O ajuste que leva a mais ajuste no rumo da depressão
J. Carlos de Assis (*)
Os governos mentem ou omitem por necessidade política. Quando o Banco Central eleva em meio ponto percentual a taxa básica de juros, dizendo que é para combater a inflação, é pura falsidade. A elevação dos juros é um mecanismo preventivo de crise cambial em face do altíssimo nível do déficit em conta corrente de 2014, da ordem de US$ 86 bilhões. Como esse déficit em sua maior parte só pode ser coberto com empréstimos externos, o aumento dos juros funciona como um atrator de capitais especulativos para fechar o rombo futuro.
Todos os analistas do ramo sabem disso, mas o grande público é mantido deliberadamente mal informado para que o choque de realidade não resulte em pressões políticas inaceitáveis pelos ditos ortodoxos neoliberais. Como se sabe, a macroeconomia brasileira está apoiada no tripé superávit primário, taxa de juros elevada e câmbio flutuante, ou livre. O déficit em conta corrente é produto, em grande parte, do câmbio valorizado. Para combatê-lo de forma eficaz seria necessário desvalorizar administrativamente o câmbio. Isso viola o tripé.
O déficit em conta corrente poderia inspirar também medidas heterodoxas do tipo limitação de viagens externas, controle de importações, limitação do uso de cartões de crédito no exterior etc. Isso, obviamente, é anátema para os neoliberais, principalmente por desagradar a classe média. Assim, o caminho “ortodoxo” é aumentar a taxa de juros até o nível em que os aplicadores estrangeiros acham que o Brasil e suas empresas e bancos são um bom risco. Ninguém fica incomodado, exceto os mutuários de empréstimos, mas estes não estão à altura dos interesses dos banqueiros.
O problema com a elevação dos juros é que são um tiro no pé. Com a entrada de capitais especulativos a taxa de câmbio “livre” tende a valoriza-se ainda mais, concorrendo para mais aumento do déficit em conta corrente. Pode ajudar a combater a inflação (os preços externos ficam mais baratos), mas não o crescimento, e é um círculo vicioso crescente para o qual os remédios anunciados por Joaquim Levy e Tombini não estão claros. Se os ajustes fiscais e a alta de juros fossem medidas temporárias para resolver um problema conjuntural, viabilizando uma saída consistente a longo prazo, tudo bem. Mas trata-se de uma espiral ampliada de ajustes, levando inexoravelmente a mais ajustes e finalmente à depressão.
Anotem: este ano, se a marcha da macroeconomia for a anunciada sem outra novidades no plano estrutural, acrescentaremos um alto peso a um ciclo econômico já recessivo e terminaremos o ano com uma contração do PIB de 2 a 3%. Não é o que desejo, mas talvez seja o necessário para que o Governo implemente uma efetiva estratégia de desenvolvimento a médio e longo prazo, menos dependente dos fluidos conjunturais da macroeconomia. A ideia de que ajuste fiscal trará o aumento do investimento privado é uma sandice. Ajuste só leva a mais ajuste.
*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.
Se a marcha da macroeconomia for a anunciada sem outra novidades no plano estrutural, terminaremos o ano com uma contração do PIB de 2 a 3%.
J. Carlos de Assis (*)
Os governos mentem ou omitem por necessidade política. Quando o Banco Central eleva em meio ponto percentual a taxa básica de juros, dizendo que é para combater a inflação, é pura falsidade. A elevação dos juros é um mecanismo preventivo de crise cambial em face do altíssimo nível do déficit em conta corrente de 2014, da ordem de US$ 86 bilhões. Como esse déficit em sua maior parte só pode ser coberto com empréstimos externos, o aumento dos juros funciona como um atrator de capitais especulativos para fechar o rombo futuro.
Todos os analistas do ramo sabem disso, mas o grande público é mantido deliberadamente mal informado para que o choque de realidade não resulte em pressões políticas inaceitáveis pelos ditos ortodoxos neoliberais. Como se sabe, a macroeconomia brasileira está apoiada no tripé superávit primário, taxa de juros elevada e câmbio flutuante, ou livre. O déficit em conta corrente é produto, em grande parte, do câmbio valorizado. Para combatê-lo de forma eficaz seria necessário desvalorizar administrativamente o câmbio. Isso viola o tripé.
O déficit em conta corrente poderia inspirar também medidas heterodoxas do tipo limitação de viagens externas, controle de importações, limitação do uso de cartões de crédito no exterior etc. Isso, obviamente, é anátema para os neoliberais, principalmente por desagradar a classe média. Assim, o caminho “ortodoxo” é aumentar a taxa de juros até o nível em que os aplicadores estrangeiros acham que o Brasil e suas empresas e bancos são um bom risco. Ninguém fica incomodado, exceto os mutuários de empréstimos, mas estes não estão à altura dos interesses dos banqueiros.
O problema com a elevação dos juros é que são um tiro no pé. Com a entrada de capitais especulativos a taxa de câmbio “livre” tende a valoriza-se ainda mais, concorrendo para mais aumento do déficit em conta corrente. Pode ajudar a combater a inflação (os preços externos ficam mais baratos), mas não o crescimento, e é um círculo vicioso crescente para o qual os remédios anunciados por Joaquim Levy e Tombini não estão claros. Se os ajustes fiscais e a alta de juros fossem medidas temporárias para resolver um problema conjuntural, viabilizando uma saída consistente a longo prazo, tudo bem. Mas trata-se de uma espiral ampliada de ajustes, levando inexoravelmente a mais ajustes e finalmente à depressão.
Anotem: este ano, se a marcha da macroeconomia for a anunciada sem outra novidades no plano estrutural, acrescentaremos um alto peso a um ciclo econômico já recessivo e terminaremos o ano com uma contração do PIB de 2 a 3%. Não é o que desejo, mas talvez seja o necessário para que o Governo implemente uma efetiva estratégia de desenvolvimento a médio e longo prazo, menos dependente dos fluidos conjunturais da macroeconomia. A ideia de que ajuste fiscal trará o aumento do investimento privado é uma sandice. Ajuste só leva a mais ajuste.
*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.
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