Tsipras: Única maneira da Europa sair da crise é um New Deal Europeu
“A única maneira da Europa sair da crise é através de um New Deal Europeu”, diz Tsipras
The Guardian, via Esquerda.Net, sugestão do FrancoAtirador*
O candidato da Esquerda Europeia à presidência da CE participou numa sessão de perguntas e respostas online organizada pelo diário britânico, The Guardian.
Após dezenas de perguntas e centenas de comentários que abordavam a união monetária, a imigração, a abstenção e as respostas da esquerda à crise, Tsipras respondeu às questões dos cibernautas durante um período de 2 horas. Leia aqui as perguntas e respostas.
Pergunta: Porque é que a Syriza não fez mais para denunciar a dúbia auditoria feita pelo Governo que descobriu um superavit primário? E porque é que não atacou a União Europeia por colaborar nesta fraude?
Alexis Tsipras: A Syriza já fez essas denúncias através das declarações públicas e nas perguntas dirigidas à maioria governativa através do parlamento grego. O superavit primário é um artefacto político que tem como base a vontade da troika de manter o Governo de Samaras no poder. Mas isto também demonstra de forma clara que a solução tanto para a Grécia como para a zona euro não será somente técnica, tem que ser política.
P: Tem vindo a afirmar, de forma coerente, a oposição do seu partido ao memorando de entendimento, à austeridade, mas também tem vindo a reafirmar a oposição à saída do euro. Pode explicar-nos como pretende obter a renegociação do memorando de entendimento sem a ameaça da saída do euro?
AT: A senhora Merkel já respondeu a esta questão no Conselho Europeu – em dezembro de 2013 – quando afirmou, de acordo com o diário francês Le Monde que se a Grécia saísse do euro, seria o fim da zona euro. O memorando de entendimento não foi apresentado à Grécia para o salvar, mas como um plano de contenção política por parte da senhora Merkel. Tudo é renegociável quando houver um governo na Europa que se opuser a estes planos.
P: Nos últimos anos temos visto na Europa, como nos Estados Unidos, uma enorme exigência popular de uma “democracia real”, foi assim na Praça Syntagma, na Plaza del Sol entre outros locais. Em primeiro lugar, queria saber a sua interpretação sobre estes movimentos sociais. Segundo, gostava de saber como é que a Syriza irá combater o défice democrático na Europa e quais são os planos para dar aos cidadãos europeus, em particular aos jovens, a esperança de que a democracia não é uma estrutura burocrática que já teve o seu tempo. Isto porque é esta a sensação que a maioria de nós tem.
AT: Os movimentos das ocupações de praças foram uma expressão autêntica da raiva do povo grego. Foram também um grito de ansiedade e desespero contra o retrocesso da democracia, no seu próprio local de nascimento. Os jovens gregos exigiram o direito de não ter outras pessoas a decidirem por eles.
A primeira vítima do memorando da troika foi a democracia. De outra maneira teria sido impossível implementar qualquer uma das medidas de austeridade. É por isso que o nosso slogan é: parar a austeridade para recuperar a democracia.
A Europa não poderá continuar a ser uma entidade de 28 estados membros onde a senhora Merkel decide, sem nenhuma legitimidade democrática.
Queremos que todas as decisões críticas para a Europa sejam ratificadas diretamente pelo povo através de referendos.
P: A abordagem de Guerra Fria que a União Europeia tem tido à crise ucraniana não parece estar a funcionar. Qual é a proposta da Esquerda Europeia sobre este assunto?
AT: A UE tem de tentar restaurar e restabelecer o Acordo de Genebra de 17 de abril e procurar um fim imediato à violência. Também deveria emitir um aviso final ao Governo provisório ucraniano para não voltar a violar os acordos. O massacre na sede do sindicato em Odessa revela os elementos paramilitares e criminosos neonazis dentro do governo ucraniano, que desejam uma Ucrânia “etnicamente limpa”.
Estão a tentar provocar a Rússia para alcançar o seu objetivo. Uma solução viável para a crise na Ucrânia seria a eliminação dos elementos da extrema-direita e neonazis em todos os níveis do Governo.
A paz na Ucrânia será difícil enquanto estes estiverem no poder. A razão é que estes elementos causam a insegurança em todas as minorias étnicas e religiosas no país.
P: Nos primeiros 100 dias de governo, quais serão as medidas específicas da Syriza para combater a descriminação e consagrar igualdade de direitos aos bissexuais, gays, lésbicas e transgénero? Mesmo com a enorme influência política da Igreja Ortodoxa Grega, está disposto a fazer-lhe frente?
