“Dona Folha” exigiu e a PM barbarizou!
No início da noite desta segunda-feira (5), os 26 jovens presos arbitrariamente durante a marcha do “Fora Temer” em São Paulo foram soltos por ordem da Justiça. Eles permaneceram incomunicáveis por várias horas sob a acusação de “associação criminosa e corrupção de menores”. O juiz Rodrigo Tellini, do Foro Central Criminal da Barra Funda – que ordenou a soltura –, lamentou a truculência da tropa de choque da Polícia Militar sob o comando do governador tucano Geraldo Alckmin. “Vivemos dias tristes para a nossa democracia. Triste do país em que seus cidadãos precisam aguentar tudo de boca fechada. Triste é viver em um país que a gente não pode se manifestar", declarou em seu despacho.
As cenas de violência na marcha de domingo, que reuniu mais de 100 mil pessoas e transcorreu de forma totalmente pacífica, repercutiram no mundo todo. A agência alemã Deutsche Welle postou no título: "Protesto contra Temer em SP termina com violência policial". O correspondente registrou que o protesto já havia terminado quando a PM lançou bombas de efeito moral, jatos d'água e balas de borracha contra os presentes – inclusive contra “crianças e idosos”. A reportagem do DW destacou ainda o caso de cinco pessoas que tiveram intoxicação por gás, incluindo uma pessoa com câncer de pulmão, além de feridos por estilhaços de bomba e tiros de borracha.
A BBC de Londres também transmitiu as cenas da barbárie policial. Um profissional da emissora no Brasil inclusive recebeu golpes de cassetete no braço, peito e perna direita quando filmava os soldados lançando bombas contra os manifestantes. Ao questionar a atitude repressiva, ele foi chamado de “lixo” por um oficial da polícia. Já a emissora canadense CTV News e o jornal estadunidense Miami Herald repercutiram matérias da agência Associated Press, realçando o confronto dos policiais contra manifestantes “na maior nação da América do Sul". O jornal mexicano La Jornada criticou a ação da polícia na reportagem intitulada “Dezenas de milhares exigem em São Paulo e Rio de Janeiro a renúncia de Temer”.
Os fanáticos da mídia golpista
Já a mídia brasileira, protagonista do “golpe dos corruptos”, preferiu criminalizar os manifestantes, acusando-os de “arruaceiros e vândalos”. Ela deu mais destaque à versão de Geraldo Alckmin do que aos relatos das vítimas. Em entrevista coletiva, o cínico tucano até tentou posar de santo: “O fato é que teve depredação e querem passar a história de que a polícia é a culpada”. E comparou a marcha do “Fora Temer” com os atos pelo impeachment de Dilma – “sem nenhum incidente”. O governador só não citou que Aécio Neves e seu secretário de segurança, atual ministro da Justiça, foram expulsos da Avenida Paulista pelos fascistas e mesmo assim não sofreram um arranhão. A PM garantiu total proteção às marchas golpistas. Queridinhos de Geraldo Alckmin, os “vândalos” até foram agraciados com milhares de selfies com os soldados da tropa de choque.
Na verdade, a mídia nativa não foi apenas complacente com a brutal repressão de domingo. Em textos raivosos, ela exigiu que a PM barbarizasse durante a marcha – de preferência no momento mais propício às câmeras de tevê. A Folha, maior jornal do país, publicou um editorial na sexta-feira (2) que servirá para futuros estudos sobre a partidarização e a manipulação da mídia brasileira. Ele joga na confusão entre os manifestantes e os chamados “black blocs” para pregar a violência do Estado – assim como fez para justificar o seu apoio ao golpe e a ditadura militar. Com o título maroto de “Fascistas à solta”, o editorial confirma mais uma vez a visão reacionária da decadente famiglia Frias:
“Grupelhos extremistas costumam atrair psicóticos, simplórios e agentes duplos, mas quem manipula os cordéis? Quem financia e treina essas patrulhas fascistoides? Está mais do que na hora de as autoridades agirem de modo sistemático a fim de desbaratá-las e submeter os responsáveis ao rigor da lei. Democracias incapazes de reprimir os fanáticos da violência são candidatas a repetir a malfadada República de Weimar, na Alemanha dos anos 1930, tragada pela violência de rua até dar lugar à pior ditadura que jamais houve”.
A melhor resposta ao editorial foi dada pelo ator Gregorio Duvivier, colunista da própria Folha, que não se intimidou diante da infâmia e do cinismo do conhecido jornal golpista. Vale conferir:
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Dona Folha, tá difícil te defender
Folha de S.Paulo, 5 de setembro de 2016
Dona Folha, tá difícil te defender.
Em seu editorial na sexta (2), a senhora diz que se o governo não souber "reprimir os fanáticos da violência", o Brasil corre o risco de se transformar numa ditadura assim como aconteceu na "Alemanha dos anos 30". À polícia do Estado de S. Paulo, que já não é famosa pela gentileza, a senhora recomenda que "reprima" mais duramente os "grupelhos extremistas" – porque senão os baderneiros vão tomar o poder e transformar o Brasil na Alemanha nazista.
Concordo que existem muitas razões pra ter medo. Mas não pelas mesmas razões. O vampiro que nos governa acaba de recriar o Gabinete de Segurança Institucional. O ministro da Justiça pede menos pesquisa e mais armamento. Uma jovem perde um olho atacada pela polícia. Uma presidenta democraticamente eleita é derrubada porque teria cometido um crime, mas não perde os direitos políticos porque afinal ela não cometeu crime nenhum. O Senado que a derrubou por causa de créditos suplementares muda a lei em relação aos créditos no dia seguinte à sua queda.
Concordo quando a senhora diz que uma ditadura se avizinha, mas discordo que são os "black bloc" que vão tomar o poder. Dona Folha, a senhora já conheceu um "black bloc"? "Black blocs" em geral têm 12 anos, espinhas e mochila cheia de roupa preta e remédios pra acne.
Não sei se por ignorância ou cinismo, a senhora ignorou o fato de a Alemanha nazista não ter sido criada pelos "fanáticos da violência". Como bem lembrou Bruno Torturra, a Alemanha nazista se consolida quando Hitler culpa os tais baderneiros pelo incêndio do Reichstag e cria um Estado de exceção com o objetivo de "reprimir baderneiros" – igualzinho a senhora tá pedindo.
Quando o Reichstag pegou fogo, os jornais pediram medidas de emergência contra os "baderneiros" em editoriais muito parecidos com o seu. Hitler não teria ganhado terreno sem uma profusão de jornais pedindo "mais repressão aos grupelhos" – jornais estes que, vale lembrar, depois foram proibidos de circular.
O golpe de 64 não foi obra do "extremismo", mas daqueles que alegavam querer combatê-lo. Quem instaura a ditadura não são os baderneiros, são os apavorados. Só há golpe quando há medo. Quando a senhora contribui com o medo, a senhora contribui com o golpe.
Um jornal é do tamanho dos inimigos dele. Quando a senhora pede maior repressão a adolescentes desarmados, se alinha com o mais forte e faz vista grossa pra truculência. Jornalismo, pra mim, era o contrário.
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