Fonte: Jornal GGN
O quinto poder, por Ignacio Ramonet
Há muitas e muitas e muitas décadas que a imprensa e os meios de comunicação representam, no contexto democrático, um recurso dos cidadãos contra os abusos dos poderes. Na realidade, os três poderes tradicionais – Legislativo, Executivo e Judiciário – podem falhar, se equivocar e cometer erros. Com maior freqüência, é claro, nos Estados autoritários e ditatoriais, nos quais o poder político se torna o principal responsável por todas as violações de direitos humanos e por todas as censuras contra as liberdades.
Mas também são cometidos graves abusos nos países democráticos, embora as leis sejam democraticamente votadas, os governos eleitos por sufrágio universal e a justiça seja – em teoria – independente do poder executivo. Ocorre o fato de esta condenar, por exemplo, um inocente (como esquecer o caso Dreyfus, na França?); de o Parlamento votar leis discriminatórias para com determinadas categorias da população (foi o caso, nos Estados Unidos, durante mais de um século, em relação aos afro-americanos, e volta a ser, hoje, em relação a pessoas originárias de países muçulmanos com a edição do Patriot Act); de os governos adotarem políticas cujas conseqüências se revelarão funestas para todo um setor da sociedade (é o caso, atualmente, dos imigrantes “sem-documentos” em inúmeros países europeus).
Em tal contexto democrático, os jornalistas e os meios de comunicação consideraram, com freqüência, ser um dever importante denunciar estas violações de direitos. Às vezes, pagaram caro por isso: atentados, “desaparecimentos”, assassinatos, como ainda se pode constatar na Colômbia, na Guatemala, na Turquia, no Paquistão, nas Filipinas e em outros países. Foi por este motivo que, durante muito tempo, se falou no “quarto poder”. Definitivamente, e graças ao senso cívico dos meios de comunicação e à coragem de jornalistas audaciosos, as pessoas dispunham deste “quarto poder” para criticar, rejeitar e resistir, democraticamente, às decisões ilegais que poderiam ser iníquas, injustas e até criminosas para com pessoas inocentes. Dizia-se, muitas vezes, que era a voz dos sem-voz.
Poder esvaziado
Nos últimos quinze anos, à medida que se acelerava a globalização liberal, este “quarto poder” se viu esvaziado de sentido, perdendo, pouco a pouco, sua função fundamental de contrapoder. Ao se estudar de perto como funciona a globalização, ao observar como se desenvolveu um novo tipo de capitalismo – agora, não só industrial, mas, principalmente, financeiro, ou, resumindo, um capitalismo de especulação –, esta evidência chocante se impõe. Na atual fase da globalização, assiste-se a um confronto brutal entre o mercado e o Estado, entre o setor privado e os serviços públicos, entre o indivíduo e a sociedade, entre o íntimo e o coletivo, entre o egoísmo e a solidariedade.
O verdadeiro poder está atualmente nas mãos de um punhado de grupos econômicos planetários e de empresas globais cujo peso nos negócios do mundo inteiro parece, às vezes, mais importante do que o dos governos e dos Estados. São eles, os “novos senhores do mundo”, que se reúnem anualmente em Davos, no âmbito do Fórum Econômico Mundial, e que inspiram as políticas adotadas pela grande Trindade da globalização: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio.
É neste contexto geoeconômico que se produziu – no próprio coração da estrutura industrial – uma metamorfose decisiva do lado da comunicação de massa.
Os meios de comunicação de massa (rádios, imprensa, emissoras de televisão, Internet) se fundem, cada vez mais, em arquiteturas que se reproduzem, para constituir grupos de comunicação de vocação mundial. Empresas gigantes, como a News Corps, a Viacom, a AOL Time Warner, a General Electric, a Microsoft, a Bertelsmann, a United Global Com, a Disney, a Telefonica, a RTL Group, a France Telecom etc., dispõem, atualmente, de novas possibilidades de expansão devido às mudanças tecnológicas. A “revolução digital” rompeu as fronteiras que antes separavam as três formas tradicionais de comunicação: o som, a escrita e a imagem. Permitiu o surgimento e o avanço da Internet, que representa um quarto modo de se comunicar, uma nova maneira de se expressar, de se informar, de se distrair.
Empresas superpoderosas
A partir daí, as empresas de comunicação são tentadas a se constituir em “grupos” para reunirem todas as formas clássicas de comunicação (imprensa, rádio e televisão), mas também todas as atividades que poderiam ser chamadas de setores da cultura de massa, da comunicação e da informação. Três esferas que antes eram autônomas: de um lado, a cultura de massa, com sua lógica comercial, suas criações populares, seus objetivos basicamente mercantis; de outro, a comunicação, no sentido publicitário, o marketing, a propaganda, a retórica da persuasão; e, finalmente, a informação, com suas agências de notícias, boletins de radiodifusão ou de televisão, a imprensa, as redes de informação contínua – em resumo, o universo de todos os jornalismos.
Essas três esferas, que antes eram tão distintas, foram se misturando pouco a pouco, até constituírem uma única esfera, ciclópica, na qual é cada vez mais difícil distinguir as atividades pertencentes à cultura de massa, à comunicação ou à informação1.