AT: A Syriza está comprometida a alcançar igualdade de direitos a todos os cidadãos e cidadãs, independentemente do seu género ou da sua orientação sexual. Apoiámos sempre o movimento LGBTQ nos seus esforços para atingir igualdade.
Para começar, a nossa medida imediata seria reforçar e utilizar as leis existentes contra o discurso de ódio e contra a discriminação. Nós respeitamos a igreja ortodoxa grega, mas achamos que não tem uma palavra decisiva nas questões de política pública e da lei das famílias. Temos que convencer os nossos compatriotas mais conservadores que, antes de mais, isto é uma questão de democracia e de direitos humanos.
P: Se for eleito presidente da Comissão Europeia o que vai fazer para resolver a questão dos imigrantes e refugiados, especialmente na Grécia e na Itália. O que faria para resolver o problemas dos campos de detenção, as suas péssimas condições e as mortes das pessoas que tentam chegar à Europa?
AT: Ontem [5 de maio 2014] tivemos uma notícia trágica que é completamente inaceitável: 22 mortos perto de Samos, incluindo 3 crianças. Estes acontecimentos trágicos no Mediterrâneo – que não são eventos, ocorrem diariamente – vem provar que a política de imigração europeia não funciona.
Falhou em toda a linha. O Mediterrâneo tornou-se num cemitério; isto é uma vergonha do legado europeu. Procuraremos uma reforma imediata da política de imigração, assim como a renegociação do Tratado de Dublin II.
Iremos procurar maneira de arrecadar financiamento para receber os imigrantes e os refugiados dos países europeus fronteiriços, para além da responsabilidade partilhada entre todos os membros da união.
P: A Esquerda tem sido acusada, por políticos como o ministro das Finanças Schaüble, de representarem ideias do passado e que essas mesmas ideias são irrelevantes para a Europa atual. Como responde a isto?
AT: A elite política da Europa trouxe-nos a um beco sem saída. Estas são as pessoas responsáveis por terem atirado a Europa para os tempos do Les Misérables do Victor Hugo. Eles é que são o passado, nós somos o futuro da esperança e da mudança.
P: Qual seria a resposta da Syriza à possível postura agressiva por parte do Banco Central Europeu – já que a Grécia não encontra aliados nos governos do Sul – de maneira a fazer uma frente comum à política de austeridade. Já que a parte mais significativa da dívida grega está no setor público – ao contrário do cenário de 2009 em que estava toda nas mãos do setor provado – isso dá à UE a possibilidade de expulsar a Grécia do euro caso não cumpram as exigências. A Syriza estaria preparada para esta eventualidade?
AT: A mudança política na Grécia será um exemplo para toda a Europa. A renegociação feita por parte do novo Governo de Esquerda grego não será somente feito para o povo grego, mas para toda a periferia europeia.
Os outros governos do sul da Europa serão obrigados pelos seus cidadãos a optarem uma postura semelhante para apoiar o Estado Social e a coesão social e terão que alinhar connosco.
P: Durante a grande depressão de 1929, quando o nível de desemprego era elevadíssimo, o Presidente Roosevelt disse que se o setor privado não pode ou não quer empregar pessoas, não haveria outra maneira senão ser o governo federal a criar emprego. Ele criou 15 milhões de empregos. Pretende criar emprego através do Estado, caso seja eleito primeiro-ministro grego ou como presidente da Comissão Europeia, para países que estejam com um desemprego elevado?
AT: A única maneira da Europa sair da crise é através de um New Deal Europeu. É imperativo abandonar as políticas de austeridade e financiarmos o crescimento ao criar empregos de qualidade. Isto só poderá acontecer com investimento público. Nós vamos exigir um plano Europeu. A crise é europeia, por isso a solução também será europeia.
P: Considera a sua candidatura como pró-europeia ou eurocética? Várias pessoas acusam a Syriza de ser populista. Pode comentar isto?
AT: A minha candidatura e o programa político da Syriza, representam a única resposta democrática ao populismo da direita eurocética. As políticas dos partidos do poder (partido socialista europeu e o partido popular europeu) estão a levar a Europa ao desespero, viraram os povos europeus contra a UE e estão a criar as condições para a ascensão dos partidos da extrema-direita. A causa do euroceticismo é o neoliberalismo.
P: Como é que vai convencer os países do Norte que a solução europeia seria algo no interesse da Europa do Norte?
AT: Se mantivermos a austeridade, o Norte da Europa terá que continuar a financiar as dívidas do Sul, que continuam a crescer, o que só irá beneficiar os bancos. Uma solução verdadeiramente viável para a crise das dívidas europeias, requer que os países possam crescer e sair da recessão em que se encontram.
