terça-feira, 27 de janeiro de 2015

ECONOMIA - É o sistema, estúpido!

Marcel Franco Araújo Farah


Adital

Impressiona como soluções simples como a construção de uma cisterna de placas pré-moldadas sobre a terra para captação de água do telhado, ou um programa que destina a produção de alimento direto para pessoas necessitadas, sejam duas grandes revoluções em termos de políticas sociais.
Falo dos programas de construção de cisternas para convivência com a seca do semiárido nordestino e do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA. Programas que contribuíram enormemente para a retirada do Brasil do mapa da Fome da ONU.
Por que não foi feito antes dos governos do PT? Por que nossa sociedade não tem outras ideias simples para resolver problemas tão graves? Quais são os entraves que enfrentamos?
É o sistema, estúpido!
Vivemos o capitalismo em nossas veias. Não adianta dizer que os tempos mudaram, que as teses marxistas estão desatualizadas, que a tecnologia criou contrapontos, que o mercado não é o vilão.
Nada pode contestar o fato de que em 2016 1% da população mundial terá mais dinheiro do que os demais 99% restantes1.Ou as informações do "Credit Suisse 2014 Wealth Report" de que hoje 70% da população mundial detém 3% da riqueza. Ou ainda que dos 99% que hoje detêm 51,8% da riqueza, 20% fica com 94,5% e aos demais 80% resta apenas 5,5% da riqueza.
A desigualdade, no capitalismo aumenta proporcionalmente à irracionalidade deste sistema. Tanto que não se enxergam saídas como um PAA, o programa um milhão de cisternas, a economia solidária, a educação popular etc. Que melhoram a vida das pessoas ao mesmo tempo que apresenta-lhes outra lógica de sociabilidade que não a de mercado.
Que tal, ao invés de toda a produção, de qualquer coisa, inclusive a comida, ser tida como mercadoria e reger-se pela orquestra mercadológica, não ser distribuída para quem precisa? Por que o excesso não é direcionado para quem precisa? Por que não identificamos quem precisa do que e distribuímos, a partir dessa matriz, o que é distribuído? Por isso é contra o mercado?
A criação de impostos para grandes fortunas é uma necessidade imediata e tão simples como uma cisterna de placa. Por que a proposta não é aprovada no Congresso Nacional?

A necessidade de reforma agrária, a denúncia da concentração de terras, e a predominância da agricultura familiar na produção de alimentos são incontestáveis, mesmo após as afirmações inacreditáveis da nova ministra da agricultura. Por que não são implementadas?
A taxação do capital financeiro/especulativo é uma fonte de renda enorme para promover o reequilíbrio fiscal, atual meta de nosso ministério da fazenda. Por que não é ideia bem vinda no Congresso, nem para os "especialistas”dos meios de comunicação?
A democratização das comunicações que permite um reequilíbrio do que é comunicado, refletindo o pluralismo de nossa sociedade, e limitando o poder das grandes empresas de comunicação sobre a formação do senso comum, é medida civilizatória e republicana, até mesmo liberal. Mesmo assim é tratada como aberração pelo congresso.
Estes poucos milionários detentores das riquezas mundiais tem uma tarefa que, acredito eu tome mais do seu tempo hoje do que a administração, propriamente dita das fortunas. Trata-se da missão de influenciar governos, dominar meios de comunicação, criar símbolos/sentimentos/valores, enfim disputar a hegemonia. Eles lutam para manter o privilégio da participação política exclusiva nos rumos do mundo. Financiam campanhas, criam consensos, reforçam tabus, e como resultado, ampliam seus lucros, fomentando o ciclo vicioso, que conecta seus domínios patrimoniais ao domínio cultural e simbólico. Isso é o sistema capitalista.
A força da ideologia capitalista, da sociedade consumista, nunca esteve tão arraigada no inconsciente coletivo. No mundo e no Brasil. Graças às conquistas populares, nos últimos anos, parte da população brasileira melhorou de vida e houve um contraponto à tendência mundial. Mesmo valendo o que Lula falou, que "os bancos nunca ganharam tanto”, aqui a desigualdade caiu. Contudo, o sentido desta melhora continua passando pelo fortalecimento e reprodução desta sociedade dos 1% para qual o mundo caminha, o que ameaça esta redução. As valorosas exceções são as cisternas, o PAA e outros programas cujo cerne é não reduzir o direito à uma mercadoria e a garantia de dignidade a um serviço prestado pelo Estado.
Minha esperança é que a ideia da Pátria Educadora do lema da presidenta Dilma intente refletir sobre estas contradições e fortaleça as soluções solidárias, e emancipatórias com nítida intenção de enfrentar a causa dos problemas, para não ficarmos só na boa intenção.


1Segundo relatório da ONG Oxfam citado em reportagem de Carta Capital disponível em http://www.cartacapital.com.br/economia/oxfam-em-2016-1-mais-ricos-terao-mais-dinheiro-que-resto-do-mundo-8807.html

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