Leonardo Boff – Manifestações de rua
Por Leonardo Boff
Leonardo
Boff: “A estratégia é fazer sangrar mais e mais a Presidenta Dilma e
desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que lhes permite voltar ao
lugar que por via democrática perderam”(Foto: tvbrasil / Flickr)
É
notório que a direita brasileira especialmente aquela articulação de
forças que sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como propriedade
privada (patrimonialismo), apoiada pela midia privada e familiar, estão
se aproveitando das manifestações massivas nas ruas para manipular esta
energia a seu favor. A estratégia é fazer sangrar mais e mais a
Presidenta Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que
lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.
Se
por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do PT (e
voltaremos ao tema), mas críticas construtivas, por outro, não podemos
ingenuamente permitir que as transformações politico-sociais alcançadas
nos últimos 10 anos sejam desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por
parte das elites conservadoras. Estas visam a ganhar o imaginário dos
manifestantes para a sua causa que é inimiga de uma democracia
participativa de cariz popular.
Seria
grande irresponsabilidade e vergonhosa traição de nossa parte, entregar
à velha e apodrecida classe política aquilo que por dezenas de anos
temos construido, com tantas oposições: um novo sujeito histórico, o PT e
partidos populares, com a inserção na sociedade de milhões de
brasileiros. Esta classe se mostra agora feliz com a possibilidade de
atuar sem máscara e mostrando suas intenções antes ocultas: finalmente,
pensa, temos chance de voltar e de colocar esse povo todo que reclama
reformas, no lugar que sempre lhe competiu historicamente: na periferia,
na ignorância e no silenciamento. Aí não incomoda nem cria caos na
ordem que por séculos construimos mas que, se bem olhrmos, é ordem na
desordem ético-social.
Esta
pretensão se liga a algo anterior e que fez história. É sabido que com a
vitória do capitalismo sobre o socialismo estatal do Leste europeu em
1989, o Presidente Reagan e a primeira ministra Tatscher inauguraram uma
campanha mundial de desmoralização do Estado, tido como ineficiente e
da política como empecilho aos negócios das grandes corporações
globalizadas e à lógica da acumulação capitalista. Com isso visava-se a
chegar ao Estado mínimo, debilitar a sociedade civil e abrir amplo
espaço às privatizações e ao domínio do mercado, até conseguir a
passagem de uma sociedade com mercado para uma sociedade de puro mercado
no qual tudo, mas tudo mesmo, da religião ao sexo, vira mercadoria. E
conseguiram. O Brasil sob a hegemonia do PSDB se alinhou ao que se
achava o marco mais moderno e eficaz da política mundial. Protagonizou
vasta privatização de bens públicos que foram maléficos ao interesse
geral.
Que
isso foi uma desgraça mundial se comprova pelo fosso abissal que se
estabeleceu entre os poucos que dominam os capitais e as finanças e a
grandes maiorias da humanidade. Sacrifica-se um povo inteiro como a
Grécia, sem qualquer consideração, no altar do mercado e da voracidade
dos bancos. O mesmo poderá acontecer com Portugal, com a Espanha e com a
Itália.
A
crise econômico-financeira de 2008 instaurada no coração dos países
centrais que inventaram esta perversidade social, foi consequência deste
tipo de opção política. Foram os Estados que tanto combateram que os
salvaram da completa falência, produzida por suas medidas montadas sobre
a mentira e a ganância (greed is good), como não se cansa de acusar o
prêmio Nobel de economia Paul Krugman. Para ele, estes corifeus das
finanças especulativas deveriam estar todos na cadeia como criminosos.
Mas continuam aí faceiros e rindo.
Então,
se devemos criticar a nossa classe política por ser corrupta e o Estado
por ser ainda, em grande parte, refém da macro-economia neoliberal,
devemos fazê-lo com critério e senso de medida. Caso contrário, levamos
água ao moinho da direita. Esta se aproveita desta crítica, não para
melhorar a sociedade em benefício do povo que grita na rua, mas para
resgatar seu antigo poder político especialmente, aquele ligado ao poder
de Estado a partir do qual garantia seu enriquecimento fácil.
Especialmente a mídia privada e familiar, cujos nomes não precisam ser
citados, está empenhada fevorosamente neste empreitada de volta ao velho
status quo.
Por
isso, as demonstrações devem continuar na rua contra as tramóias da
direita. Precisam estar atentas a esta infiltração que visa a mudar o
rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem a ser
estabelecida. Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para
limpar as ruas.
Dai,
repetimos, cabe reforçar o governo de Dilma, cobrar-lhe, sim, reformas
políticas profundas, evitar a histórica conciliação entre as forças em
tensão e o oposição para juntas novamente esvaziar o clamor das ruas e
manterem um status quo que prolonga benefíciois compartilhados.
Inteligentemente
sugeriu o analista politico Jeferson Miolo em Carta Maior
(07/7/2013):”Há uma grave urgência política no ar. A disputa real que se
trava nesse momento é pelo destino da sétima economia mundial e pelo
direcionamento de suas fantásticas riquezas para a orgia financeira
neoliberal. Os atores da direita estão bem posicionados
institucionalmente e politicamente…A possibilidade de reversão das
tendências está nas ruas, se soubermos canalizar sua enorme energia
mobilizadora. Por que não instalar em todas as cidades do país aulas
públicas, espaços de deliberação pública e de participação direta para
construir com o povo propostas sobre a realidade nacional, o plebiscito,
o sistema político, a taxação das grandes fortunas e do capital, a
progressividade tributária, a pluralidade dos meios de comunicação,
aborto, união homoafetiva, sustentabilidade social, ambiental e
cultural, reforma urbana, reforma republicana do Estado e tantas outras
demandas históricas do povo brasileiro, para assim apoiar e influir nas
políticas do governo Dilma”?
Desta
forma se enfrentarão as articulações da direita e se poderá com mais
força reclamar reformas políticas de base que vão na direção de atender a
infra-estrutura reclamada pelo povo nas ruas: melhor educação, melhores
hospitais públicos, melhor transporte coletivo e menos violência na
cidade e no campo.
Leonardo Boff não é filiado ao PT, é teólogo e escritor, da Comissão da Carta da Terra.
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