Além do mais, essas gigantescas empresas de mídia, esses produtores de símbolos em cadeia, multiplicam a difusão de mensagens de todo tipo, nas quais se misturam televisão, desenhos animados, cinema, videogames, CDs musicais, DVD, edição, aldeias temáticas do gênero Disneyland, esporte, espetáculos etc.
Em outras palavras, os grupos de mídia possuem atualmente duas características novas: em primeiro lugar, encarregam-se de tudo o que envolve texto, imagem e som e o divulgam por meio dos canais mais variados (jornais, rádios, televisões abertas, a cabo ou por satélite, Internet e por todo tipo de rede digital). A segunda característica: esses grupos são mundiais, planetários e globais – e não apenas nacionais e locais.
A mídia globalizada
Em 1940, num filme célebre, Orson Welles criticava o “superpoder” do Cidadão Kane (na realidade, William Randolph Hearst, o magnata da imprensa do início do século XX). Entretanto, comparado ao poder que os grandes grupos mundiais detêm atualmente, o poder de Kane era insignificante. Dono de alguns jornais num único país, Kane dispunha de um poder nanico (o que não impede que fosse eficiente em escala local e nacional2) diante dos arquipoderes dos megagrupos de mídia de nossos tempos.
Por meio de mecanismos de concentração, estas megaempresas contemporâneas apoderam-se dos mais diversos setores da mídia em inúmeros países, através de todos os continentes, tornando-se, assim, devido a seu peso econômico e sua importância ideológica, os atores centrais da globalização liberal. Como a comunicação (abrangendo a informática, a eletrônica e a telefonia) se tornou a indústria pesada de nosso tempo, esses grandes grupos procuram ampliar suas dimensões por meio de aquisições constantes, exercendo pressões sobre os governos no sentido de revogar as leis que limitam a concentração ou impedem a constituição de monopólios ou duopólios3.
Portanto, a globalização econômica é também a globalização da mídia de massa, da comunicação e da informação. Preocupados, acima de tudo, em ver triunfar seu gigantismo – o que obriga a adular os outros poderes –, estes grandes grupos deixaram de ter como objetivo cívico o de ser um “quarto poder”, assim como deixaram de denunciar os abusos contra os direitos ou de corrigir as disfunções da democracia para polir e aperfeiçoar o sistema político. Não pretendem se apresentar como um “quarto poder” e, menos ainda, como um contrapoder.
Caminho da resistência
Quando, eventualmente, podem constituir um “quarto poder”, este se junta aos outros poderes existentes (político e econômico) para esmagar o cidadão como poder suplementar, como poder da mídia.
Portanto, a questão que se coloca, em termos de cidadania, é a seguinte: como reagir? Como se defender? Como resistir à ofensiva deste novo poder que, de certa forma, traiu os cidadãos passando-se, com armas e bagagens, para o inimigo?
Basta, simplesmente, criar um “quinto poder”. Um “quinto poder” que nos permita opor uma força cidadã à nova coalizão dos senhores dominantes. Um “quinto poder” cuja função seria a de denunciar o superpoder dos grandes meios de comunicação, dos grandes grupos da mídia, cúmplices e difusores da globalização liberal. Meios de comunicação que, em determinadas circunstâncias, não só deixaram de defender os cidadãos, mas, às vezes, agem explicitamente contra o povo. Como se pode constatar na Venezuela.
Exemplo venezuelano
Nesse país latino-americano – em que a oposição foi varrida do cenário político em 1998, quando se realizaram eleições livres, plurais e democráticas – os principais grupos de imprensa, rádio e televisão desencadearam, pela mídia, uma autêntica guerra contra a legitimidade do presidente Hugo Chávez4.
. Embora ele e seu governo continuem respeitando o contexto democrático, a mídia, nas mãos de um punhado de privilegiados, continua a utilizar a artilharia da manipulação, da mentira, da lavagem cerebral para tentar intoxicar o espírito das pessoas5. Nessa guerra ideológica, eles abandonaram completamente qualquer veleidade da função de um “quarto poder” e procuram, desesperadamente, defender os privilégios de uma casta, opondo-se a qualquer reforma social e a qualquer distribuição mais justa da imensa riqueza nacional (leia, nesta edição, o artigo de Maurice Lemoine sobre a Venezuela).
O caso venezuelano é exemplar da nova situação internacional, na qual grupos da mídia, ensandecidos, assumem abertamente sua nova função de cães de guarda da ordem econômica estabelecida e seu novo estatuto de poder antipopular e anticidadão. Estes grandes grupos não se assumem exclusivamente como poder da mídia; constituem, antes de tudo, o braço ideológico da globalização, e sua função é a de conter as reivindicações populares ao mesmo tempo em que tentam abocanhar o poder político (como conseguiu fazer, de forma democrática, Silvio Berlusconi, dono do principal grupo de comunicação da Itália).
