as negociações de Tsipras e tudo isso? Como está a Grécia?
Muito mal. Começaram as
privatizações e começaram a impor medidas de austeridade. Apesar de
todas as rejeições que o governo recebeu do público, estão determinados a
provocar um decrescente padrão de vida para o povo grego. Já começam as
demissões em algumas emissoras públicas e há uma greve geral provocada
entre os trabalhadores. E há um expurgo de oficiais que são críticos do
governo e não são da direita, são pessoas honradas que refletem a
política anterior, algo progressista. Então, os expurgos estão em
processo para a implementação de medidas repressivas. O governo segue
mostrando um servilismo na política externa, buscando se aliar com
Israel, buscando se aliar com a OTAN. Busca se
subordinar aos Estados Unidos. É um governo completamente à direita e os
poucos que o apoiam, recentemente decidiram que é um projeto para
esquecer. O Syriza é um novo partido da direita e não há nada que possa salvá-lo de um último destino, o de acabar no lixo da história.
Petras, como
sempre, depois desta séria de perguntas que formulamos, deixamos você
com algum dos temas que ocupam sua atenção e seu trabalho.
O grande tema de hoje
são as eleições deste fim de semana na Argentina, Polônia, Guatemala,
Colômbia e Ucrânia. Devemos dizer que a tendência é mais que tudo um
aumento da direita, extrema. Na Argentina, o candidato à presidência da
ultradireita, o senhor Mauricio Macri, está a um ponto do candidato de centro-esquerda, Scioli.
Isto porque, ultimamente, nos últimos dois anos, o kirchnerismo esgotou
as medidas progressistas dos primeiro anos, não estimulou as pessoas
que tinham compromissos com a esquerda a seguir com este projeto. Então,
o candidato Scioli consegue algo mais de 36% dos votos, Macri
34, 35%. A ultradireita sempre teve muita força entre os portenhos e em
Buenos Aires em particular. Agora, eles não têm contrapeso entre os
setores populares, nos bairros, nas vilas, etc. Deixaram de popularizar o
país. A esquerda ganha quando pode popularizar o país, porque a maioria
apoia as medidas progressistas. Entretanto, o kirchnerismo, que domina a
esquerda deixou de adotar medidas populares, prejudicaram setores
ambientalistas, prejudicaram atores sindicais, prejudicaram
trabalhadores independentes. É possível que nas eleições finais a
direita tome o poder. Enquanto isso, o setor marxista, FIT, Frente de Esquerda,
só consegue 3,4% dos votos, segue marginalizado, por muitas razões, mas
principalmente porque a maioria popular continua pensando no
kirchnerismo e quando o krichnerismo começa a se deteriorar, a FIT não tinha uma inserção para receber e aproveitar. O descontentamento se desloca à direita, para Macri, Massa ou para outros grupos. Isto é uma tragédia. Se Macri
chegar ao poder, podemos esperar um retrocesso total em todas as
frentes sociais, econômicas e na política exterior. Em outra situação,
podemos ver um processo semelhante na Polônia, onde a ultradireita, Lei e Justiça,
mal chamado um partido da ultradireita consegue 40% contra 23% da
oposição. Agora, neste caso, temos uma combinação de clericalismo
(fundamentalistas católicos) e medidas populistas. A direita dura
ascende justamente porque adotaram medidas de bem-estar social e
antineoliberais, junto com políticas direitistas, perseguição da
esquerda, sentimento ultranacionalista, ultra anti-Rússia, ultramilitar.
É uma tragédia que a força antineoliberal esteja dominada pela direita.
Agora, na Guatemala é
pouco o que se pode dizer. Um comediante consegue 73%, o
social-democrata consegue algo de vinte e poucos por cento. É outro caso
da despolitização da política. O povo só pensa em derrotar os que
apoiam aos esquadrões da morte, que eram presidentes anteriores. O
comediante se chama Jimmy Morales e não tem nenhuma
perspectiva progressista, mas como representa uma suposta alternativa
aos generais, aos comandantes assassinos, as pessoas pensam que é o mal
menor. E algo semelhante acontece na Colômbia, onde a esquerda perde
Bogotá, o candidato da direita, Enrique Peñalosa vence e a candidata da esquerda, Clara López, só consegue um quinto do eleitorado. A única coisa positiva é que o candidato dos esquadrões da morte, Álvaro Uribe,
só consegue 12% do eleitorado. Outra vez o eleitorado rechaça aos
esquadrões da morte, mas não opta pela esquerda, buscam um candidato
mais próximo do presidente Santos, que é Peñalosa. Em outras palavras, o mal menor é a opção.
Em geral, é o que
podemos dizer do processo eleitoral que mencionamos, com exceção da
Ucrânia, que devo destacar que é onde a esquerda começa a escalar uma
força para além das províncias do leste... Em geral, há um processo
eleitoral favorecendo a direita e devemos dizer que os governantes
progressistas não tomaram medidas suficientemente duras para fragilizar o
capital, o grande capital e os meios de comunicação controlados pelos
conglomerados. Então, a partir das posições econômicas, a partir dos
controles dos meios de comunicação, podem se manter e aproveitar a
fragilização da centro-esquerda. Na medida em que a centro-esquerda
começa a se fragilizar, a esquerda consequente fica à margem do
processo. Não criou uma base para aproveitar a desintegração da
centro-esquerda. Agora, na Ucrânia temos um caso especial que vai contra
esta corrente. Podemos dizer que o governo de Petro Poroshenko
consegue só 12% do eleitorado, ou seja, 88% do eleitorado rejeitam a
junta. Pior, nas pesquisas, 99% do eleitorado rejeitam o
primeiro-ministro. O primeiro-ministro é tão odiado que não apresentou
sua candidatura, nem de seu partido. Decide no último momento, evitar o
escândalo, apresentar-se e se retirar do processo eleitoral, porque 99%
do eleitorado em Kiev e arredores eram contra o governo... O governo
favorecido por toda a imprensa ocidental, o Fundo Monetário,
por implementar medidas econômicas que prejudicam 90% do eleitorado.
Derrubaram os salários em 50%, acabaram com as subvenções para
mercadorias básicas da cesta do consumidor, prejudicaram a seguridade do
país, etc. Em outras palavras, poderíamos dizer que onde a direita dura
neoliberal manda há uma forte rejeição. Porém, quando a centro-esquerda
está no poder e pensa em se acomodar com o capitalismo, eles são
prejudicados. Em outras palavras, a luta entre a centro-esquerda e a
direita depende de quem governa. Se a direita governa são atacados, se a
centro-esquerda está governando, eles são prejudicados. E a esquerda
ainda não encontrou o caminho para construir uma alternativa a este
binômio. No único caso, na Ucrânia, em que a esquerda tinha alguma
presença, a máfia de Kiev anulou as eleições. Dizem que as cédulas dos
eleitores não eram apropriadas. Porém, a realidade é que as duas cidades
onde anularam as eleições são cidades fortemente de oposição ao governo
de Petro Poroshenko e seu primeiro-ministro. Com isso,
terminamos dizendo que não há evidência de que a esquerda esteja
avançando e há muitas indicações de que a esquerda está em retrocesso ou
pelos menos estagnada.
Muito bem,
Petras, apresentou-nos um completíssimo panorama. Agradecemos muito e
nos comprometemos a conversarmos novamente na próxima segunda-feira, na
(Rádio) Centenario. Um grande abraço.
Muito obrigado, um abraço aos ouvintes.
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