Flavio Lyra: Davos, a serviço das grandes corporações internacionais
“Davos é apenas mais um instrumento de articulação dos interesses capitalistas”: Entrevista com Flavio Lyra
por Rennan Martins, no Desenvolvimentistas, via e-mail
O glamoroso Fórum Econômico Mundial de Davos iniciou ontem e são previstas atividades até o próximo sábado. Todo ano os magnatas se juntam nos Alpes para de discutir seus interesses e promover a imagem de suas empresas, aproveitando é claro pra dar os já desacreditados discursos de que possuem algum compromisso com o mundo que lhes cerca.
Enquanto isso, a desigualdade atinge níveis ainda mais alarmantes, as projeções da Oxfam – ONG especializada em estudos de riqueza e desigualdade – são de que em 2016 o 1% ultrapassará os 99% em riqueza absoluta, concentradíssima. Aqui no Brasil diversos analistas muito bem adestrados, defensores incondicionais da plutocracia, perdem tempo com críticas a presidenta por conta dela ter preferido a posse de seu colega e presidente da Bolívia, Evo Morales, ao Fórum dos privilegiados.
Para discutir a conjuntura internacional e os dilemas da economia neste ano ainda em início, entrevistei o doutor em economia pela Unicamp, Flavio Lyra. O heterodoxo Lyra duvida da capacidade do Fórum de dar respostas concretas aos problemas socioeconômicos atuais, faz pesadas críticas a guinada conservadora da política econômica nacional e crê que ela acarretará em recessão e desemprego.
Confira:
Diante dos novos rumos que o ministro Joaquim Levy tem dado a economia, o Brasil se aproxima ou afasta do Fórum de Davos? Quais são as vantagens e desvantagens de se alinhar aos ditames ortodoxos?
Tanto na teoria, quanto na prática o pensamento neoliberal está em profunda crise, pois já não consegue dar respostas minimamente convincentes para a grande e crescente concentração da riqueza e da renda no mundo e para a incapacidade das economias desenvolvidas de se manterem crescendo, haja vista a estagnação da Europa e do Japão e a, ainda, indefinida situação dos Estados Unidos. O Forum de Davos vai ter que dar muitas cambalhotas para tentar desvencilhar-se do contundente discurso de Thomas Piketty, em seu já famoso “Capital no Século XXI”, que mostra claramente a forte propensão à concentração da renda e da riqueza no mundo. Isto num contexto de estagnação econômica.
O ministro Joaquim Levy e os ortodoxos que o cercam, meteram-se numa grande arapuca, porquanto, escravos de um pensamento econômico em crise, estão sendo chamados a dar resposta a problemas para os quais não estão preparados, pois o desgastado discurso da austeridade fiscal está desmoralizado pela experiência recente da Europa. Até parece que Dilma, agiu maquiavelicamente, ao entregar Levy a corda para ele se enforcar, pois não dá para vislumbrar nenhuma chance de recuperar o crescimento da economia brasileira com um choque fiscal que vá diminuir a demanda interna num momento de estagnação do comércio internacional e de baixa competitividade da indústria brasileira. Quando a crise se aprofundar, Levy corre o risco de ser enxotado pela mesma elite que ainda está batendo palmas por sua designação para o comando da economia. É uma questão de meses.
Os neoliberais mais espertos já estão preparando o discurso para se defenderem do fracasso do “arrocho fiscal”. Uns, como Monica de Bolle, já afirmam que é preciso maior abertura da economia, outros estão dizendo que é preciso realizar mais ajustes microeconômicos, sem o que a situação pode piorar. A verdade é que já estão colocando os salva-vidas para quando o barco afundar.
Se os economistas heterodoxos nos chegam a parecer confusos, por vezes, os ortodoxos estão inteiramente perdidos, pois não sabem como conciliar os interesses do capital financeiro, aos quais são, indiscutivelmente, submissos e os interesses do capital produtivo crescentemente em dificuldades, face ao excesso de capacidade produtiva na economia internacional.
