A oportuna lição de Barroso no STF
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
O ministro Luiz Roberto Barroso deu uma aula de justiça, ontem.
Desde o início da ação penal 470 nós ouvimos a tese de que o país precisava de um julgamento exemplar. O argumento é que estávamos diante de uma denúncia histórica, cujo resultado teria um grande efeito simbólico.
Barroso disse:
“Antes de ser exemplar e simbólica, a Justiça precisa ser justa, sob pena de não poder ser nem um bom exemplo nem um bom símbolo".
É isso mesmo.
Sob a presidência de Carlos Ayres Britto, que deu início ao julgamento da AP 470, falava-se tanto no caráter “simbólico” e “exemplar” da decisão que até imaginei que o STF preparava uma mudança de função e endereço.
Em vez de permanecer na Praça dos Três Poderes, como um dos Poderes da República, com o dever constitucional de zelar pelo cumprimento das leis, pretendia mudar-se para o divã do psicanalista Carl Jung, e passar a debater o efeito de suas sentenças sobre o inconsciente coletivo do país. Seria uma ótima diversão para todos -- menos para os réus e para quem compreende o papel da Justiça na vida de homens e mulheres.
A prioridade dos exemplar e dos símbolos é assim. Substitui o fato pela versão.
Há um truque, aqui.
O papel de elaborar versões, nas sociedades contemporâneas, não é para qualquer um. Nosso divã de psicanalista coletivo encontra-se nos meios de comunicação, que nos dizem quem são os heróis, os bandidos, o certo e o errado. Vale o que escrevem, argumentam, explicam. Criam os mitos e, como dizia Jung, os arquétipos.
É através dessa opinião publicada – que os ingênuos confundem com opinião publica – que se forma o exemplar e o simbólico.
É por isso que nossos psicanalistas estão lá, noite e dia, nos jornais, na TV, para repetir suas histórias.
Sem resposta de conteúdo para uma mudança que, se for confirmada no dia de hoje, como tudo indica, representará um avanço do julgamento da AP 470 na direção correta, alerta-se para o risco simbólico, para o exemplar.
Estranho que até agora ninguém tenha falado no “cultural.”
Evita-se perguntar por que ocorre uma mudança, quais seus motivos reais.
Todo esforço consiste em evitar perguntas incômodas e questões de fundo.
Tenta-se fugir da fraqueza notória nos argumentos da denúncia. Pretende-se ignorar a insuficiência das provas para colocar um cidadão por dois ou três anos na prisão – como se uma existência humana, se o direito a liberdade e a presunção da inocência, fossem questões menores, que podem ser jogadas para lá ou para cá, ao sabor das convenientes do dia e, especialmente, da noite dos símbolos e exemplos.
Em vez de estimular a razão, nossos psicanalistas querem estimular o medo, a mais perigosa das emoções do mundo político.
O que o povo vai pensar? O "povo". Não o povo, aquele que não é bobo.
O nome deste processo é marketing.
A base desse raciocínio é inconfessável. Tenta-se convencer um país inteiro que sua população não está preparada para assistir a demonstração de que o STF, o “exemplo,” o “símbolo”, também pode errar e, quando isso acontece, este erro deve ser corrigido.
Querem fazer a educação através do mito e não pela razão.
Essa pedagogia implica em enxergar a população brasileira como uma aglomeração de homens e mulheres incapazes de compreender seus direitos e lutar por eles. Por isso nem sempre é preciso respeitar a vontade popular nem a soberania dos poderes que emanam do povo.
Diante de pessoas que não podem tomar decisões por conta própria e necessitam de tutores e mestres para apontar o caminho do certo e do justo, nossos psicanalistas podem mais.
Vamos entender de uma vez por todas: quem fala no exemplar e no simbólico está dizendo que a mentira pode ser útil, o erro pode ser necessário, a Justiça pode ser apenas uma aparência – desde que sirva a seus propósitos.
É este o debate. E, após tantos momentos de treva, parece haver um pouco de luz.