A “guerra suja da comunicação”, travada na Venezuela contra o presidente Hugo Chávez, é a réplica exata do que fez no Chile, de 1970 a 1973, o jornal El Mercurio6, contra o governo democrático do presidente Salvador Allende, até incentivar os militares ao golpe de Estado. Tais campanhas, em que a mídia procura abater a democracia, poderiam voltar a surgir amanhã no Equador, no Brasil ou na Argentina contra qualquer reforma legal que tente modificar a hierarquia social e a desigualdade da riqueza. Aos poderes das oligarquias tradicionais e da reação clássica, juntam-se agora os poderes da mídia. Juntos – e em nome da liberdade de expressão! – atacam os programas que defendem os interesses da maioria da população. É esta a fachada da mídia da globalização. Revela da maneira mais clara, mais evidente, mais caricatural, a ideologia da globalização liberal.
Mídia de massa e globalização liberal estão intimamente ligadas. Por isso, parece urgente refletir sobre a maneira pela qual os cidadãos podem exigir dos grandes meios de comunicação mais ética, mais verdade, mais respeito por uma deontologia que permita aos jornalistas agirem segundo suas consciências, e não em função de interesses dos grupos, das empresas e dos patrões que os empregam.
Informação contaminada
Na nova guerra ideológica que impõe a globalização, a mídia é utilizada como arma de combate. A informação – devido à sua explosão, à sua multiplicação, à sua superabundância – encontra-se literalmente contaminada, envenenada por todo tipo de mentiras, poluída pelos boatos, pela deformação, pela distorção, pela manipulação.
Acontece, nessa área, o que ocorreu com a alimentação. Durante um tempo demasiado longo, os alimentos foram raros, o que ainda acontece em inúmeros lugares do mundo. Mas quando o campo começou a produzir em superabundância – em especial nos países da Europa Ocidental e da América do Norte, graças às revoluções agrícolas – percebeu-se que muitos alimentos estavam contaminados, envenenados por pesticidas, provocando doenças e infecções, produzindo câncer e todo tipo de problemas de saúde, chegando ao ponto de semear ondas de pânico de massa, como ocorreu com a peste da “vaca louca”. Resumindo: antes, podia-se morrer de fome; agora pode-se morrer por ter comido alimentos contaminados...
Com a informação, ocorre o mesmo. Historicamente, ela foi muito escassa. Ainda hoje, nos países ditatoriais, não há informação confiável, completa, de qualidade. Em compensação, nos países democráticos ela transborda por todos os lados. Ela nos asfixia. Empédocles dizia que o mundo era constituído pela combinação de quatro elementos: o ar, a água, a terra e o fogo. A informação tornou-se de tal forma abundante que, de certa maneira, passou a constituir o quinto elemento de nosso mundo globalizado.
Porém, e ao mesmo tempo, todos constatamos que a informação, como os alimentos, está contaminada. Envenena-nos o espírito, polui nossos cérebros, nos manipula, nos intoxica, tenta instilar em nosso inconsciente idéias que não são nossas. É por isso que é necessário elaborar o que se poderia chamar uma “ecologia da informação”. Para limpar, purificar a informação, da “maré negra” de mentiras. Da qual foi possível, uma vez mais, avaliar seu gigantismo por ocasião da recente invasão do Iraque7. É preciso descontaminar a informação. Assim como foi possível conseguir alimentos “orgânicos” – menos contaminados, por definição, do que os outros – deveria ser conseguida uma espécie de informação “orgânica”. Os cidadãos devem se mobilizar para exigir que os meios de comunicação pertencentes aos grandes grupos globais respeitem a verdade, pois somente a busca da verdade constitui, de maneira definitiva, a legitimidade da informação.
Nova forma de combate
Foi por isto que propusemos a criação do Observatório Internacional da Mídia (a sigla em inglês é Media Watch Global). Para que, finalmente, fosse possível dispor de uma arma cívica da qual os cidadãos se pudessem servir para enfrentar o novo superpoder dos grandes meios de comunicação de massa. Este observatório é a expressão do movimento social planetário que se reuniu em Porto Alegre, no Brasil. Justamente em meio à ofensiva da globalização liberal, ele expressa a preocupação de todo mundo diante da nova arrogância das indústrias gigantes da comunicação.
Os grandes meios de comunicação privilegiam seus interesses particulares em detrimento do interesse geral e confundem sua própria liberdade com a liberdade de empresa, considerada a principal de todas as liberdades. Mas a liberdade de empresa não pode, de forma alguma, prevalecer sobre o direito dos cidadãos a uma informação rigorosa e verificada, nem servir de pretexto para a difusão consciente de notícias falsas ou de difamações.
A liberdade da mídia não passa de uma extensão da liberdade coletiva de expressão, um dos fundamentos da democracia. Enquanto tal, não pode ser confiscada por um grupo de poderosos. Além do mais, ela implica uma “responsabilidade social” e, conseqüentemente, seu exercício deve permanecer, em última instância, sob o controle responsável da sociedade. Foi esta convicção que nos levou a propor a criação do Observatório Internacional da Mídia. Pois a mídia é, atualmente, o único poder sem um contrapoder, criando-se, dessa forma, um desequilíbrio prejudicial para a democracia.
A força desta entidade é, principalmente, de ordem moral: ela adverte baseada na ética e pune os erros de honestidade da mídia por meio de relatórios e pesquisas que elabora, publica e divulga.
