sexta-feira, 2 de setembro de 2016

ECONOMIA - Brasil, paraíso dos ricos.




             

Brasil, paraíso dos ricos (e canalhas)

E os ricos ainda dizem que pagam o pato...

                                  
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O Conversa Afiada reproduz reportagem de Carlos Drummond, na Carta Capital:
Brasil, o paraíso dos ricos
 A transferência de renda para os ricos é crescente no País, na contramão da tendência mundial de aumentar os impostos para as faixas mais altas. Tornou-se também uma instituição sólida, garantida pelas políticas tributária, fiscal, monetária e cambial, mostrou o seminário sobre o tema organizado pelo site Plataforma Política Social e o Le Monde Diplomatique Brasil, na segunda-feira 15, em São Paulo.
Segundo o economista Rodrigo Octávio Orair, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do International Policy Center for Inclusive Growth, da Organização das Nações Unidas, três condições tornam o Brasil o paraíso dos ricos e super-ricos. A primeira é a taxa de juros sem paralelo no resto do mundo, garantia de alta rentabilidade para o capital. A segunda condição é a isenção tributária de lucros e dividendos, instituída em 1995 no governo FHC. A terceira são as alíquotas de impostos muito baixas para as aplicações financeiras, de 15% a 20%, quando os assalariados pagam até 27,5%.
“A concentração de renda no Brasil não tem rival no mundo”, apontou Orair. Na pesquisa realizada com Sérgio Wulff Gobetti, também pesquisador do Ipea, utilizou a base de dados sobre os 20 países mais ricos criada pelo economista francês Thomas Piketti, autor do livro O Capital no Século XXI. O meio milésimo mais rico do País, composto de 71 mil pessoas, “uma população que cabe num estádio de futebol”, apropria-se de 8,5% de toda a renda nacional das famílias. Na Colômbia, a proporção é 5,4% e nas economias desenvolvidas fica abaixo de 2%.
Há um movimento mundial para reduzir a desigualdade econômica. De 2008 para cá, 21 dos 34 países da OCDE tomaram medidas de aumento da tributação dos mais ricos. Os Estados Unidos elevaram as alíquotas máximas do Imposto de Renda daquela camada e o Chile tomou medida semelhante em 2013, para financiar a educação. “O Brasil é um dos poucos lugares onde não se toca no tema. A discussão está bloqueada”, descatou o pesquisador do Ipea.
Os super-ricos do Brasil têm renda média de 4 milhões de reais, dois terços dos seus ganhos, compostos de lucros e dividendos, são isentos e um quarto está aplicado no mercado financeiro com alíquotas, em média, entre 16% e 17%.
O argumento de que não cabe taxar dividendos porque a empresa já recolhe impostos e haveria uma bitributação não procede. Segundo Orair, “quase todos os países possuem esse sistema clássico de tributação, do lucro na empresa e dos dividendos distribuídos às pessoas físicas”. O único integrante da OCDE com isenção de dividendos é a Estônia.
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O sistema todo é regressivo, mas os mais ricos, isentos de tributação na maior parte da sua renda, costumam dizer que todos pagam o pato. “Com isso, canalizam a raiva de quem paga de fato para defender o seu próprio status quo”, criticou o pesquisador.
Para Grazielle Custódio David, especialista em orçamento público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o problema está na receita, mas o discurso é muito focado na despesa. A partir de 1995, não houve aumento descontrolado de despesas. A receita, no entanto, caiu 50% entre o último governo Lula e o primeiro mandato de Dilma.
Prejudicada pelas desonerações, a receita do governo cai também por causa da sonegação e da elisão fiscal, realizada com um planejamento tributário “extremamente agressivo e caro”, só acessível às grandes empresas, na maior parte multinacionais, destacou Grazielle. O fim da elisão fiscal representaria um potencial de aumento da arrecadação entre 0,8% e 2% do PIB, no cálculo de Orair.