Isto é uma situação que ficamos todos a ganhar na Europa e não só o sul. Apoiamos a ideia de uma reflexão coordenada de todas as economias europeias.
P: Nos últimos 5 anos, o GUE/NGL e a Esquerda Europeia têm sido invisíveis no seu trabalho parlamentar, tanto em Bruxelas como em Estrasburgo. Por exemplo, os Verdes tiveram êxito em atrair mais atenção para o seu trabalho sobre o ACTA, a vigilância global, o Tratado Transatlântico entre outros. Estão a planear dar mais visibilidade à Esquerda Europeia e se sim, como vão fazer isso?
AT: A visibilidade da Esquerda Europeia irá crescer quando duplicar a sua força eleitoral, tornando-se num ator incontornável no próximo Parlamento Europeu. Contudo, eu não concordo consigo quando diz que a esquerda foi invisível. Pelo contrário, foi a única força política que resistiu à integração neoliberal da Europa e as suas previsões sobre a crise estavam corretas.
Por outro lado, os Verdes consentiram as reformas estruturaisneoliberais. Sobre o Tratado Transatlântico – que é um assunto muito importante – nós pretendemos combatê-lo em conjunto com outras forças políticas. Se for ratificado e implementado, a Europa estará a dar um tiro no seu próprio pé.
P: É bom saber que existe um partido, a Syriza, que se preocupa com as pessoas mais pobres. Mas na minha perspetiva a “linha divisória” é feita entre pobres e ricos, em que os ricos utilizam o seu poder para controlar e atacar os mais pobres. Irá atacar os ricos?
AT: Nós não só nos preocupamos com os pobres, nós somos o partido dos pobres. Não só porque metade da Grécia foi empobrecida pelas medidas de austeridade, mas porque nós temos mais força política nos bairros mais pobres, que são a nossa base eleitoral. A nossa primeira prioridade será a implementação de medidas que ajudem os pobres a conseguirem levantar-se economicamente.
A Syriza é o único partido na Europa, que estando numa posição de poder ser eleito governo, tem no seu programa uma redistribuição massiva de rendimentos dos ricos para os pobres.
P: Acredita que um referendo seria o mecanismo mais apropriado para medir e avaliar o que o povo grego acha sobre a UE e a sua permanência?
AT: Um referendo é um meio para as pessoas expressarem as suas posições e a sua vontade crítica nas decisões políticas. Agora, ninguém coloca a questão da participação da Grécia na UE em cima da mesa. A Grécia não coloca essa questão, nem os seus parceiros que sabem que no dia em que a Grécia sair do euro a zona euro deixa de existir.
P: Se a Syriza quer ser o próximo governo, devem colaborar com outros partidos e outros políticos. Quais são as vossas “linhas vermelhas”?
AT: Nós estamos confiantes que na próxima legislatura, a Syriza terá a maioria necessária para formar um Governo e implementar o nosso programa político. Nesse caso, procuraremos a cooperação com outras forças políticas, porque os problemas que o país enfrenta são severos.
Estamos certos que outras forças políticas juntar-se-ão a nós no combate à austeridade, na luta para anular grande parte da dívida e torná-la sustentável, para implementar o nosso programa nacional de desenvolvimento, para resgatar o país e criar um caminho para as futuras gerações.
P: Dado que o Parlamento Europeu tem poderes muito limitados para definir e moldar as políticas fundamentais na UE, é racional para os cidadãos votarem nestas eleições? Qual é a sua posição sobre o papel do Parlamento Europeu no processo de decisão?
AT: Maio de 2014 irá oferecer-nos uma oportunidade geracional de redefinir a Europa para melhor. Esta oportunidade tem que ser agarrada. Estas eleições são únicas. São as primeiras eleições europeias desde o saque recessivo da austeridade e dos memorandos falhados numa Europa que é imposta pela senhora Merkel e pelos seus aliados. Senão participares nas eleições estás a permitir que aqueles que não querem que nada mude decidam por ti. Não podemos ter a mudança que queremos se os jovens se abstiverem de votar nas eleições europeias.
O Parlamento Europeu é mais fraco daquilo que deveria ser, mas legalmente está mais forte do que nos anos anteriores. É o único instrumento que os cidadãos europeus têm para induzir uma mudança. A mensagem política de uma vitória eleitoral da Esquerda Europeia é que não podem ser subestimados nem ignorados na Europa.
Mais uma vez, é verdadeiramente urgente que toda a gente vote. Senão a senhora Merkel irá continuar com o seu plano de austeridade permanente na Europa.
PS do Viomundo: Esta entrevista, de quando Tsipras foi candidato à Comissão Europeia, permite conhecer os pontos-de-vista do recém escolhido primeiro-ministro da Grécia.
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