Regulamentação falha
O Observatório Internacional da Mídia constitui um contrapeso indispensável ao excesso de poder dos grandes grupos de comunicação que impõem, em matéria de informação, uma única lógica – a do mercado – e uma única ideologia – a do pensamento neoliberal. Esta entidade internacional pretende exercer uma responsabilidade coletiva, em nome do interesse superior da sociedade e do direito dos cidadãos a serem bem informados. Por este motivo, ela considera de importância fundamental a pauta da próxima reunião de cúpula mundial sobre a informação que se realizará no próximo mês de dezembro, em Genebra8. Também se propõe a proteger a sociedade das manipulações da mídia que, como as epidemias, se multiplicaram nos últimos anos.
O Observatório conta com três tipos de membros, com direitos idênticos: 1) jornalistas profissionais ou circunstanciais, na ativa ou aposentados, que trabalhem em qualquer tipo de meio de comunicação, formal ou alternativo; 2) professores universitários e pesquisadores, de qualquer disciplina e, mais particularmente, especialistas na área da comunicação, pois a Universidade, no atual contexto, tornou-se um dos raros lugares ainda parcialmente protegidos das ambições totalitárias do mercado; 3) usuários dos meios de comunicação, cidadãos comuns e personalidades notórias por sua estatura moral...
Os atuais sistemas de regulamentação dos meios de comunicação são insatisfatórios por toda parte. Posto que a informação é um bem comum, sua qualidade só poderia ser garantida por organizações exclusivamente compostas por jornalistas, que muitas vezes estão vinculados a interesses corporativistas. Os códigos deontológicos de cada empresa de comunicação – quando existem – se mostram pouco capazes de punir ou corrigir os desvios, as omissões e a censura. É indispensável que a deontologia e a ética da informação sejam definidas e defendidas por uma instância imparcial, com credibilidade, independente e objetiva, na qual os professores universitários tenham um papel decisivo.
A função dos ombudsmen, ou mediadores, que foi útil nas décadas de 80 e de 90, encontra-se atualmente mercantilizada, desvalorizada e desvirtuada. É muitas vezes manipulada pelas empresas, responde às exigências de imagem e constitui um álibi barato para reforçar artificialmente a credibilidade dos meios de comunicação.
Liberdade para quem?
Um dos direitos mais preciosos do ser humano é o de comunicar livremente suas idéias e suas opiniões. Nenhuma lei deve restringir, arbitrariamente, a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa. Mas esta só pode ser exercida por empresas de comunicação mediante a condição de que não sejam transgredidos outros direitos dos cidadãos tão consagrados quanto este, de poder ter acesso a uma informação não contaminada. As empresas de comunicação não devem – sob o artifício de estarem protegidas pela liberdade de expressão – poder divulgar informações falsas, nem conduzir campanhas de propaganda ideológica ou outros tipos de manipulação.
O Observatório Internacional da Mídia considera que a liberdade absoluta dos meios de comunicação, reivindicada em coro pelos patrões dos grandes grupos da mídia mundial, somente poderia ser exercida às custas da liberdade de todos os cidadãos. Estes grandes grupos irão reconhecer que, de agora em diante, acaba de nascer um contrapoder e que este tem vocação para unir todos aqueles que se identificam no movimento social planetário e que lutam contra o confisco do direito de expressão. Jornalistas, professores, ativistas sociais, leitores de jornais, ouvintes de rádio, telespectadores ou usuários da Internet, todos se unirão para forjar uma arma coletiva de debate e de ação democrática. Os senhores da globalização declararam que o século XXI seria o das empresas globais; o Observatório Internacional da Mídia afirma que este será o século em que a comunicação e a informação finalmente pertencerão a todos os cidadãos.
(Trad.: Jô Amado)
1 - Ler, de Ignacio Ramonet, La Tyrannie de la Communication et Propagandes silencieuses, ed. Galilée, Paris, 1999 e 2002 (também disponível em brochura).
2 - Veja-se na Itália, por exemplo, a superpotência, na área de comunicações, do grupo Fininvest, de Silvio Berlusconi, ou na França, a dos grupos Lagardère e Dassault.
3 - Sob a pressão dos grandes grupos da mídia norte-americana, a Federal Communications Comission (FCC) dos Estados Unidos autorizou, no dia 4 de junho de 2003, a suspensão dos limites à concentração: as empresas passariam a poder controlar até 45% da audiência nacional (cujo limite, até agora, era de 35%). A decisão deveria ter entrado em vigor no último dia 4 de setembro, mas foi suspensa pela Corte Suprema porque houve quem visse na medida “uma grave ameaça à democracia”.
4 - Ler, de Ignacio Ramonet, “Un crime parfait”, Le Monde diplomatique, junho de 2002.
5 - Ler, de Maurice Lemoine, “Dans les laboratoires du mensonge au Venezuela”, Le Monde diplomatique, agosto de 2002.
6 - E muitos outros meios de comunicação, como La Tercera, Ultimas Noticias, La Segunda, Canal 13 etc. Ler, de Patricio Tupper, Allende, la cible des médias chiliens et de la CIA (1970-1973), Editions de l’Amandier, Paris, 2003.
7 - Ler, de Ignacio Ramonet, “Mensonges d’Etat”, Le Monde diplomatique, julho de 2003.
8 - Ler, de Armand Mattelart, “La communication, enjeu du Nouvel ordre international”, Le Monde diplomatique, agosto de 2003.