Como se explica o paradoxo entre o discurso de Dilma durante as campanhas e a prática adotada após a reeleição? Por que o governo deu uma guinada conservadora?
Não vejo uma resposta simples. Minha hipótese é que o grupo político que cerca a presidente percebeu que não havia clima político na sociedade para prosseguir com a orientação que vinha sendo adotada, embora se trate de uma orientação que procurava conciliar aspectos ortodoxos e heterodoxos da política econômica. Entregaram os anéis com medo de entregar os dedos. Uma interpretação maquiavélica, entretanto, não está fora de cogitação: na suposição de que o arsenal de política econômica ortodoxa vai agravar a crise, caberia aguardar o momento propício para retomar as políticas heterodoxas, sob as pressões da sociedade, insatisfeita com o agravamento da crise. Trata-se esta, porém, de uma aposta arriscada, pois o agravamento da crise pode muito bem ser atribuível à gestão de Dilma que, supostamente, não permitiria realizar todos as reformas neoliberais consideradas necessárias.
A presidenta Dilma preteriu o Fórum Econômico a fim de comparecer a posse do presidente boliviano, Evo Morales. O que indica essa atitude? Como podemos interpretá-la?
Dá para supor a intenção de não se comprometer com a política econômica que está sendo colocada em prática, por considerá-la com grande probabilidade de fracassar.
Quais são as perspectivas para a economia brasileira em 2015? É possível retomar o crescimento ainda esse ano?
O quadro recessivo só vai aprofundar com o aumento dos juros, o corte dos gastos públicos e a retração do BNDES. A inflação vai acelerar-se. Mas, tudo isto faz parte do manual neoliberal, que visa atingir o emprego e os salários, na esperança de melhorar a competitividade da produção industrial. Esperança vã, a meu ver, pois a queda da demanda interna vai aumentar os custos unitários.
A indústria brasileira será beneficiada pela subida do dólar? A retração tem chance de ser revertida?
Tenho dúvidas que o dólar vá se valorizar, principalmente agora que a Europa e o Japão vão afrouxar a política monetária para tentar sair da recessão. A recuperação da competitividade da indústria brasileira vai ter que ser buscada pelo aumento do investimento, a inovação tecnológica e a redução de custos dos serviços, inclusive de infraestrutura.
Quais são os efeitos do ajuste econômico que está entrando em vigor?
Vai produzir recessão e gerar um clima de protestos e acirramento dos conflitos entre grupos e classes sociais. Lamentavelmente, o presidente da Fiesp continua pleiteando a redução da carga tributária como a solução dos problemas da indústria.
A ONG Oxfam, especializada em estudos de desigualdade e distribuição de riqueza, afirma que em 2016 o 1% acumulará mais recursos que os 99% restantes da população. Como chegamos a esse ponto? Quando o bolo finalmente será distribuído?
Conforme mostra Thomas Piketty, em seu livro ” Capital no Século XX!”, não há como ser diferente enquanto o crescimento da renda do capital se der a taxa mais alta do que a taxa de crescimento econômico. Mantidas as instituições atuais a renda do capital alcança 5% ao ano, e o crescimento econômico médio, sequer se aproxima dessa taxa. As instituições na etapa atual do desenvolvimento capitalistas estão organizadas para privilegiar a valorização do capital financeiro.].
Apesar de a desigualdade ser um tema cada vez mais pautado, pouco se vê de medidas práticas para combatê-la. O debate econômico precisa de mudanças? Que caminhos e ideias precisamos discutir mais?
Não vejo saída para questão da desigualdade, sem mudanças políticas importantes que reforcem a participação da população no poder e nas próprias organizações econômicas. Só o avanço democrático pode abrir espaço para tais mudanças.
O Fórum de Davos tem capacidade de enfrentar os dilemas da segunda maior crise do capitalismo? Porque?
Tenho seriíssimas dúvidas! Davos é apenas mais um instrumento de articulação dos interesses capitalistas, para reforçar o poder das grandes corporações internacionais no controle da economia mundial e no fortalecimento do capital privado internacional.
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