Os principais tributos sonegados são o IPI, incidente sobre a indústria, e o Imposto de Renda. Um estudo do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional concluiu que 22,3% da arrecadação é sonegada, o equivalente, em 2015, a 454 bilhões de reais, ou 7,7% do PIB. Um valor quatro vezes superior ao déficit fiscal da União em 2015, de 111 bilhões. “O País sofreu no ano passado com um déficit fiscal apontado como a ruína das contas nacionais, quando havia um valor quatro vezes maior em tributos sonegados”, sublinhou a assessora do Inesc.
Os débitos de impostos não pagos no prazo são inscritos na dívida ativa da União, hoje em “incrível 1 trilhão e meio de reais, acima da arrecadação total brasileira em 2015, de 1,2 trilhão”. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, somente 1% da dívida ativa é resgatada a cada ano.
Além disso, há 252 bilhões que já transitaram em julgado, valor muito maior que o déficit fiscal do ano passado e o deste ano também. “Não tem mais como recorrer, é só ir lá e recolher. Com tanto dinheiro a receber pelo governo, fica claro que a intenção não é fazer um concerto fiscal, mas mudar a sociedade e a Constituição, destruir as políticas públicas e o princípio de solidariedade e fraternidade”, concluiu Grazielle.
Segundo o economista Bruno de Conti, da Unicamp, “a alegação é de que a taxa Selic e a sua elevação servem para combater a inflação, mas é evidente que se prestam também para garantir a remuneração dos detentores de títulos públicos”, um mecanismo de transferência assegurado pela política monetária. “Dizem que o Bolsa Família e as cotas nas universidades não são meritocráticas. Não há nada mais antimeritocrático, porém, do que uma política monetária que garante aos detentores de patrimônio o seu crescimento ao infinito. Isso é ignorado de forma intencional e estratégica.”
A política cambial é uma das âncoras do fluxo constante de renda para os ricos. Há uma relação “muito grande” entre a taxa de juros e o dólar”, diagnosticou Laura Carvalho, professora de economia da USP. Antes de pensar em reduzir os juros, disse, é preciso tornar a taxa de câmbio menos suscetível aos fluxos voláteis internacionais, a começar pela regulação do mercado enorme de derivativos cambiais.
A transferência de renda e seus mecanismos quase sempre são camuflados por justificativas técnicas, supostamente neutras. A primeira ata do Conselho de Política Monetária do Banco Central sob a presidência de Ilan Goldfajn, sobre a decisão de manter os juros em 14,25%, põe em xeque, no entanto, a isenção do órgão, analisa a economista: “Nunca antes na história deste país ficou tão óbvio o caráter político da decisão do BC”.
A ata anterior, a última do período de Alexandre Tombini na presidência do BC, registrou que não era possível baixar a Selic por causa do déficit fiscal muito elevado e do momento expansionista da economia. “Agora, o Copom não fala mais no déficit de curto prazo nem na situação fiscal expansionista, apesar do déficit muito maior anunciado pelo governo, de 170 bilhões de reais para 2016 e de 139 bilhões no próximo ano. Afirma apenas que aguarda a aprovação das reformas estruturais de longo prazo.” A Emenda Constitucional 241, que limita o crescimento dos gastos sociais e investimentos públicos aos valores do ano anterior corrigidos pela inflação, e a reforma da Previdência “melhorariam a percepção dos agentes e aí, sim, se pensaria em reduzir os juros”.
Na verdade, o BC não manteve a taxa, pois, “com a inflação em queda, manter os juros significa elevá-los. E vamos combinar: mesmo se as reformas forem aprovadas, não garantem a melhora da situação fiscal, pois têm a ver com aumento de despesas, não com receitas, e não indicam nada sobre o que vai acontecer com o crescimento. Portanto, de nenhuma maneira garantem uma estabilidade da dívida pública ao longo do tempo, que depende de muitas coisas, inclusive da taxa de juros”, chama a atenção a economista.


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