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Ignacio Ramonet é Diretor-presidente do Monde diplomatique.
Há muitas e muitas e muitas décadas que a imprensa e os meios de comunicação representam, no contexto democrático, um recurso dos cidadãos contra os abusos dos poderes. Na realidade, os três poderes tradicionais – Legislativo, Executivo e Judiciário – podem falhar, se equivocar e cometer erros. Com maior freqüência, é claro, nos Estados autoritários e ditatoriais, nos quais o poder político se torna o principal responsável por todas as violações de direitos humanos e por todas as censuras contra as liberdades.
Mas também são cometidos graves abusos nos países democráticos, embora as leis sejam democraticamente votadas, os governos eleitos por sufrágio universal e a justiça seja – em teoria – independente do poder executivo. Ocorre o fato de esta condenar, por exemplo, um inocente (como esquecer o caso Dreyfus, na França?); de o Parlamento votar leis discriminatórias para com determinadas categorias da população (foi o caso, nos Estados Unidos, durante mais de um século, em relação aos afro-americanos, e volta a ser, hoje, em relação a pessoas originárias de países muçulmanos com a edição do Patriot Act); de os governos adotarem políticas cujas conseqüências se revelarão funestas para todo um setor da sociedade (é o caso, atualmente, dos imigrantes “sem-documentos” em inúmeros países europeus).
Em tal contexto democrático, os jornalistas e os meios de comunicação consideraram, com freqüência, ser um dever importante denunciar estas violações de direitos. Às vezes, pagaram caro por isso: atentados, “desaparecimentos”, assassinatos, como ainda se pode constatar na Colômbia, na Guatemala, na Turquia, no Paquistão, nas Filipinas e em outros países. Foi por este motivo que, durante muito tempo, se falou no “quarto poder”. Definitivamente, e graças ao senso cívico dos meios de comunicação e à coragem de jornalistas audaciosos, as pessoas dispunham deste “quarto poder” para criticar, rejeitar e resistir, democraticamente, às decisões ilegais que poderiam ser iníquas, injustas e até criminosas para com pessoas inocentes. Dizia-se, muitas vezes, que era a voz dos sem-voz.
Poder esvaziado
Nos últimos quinze anos, à medida que se acelerava a globalização liberal, este “quarto poder” se viu esvaziado de sentido, perdendo, pouco a pouco, sua função fundamental de contrapoder. Ao se estudar de perto como funciona a globalização, ao observar como se desenvolveu um novo tipo de capitalismo – agora, não só industrial, mas, principalmente, financeiro, ou, resumindo, um capitalismo de especulação –, esta evidência chocante se impõe. Na atual fase da globalização, assiste-se a um confronto brutal entre o mercado e o Estado, entre o setor privado e os serviços públicos, entre o indivíduo e a sociedade, entre o íntimo e o coletivo, entre o egoísmo e a solidariedade.
O verdadeiro poder está atualmente nas mãos de um punhado de grupos econômicos planetários e de empresas globais cujo peso nos negócios do mundo inteiro parece, às vezes, mais importante do que o dos governos e dos Estados. São eles, os “novos senhores do mundo”, que se reúnem anualmente em Davos, no âmbito do Fórum Econômico Mundial, e que inspiram as políticas adotadas pela grande Trindade da globalização: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio.
É neste contexto geoeconômico que se produziu – no próprio coração da estrutura industrial – uma metamorfose decisiva do lado da comunicação de massa.
Os meios de comunicação de massa (rádios, imprensa, emissoras de televisão, Internet) se fundem, cada vez mais, em arquiteturas que se reproduzem, para constituir grupos de comunicação de vocação mundial. Empresas gigantes, como a News Corps, a Viacom, a AOL Time Warner, a General Electric, a Microsoft, a Bertelsmann, a United Global Com, a Disney, a Telefonica, a RTL Group, a France Telecom etc., dispõem, atualmente, de novas possibilidades de expansão devido às mudanças tecnológicas. A “revolução digital” rompeu as fronteiras que antes separavam as três formas tradicionais de comunicação: o som, a escrita e a imagem. Permitiu o surgimento e o avanço da Internet, que representa um quarto modo de se comunicar, uma nova maneira de se expressar, de se informar, de se distrair.
Empresas superpoderosas
A partir daí, as empresas de comunicação são tentadas a se constituir em “grupos” para reunirem todas as formas clássicas de comunicação (imprensa, rádio e televisão), mas também todas as atividades que poderiam ser chamadas de setores da cultura de massa, da comunicação e da informação. Três esferas que antes eram autônomas: de um lado, a cultura de massa, com sua lógica comercial, suas criações populares, seus objetivos basicamente mercantis; de outro, a comunicação, no sentido publicitário, o marketing, a propaganda, a retórica da persuasão; e, finalmente, a informação, com suas agências de notícias, boletins de radiodifusão ou de televisão, a imprensa, as redes de informação contínua – em resumo, o universo de todos os jornalismos.
Essas três esferas, que antes eram tão distintas, foram se misturando pouco a pouco, até constituírem uma única esfera, ciclópica, na qual é cada vez mais difícil distinguir as atividades pertencentes à cultura de massa, à comunicação ou à informação1.