O ministro Luiz Roberto Barroso deu uma aula de justiça, ontem.
Desde o início da ação penal 470 nós ouvimos a tese de que o país precisava de um julgamento exemplar. O argumento é que estávamos diante de uma denúncia histórica, cujo resultado teria um grande efeito simbólico.
Barroso disse:
“Antes de ser exemplar e simbólica, a Justiça precisa ser justa, sob pena de não poder ser nem um bom exemplo nem um bom símbolo".
É isso mesmo.
Sob a presidência de Carlos Ayres Britto, que deu início ao julgamento da AP 470, falava-se tanto no caráter “simbólico” e “exemplar” da decisão que até imaginei que o STF preparava uma mudança de função e endereço.
Em vez de permanecer na Praça dos Três Poderes, como um dos Poderes da República, com o dever constitucional de zelar pelo cumprimento das leis, pretendia mudar-se para o divã do psicanalista Carl Jung, e passar a debater o efeito de suas sentenças sobre o inconsciente coletivo do país. Seria uma ótima diversão para todos -- menos para os réus e para quem compreende o papel da Justiça na vida de homens e mulheres.
A prioridade dos exemplar e dos símbolos é assim. Substitui o fato pela versão.
Há um truque, aqui.
O papel de elaborar versões, nas sociedades contemporâneas, não é para qualquer um. Nosso divã de psicanalista coletivo encontra-se nos meios de comunicação, que nos dizem quem são os heróis, os bandidos, o certo e o errado. Vale o que escrevem, argumentam, explicam. Criam os mitos e, como dizia Jung, os arquétipos.
É através dessa opinião publicada – que os ingênuos confundem com opinião publica – que se forma o exemplar e o simbólico.
É por isso que nossos psicanalistas estão lá, noite e dia, nos jornais, na TV, para repetir suas histórias.
Sem resposta de conteúdo para uma mudança que, se for confirmada no dia de hoje, como tudo indica, representará um avanço do julgamento da AP 470 na direção correta, alerta-se para o risco simbólico, para o exemplar.
Estranho que até agora ninguém tenha falado no “cultural.”
Evita-se perguntar por que ocorre uma mudança, quais seus motivos reais.
Todo esforço consiste em evitar perguntas incômodas e questões de fundo.
Tenta-se fugir da fraqueza notória nos argumentos da denúncia. Pretende-se ignorar a insuficiência das provas para colocar um cidadão por dois ou três anos na prisão – como se uma existência humana, se o direito a liberdade e a presunção da inocência, fossem questões menores, que podem ser jogadas para lá ou para cá, ao sabor das convenientes do dia e, especialmente, da noite dos símbolos e exemplos.
Em vez de estimular a razão, nossos psicanalistas querem estimular o medo, a mais perigosa das emoções do mundo político.
O que o povo vai pensar? O "povo". Não o povo, aquele que não é bobo.
O nome deste processo é marketing.
A base desse raciocínio é inconfessável. Tenta-se convencer um país inteiro que sua população não está preparada para assistir a demonstração de que o STF, o “exemplo,” o “símbolo”, também pode errar e, quando isso acontece, este erro deve ser corrigido.
Querem fazer a educação através do mito e não pela razão.
Essa pedagogia implica em enxergar a população brasileira como uma aglomeração de homens e mulheres incapazes de compreender seus direitos e lutar por eles. Por isso nem sempre é preciso respeitar a vontade popular nem a soberania dos poderes que emanam do povo.
Diante de pessoas que não podem tomar decisões por conta própria e necessitam de tutores e mestres para apontar o caminho do certo e do justo, nossos psicanalistas podem mais.
Vamos entender de uma vez por todas: quem fala no exemplar e no simbólico está dizendo que a mentira pode ser útil, o erro pode ser necessário, a Justiça pode ser apenas uma aparência – desde que sirva a seus propósitos.
É este o debate. E, após tantos momentos de treva, parece haver um pouco de luz.
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