Além do mais, essas gigantescas empresas de mídia, esses produtores de símbolos em cadeia, multiplicam a difusão de mensagens de todo tipo, nas quais se misturam televisão, desenhos animados, cinema, videogames, CDs musicais, DVD, edição, aldeias temáticas do gênero Disneyland, esporte, espetáculos etc.
Em outras palavras, os grupos de mídia possuem atualmente duas características novas: em primeiro lugar, encarregam-se de tudo o que envolve texto, imagem e som e o divulgam por meio dos canais mais variados (jornais, rádios, televisões abertas, a cabo ou por satélite, Internet e por todo tipo de rede digital). A segunda característica: esses grupos são mundiais, planetários e globais – e não apenas nacionais e locais.
A mídia globalizada
Em 1940, num filme célebre, Orson Welles criticava o “superpoder” do Cidadão Kane (na realidade, William Randolph Hearst, o magnata da imprensa do início do século XX). Entretanto, comparado ao poder que os grandes grupos mundiais detêm atualmente, o poder de Kane era insignificante. Dono de alguns jornais num único país, Kane dispunha de um poder nanico (o que não impede que fosse eficiente em escala local e nacional2) diante dos arquipoderes dos megagrupos de mídia de nossos tempos.
Por meio de mecanismos de concentração, estas megaempresas contemporâneas apoderam-se dos mais diversos setores da mídia em inúmeros países, através de todos os continentes, tornando-se, assim, devido a seu peso econômico e sua importância ideológica, os atores centrais da globalização liberal. Como a comunicação (abrangendo a informática, a eletrônica e a telefonia) se tornou a indústria pesada de nosso tempo, esses grandes grupos procuram ampliar suas dimensões por meio de aquisições constantes, exercendo pressões sobre os governos no sentido de revogar as leis que limitam a concentração ou impedem a constituição de monopólios ou duopólios3.
Portanto, a globalização econômica é também a globalização da mídia de massa, da comunicação e da informação. Preocupados, acima de tudo, em ver triunfar seu gigantismo – o que obriga a adular os outros poderes –, estes grandes grupos deixaram de ter como objetivo cívico o de ser um “quarto poder”, assim como deixaram de denunciar os abusos contra os direitos ou de corrigir as disfunções da democracia para polir e aperfeiçoar o sistema político. Não pretendem se apresentar como um “quarto poder” e, menos ainda, como um contrapoder.
Caminho da resistência
Quando, eventualmente, podem constituir um “quarto poder”, este se junta aos outros poderes existentes (político e econômico) para esmagar o cidadão como poder suplementar, como poder da mídia.
Portanto, a questão que se coloca, em termos de cidadania, é a seguinte: como reagir? Como se defender? Como resistir à ofensiva deste novo poder que, de certa forma, traiu os cidadãos passando-se, com armas e bagagens, para o inimigo?
Basta, simplesmente, criar um “quinto poder”. Um “quinto poder” que nos permita opor uma força cidadã à nova coalizão dos senhores dominantes. Um “quinto poder” cuja função seria a de denunciar o superpoder dos grandes meios de comunicação, dos grandes grupos da mídia, cúmplices e difusores da globalização liberal. Meios de comunicação que, em determinadas circunstâncias, não só deixaram de defender os cidadãos, mas, às vezes, agem explicitamente contra o povo. Como se pode constatar na Venezuela.
Exemplo venezuelano
Nesse país latino-americano – em que a oposição foi varrida do cenário político em 1998, quando se realizaram eleições livres, plurais e democráticas – os principais grupos de imprensa, rádio e televisão desencadearam, pela mídia, uma autêntica guerra contra a legitimidade do presidente Hugo Chávez4.
. Embora ele e seu governo continuem respeitando o contexto democrático, a mídia, nas mãos de um punhado de privilegiados, continua a utilizar a artilharia da manipulação, da mentira, da lavagem cerebral para tentar intoxicar o espírito das pessoas5. Nessa guerra ideológica, eles abandonaram completamente qualquer veleidade da função de um “quarto poder” e procuram, desesperadamente, defender os privilégios de uma casta, opondo-se a qualquer reforma social e a qualquer distribuição mais justa da imensa riqueza nacional (leia, nesta edição, o artigo de Maurice Lemoine sobre a Venezuela).
O caso venezuelano é exemplar da nova situação internacional, na qual grupos da mídia, ensandecidos, assumem abertamente sua nova função de cães de guarda da ordem econômica estabelecida e seu novo estatuto de poder antipopular e anticidadão. Estes grandes grupos não se assumem exclusivamente como poder da mídia; constituem, antes de tudo, o braço ideológico da globalização, e sua função é a de conter as reivindicações populares ao mesmo tempo em que tentam abocanhar o poder político (como conseguiu fazer, de forma democrática, Silvio Berlusconi, dono do principal grupo de comunicação da Itália).
A “guerra suja da comunicação”, travada na Venezuela contra o presidente Hugo Chávez, é a réplica exata do que fez no Chile, de 1970 a 1973, o jornal El Mercurio6, contra o governo democrático do presidente Salvador Allende, até incentivar os militares ao golpe de Estado. Tais campanhas, em que a mídia procura abater a democracia, poderiam voltar a surgir amanhã no Equador, no Brasil ou na Argentina contra qualquer reforma legal que tente modificar a hierarquia social e a desigualdade da riqueza. Aos poderes das oligarquias tradicionais e da reação clássica, juntam-se agora os poderes da mídia. Juntos – e em nome da liberdade de expressão! – atacam os programas que defendem os interesses da maioria da população. É esta a fachada da mídia da globalização. Revela da maneira mais clara, mais evidente, mais caricatural, a ideologia da globalização liberal.
Mídia de massa e globalização liberal estão intimamente ligadas. Por isso, parece urgente refletir sobre a maneira pela qual os cidadãos podem exigir dos grandes meios de comunicação mais ética, mais verdade, mais respeito por uma deontologia que permita aos jornalistas agirem segundo suas consciências, e não em função de interesses dos grupos, das empresas e dos patrões que os empregam.
Informação contaminada
Na nova guerra ideológica que impõe a globalização, a mídia é utilizada como arma de combate. A informação – devido à sua explosão, à sua multiplicação, à sua superabundância – encontra-se literalmente contaminada, envenenada por todo tipo de mentiras, poluída pelos boatos, pela deformação, pela distorção, pela manipulação.
Acontece, nessa área, o que ocorreu com a alimentação. Durante um tempo demasiado longo, os alimentos foram raros, o que ainda acontece em inúmeros lugares do mundo. Mas quando o campo começou a produzir em superabundância – em especial nos países da Europa Ocidental e da América do Norte, graças às revoluções agrícolas – percebeu-se que muitos alimentos estavam contaminados, envenenados por pesticidas, provocando doenças e infecções, produzindo câncer e todo tipo de problemas de saúde, chegando ao ponto de semear ondas de pânico de massa, como ocorreu com a peste da “vaca louca”. Resumindo: antes, podia-se morrer de fome; agora pode-se morrer por ter comido alimentos contaminados...
Com a informação, ocorre o mesmo. Historicamente, ela foi muito escassa. Ainda hoje, nos países ditatoriais, não há informação confiável, completa, de qualidade. Em compensação, nos países democráticos ela transborda por todos os lados. Ela nos asfixia. Empédocles dizia que o mundo era constituído pela combinação de quatro elementos: o ar, a água, a terra e o fogo. A informação tornou-se de tal forma abundante que, de certa maneira, passou a constituir o quinto elemento de nosso mundo globalizado.
Porém, e ao mesmo tempo, todos constatamos que a informação, como os alimentos, está contaminada. Envenena-nos o espírito, polui nossos cérebros, nos manipula, nos intoxica, tenta instilar em nosso inconsciente idéias que não são nossas. É por isso que é necessário elaborar o que se poderia chamar uma “ecologia da informação”. Para limpar, purificar a informação, da “maré negra” de mentiras. Da qual foi possível, uma vez mais, avaliar seu gigantismo por ocasião da recente invasão do Iraque7. É preciso descontaminar a informação. Assim como foi possível conseguir alimentos “orgânicos” – menos contaminados, por definição, do que os outros – deveria ser conseguida uma espécie de informação “orgânica”. Os cidadãos devem se mobilizar para exigir que os meios de comunicação pertencentes aos grandes grupos globais respeitem a verdade, pois somente a busca da verdade constitui, de maneira definitiva, a legitimidade da informação.
Nova forma de combate
Foi por isto que propusemos a criação do Observatório Internacional da Mídia (a sigla em inglês é Media Watch Global). Para que, finalmente, fosse possível dispor de uma arma cívica da qual os cidadãos se pudessem servir para enfrentar o novo superpoder dos grandes meios de comunicação de massa. Este observatório é a expressão do movimento social planetário que se reuniu em Porto Alegre, no Brasil. Justamente em meio à ofensiva da globalização liberal, ele expressa a preocupação de todo mundo diante da nova arrogância das indústrias gigantes da comunicação.
Os grandes meios de comunicação privilegiam seus interesses particulares em detrimento do interesse geral e confundem sua própria liberdade com a liberdade de empresa, considerada a principal de todas as liberdades. Mas a liberdade de empresa não pode, de forma alguma, prevalecer sobre o direito dos cidadãos a uma informação rigorosa e verificada, nem servir de pretexto para a difusão consciente de notícias falsas ou de difamações.
A liberdade da mídia não passa de uma extensão da liberdade coletiva de expressão, um dos fundamentos da democracia. Enquanto tal, não pode ser confiscada por um grupo de poderosos. Além do mais, ela implica uma “responsabilidade social” e, conseqüentemente, seu exercício deve permanecer, em última instância, sob o controle responsável da sociedade. Foi esta convicção que nos levou a propor a criação do Observatório Internacional da Mídia. Pois a mídia é, atualmente, o único poder sem um contrapoder, criando-se, dessa forma, um desequilíbrio prejudicial para a democracia.
A força desta entidade é, principalmente, de ordem moral: ela adverte baseada na ética e pune os erros de honestidade da mídia por meio de relatórios e pesquisas que elabora, publica e divulga.
Regulamentação falha
O Observatório Internacional da Mídia constitui um contrapeso indispensável ao excesso de poder dos grandes grupos de comunicação que impõem, em matéria de informação, uma única lógica – a do mercado – e uma única ideologia – a do pensamento neoliberal. Esta entidade internacional pretende exercer uma responsabilidade coletiva, em nome do interesse superior da sociedade e do direito dos cidadãos a serem bem informados. Por este motivo, ela considera de importância fundamental a pauta da próxima reunião de cúpula mundial sobre a informação que se realizará no próximo mês de dezembro, em Genebra8. Também se propõe a proteger a sociedade das manipulações da mídia que, como as epidemias, se multiplicaram nos últimos anos.
O Observatório conta com três tipos de membros, com direitos idênticos: 1) jornalistas profissionais ou circunstanciais, na ativa ou aposentados, que trabalhem em qualquer tipo de meio de comunicação, formal ou alternativo; 2) professores universitários e pesquisadores, de qualquer disciplina e, mais particularmente, especialistas na área da comunicação, pois a Universidade, no atual contexto, tornou-se um dos raros lugares ainda parcialmente protegidos das ambições totalitárias do mercado; 3) usuários dos meios de comunicação, cidadãos comuns e personalidades notórias por sua estatura moral...
Os atuais sistemas de regulamentação dos meios de comunicação são insatisfatórios por toda parte. Posto que a informação é um bem comum, sua qualidade só poderia ser garantida por organizações exclusivamente compostas por jornalistas, que muitas vezes estão vinculados a interesses corporativistas. Os códigos deontológicos de cada empresa de comunicação – quando existem – se mostram pouco capazes de punir ou corrigir os desvios, as omissões e a censura. É indispensável que a deontologia e a ética da informação sejam definidas e defendidas por uma instância imparcial, com credibilidade, independente e objetiva, na qual os professores universitários tenham um papel decisivo.
A função dos ombudsmen, ou mediadores, que foi útil nas décadas de 80 e de 90, encontra-se atualmente mercantilizada, desvalorizada e desvirtuada. É muitas vezes manipulada pelas empresas, responde às exigências de imagem e constitui um álibi barato para reforçar artificialmente a credibilidade dos meios de comunicação.
Liberdade para quem?
Um dos direitos mais preciosos do ser humano é o de comunicar livremente suas idéias e suas opiniões. Nenhuma lei deve restringir, arbitrariamente, a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa. Mas esta só pode ser exercida por empresas de comunicação mediante a condição de que não sejam transgredidos outros direitos dos cidadãos tão consagrados quanto este, de poder ter acesso a uma informação não contaminada. As empresas de comunicação não devem – sob o artifício de estarem protegidas pela liberdade de expressão – poder divulgar informações falsas, nem conduzir campanhas de propaganda ideológica ou outros tipos de manipulação.
O Observatório Internacional da Mídia considera que a liberdade absoluta dos meios de comunicação, reivindicada em coro pelos patrões dos grandes grupos da mídia mundial, somente poderia ser exercida às custas da liberdade de todos os cidadãos. Estes grandes grupos irão reconhecer que, de agora em diante, acaba de nascer um contrapoder e que este tem vocação para unir todos aqueles que se identificam no movimento social planetário e que lutam contra o confisco do direito de expressão. Jornalistas, professores, ativistas sociais, leitores de jornais, ouvintes de rádio, telespectadores ou usuários da Internet, todos se unirão para forjar uma arma coletiva de debate e de ação democrática. Os senhores da globalização declararam que o século XXI seria o das empresas globais; o Observatório Internacional da Mídia afirma que este será o século em que a comunicação e a informação finalmente pertencerão a todos os cidadãos.
(Trad.: Jô Amado)
1 - Ler, de Ignacio Ramonet, La Tyrannie de la Communication et Propagandes silencieuses, ed. Galilée, Paris, 1999 e 2002 (também disponível em brochura).
2 - Veja-se na Itália, por exemplo, a superpotência, na área de comunicações, do grupo Fininvest, de Silvio Berlusconi, ou na França, a dos grupos Lagardère e Dassault.
3 - Sob a pressão dos grandes grupos da mídia norte-americana, a Federal Communications Comission (FCC) dos Estados Unidos autorizou, no dia 4 de junho de 2003, a suspensão dos limites à concentração: as empresas passariam a poder controlar até 45% da audiência nacional (cujo limite, até agora, era de 35%). A decisão deveria ter entrado em vigor no último dia 4 de setembro, mas foi suspensa pela Corte Suprema porque houve quem visse na medida “uma grave ameaça à democracia”.
4 - Ler, de Ignacio Ramonet, “Un crime parfait”, Le Monde diplomatique, junho de 2002.
5 - Ler, de Maurice Lemoine, “Dans les laboratoires du mensonge au Venezuela”, Le Monde diplomatique, agosto de 2002.
6 - E muitos outros meios de comunicação, como La Tercera, Ultimas Noticias, La Segunda, Canal 13 etc. Ler, de Patricio Tupper, Allende, la cible des médias chiliens et de la CIA (1970-1973), Editions de l’Amandier, Paris, 2003.
7 - Ler, de Ignacio Ramonet, “Mensonges d’Etat”, Le Monde diplomatique, julho de 2003.
8 - Ler, de Armand Mattelart, “La communication, enjeu du Nouvel ordre international”, Le Monde diplomatique, agosto de 2003.
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Ignacio Ramonet é Diretor-presidente do Monde diplomatique.
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