quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A MISTERIOSA FORÇA DO PMDB

Mauro Santayana

O PMDB, resumia Tancredo Neves, cresce com os golpes que recebe. Quase sempre esses golpes partem de suas mesmas fileiras. O partido tem perdido dirigentes desde que o governo militar, com o Ato Complementar nº 4, decretou o fim do bipartidarismo, imposto pelo AI-2. Deixaram-no, no início, os grupos de nítida identidade com a esquerda, para criar partidos próprios. O PMDB paulista evitou a dissidência na campanha de 1982: na convenção estadual do partido, Quércia liderava muitas das bases do interior e parcela aguerrida da ala esquerda, mas a realidade impunha o nome de Franco Montoro. Diante da possível cisão, encontrou-se o compromisso: Covas cedeu a Quércia a candidatura a vice – e assim se fez. Os convencionais entoaram o grito de guerra que selou o entendimento: "Covas abre mão, o que importa é união". Quércia foi o vice de Montoro e Covas assumiu a prefeitura da capital, de nomeação do governador na época.

Depois da redemocratização, foi a vez da dissidência dos incomodados com a liderança dos governadores. Como desculpa, propuseram criar novo partido fundado na ética absoluta. Como a iniciativa foi de São Paulo, embora mineiros, como o senhor Pimenta da Veiga a ela aderissem, o motivo tinha nome e sobrenome: Orestes Quércia. O então governador, eleito em 1986, se encontrava, em 1988, senhor de invejável popularidade e poderia assumir – como depois assumiria – a presidência do PMDB. Política é convivência de espaços, dizia, com sua voz de barítono, José Aparecido de Oliveira – que faria 80 anos anteontem. Quanto mais espaço Quércia ocupasse, menos espaço sobraria para Fernando Henrique.

O PSDB se identificou, ao ser fundado, em junho de 1988, como seguidor da social democracia europeia de então, embora, sete anos depois, na Presidência, tenha aberto o país ao novo liberalismo que agora se desmascara como simples conluio de malfeitores. Durante oito anos fomos submetidos ao fundamentalismo mercantil e ao discurso único, entoado pelos intelectuais paulistas. Enquanto isso, no PMDB ocorreu o paradoxo que até hoje intriga os observadores políticos: o partido mantinha suas bases e minguava na cúpula. Ulysses, com todo o seu carisma, não conseguiu eleger-se em 1989 para a Presidência da República, nem Quércia, nas eleições de 1994 – mas o partido ainda é o de maior filiação e de maior capilaridade no território nacional. A morte de Tancredo privou o partido de uma liderança exercida com exemplar discrição. Ele conseguia equilibrar as alas moderadas e autênticas do partido, por ser prudente na linguagem, e incisivo e bravo na defesa das liberdades políticas e de um projeto nacional de desenvolvimento.

A morte de Tancredo, em 1985, deixara Ulysses sem o contraponto necessário. Sou testemunha da dignidade com que se tratavam, apesar das aspirações naturais de homens da mesma geração que, vendo o tempo encurtar-se à frente, tentam andar depressa. Ulysses era o tribuno da hora, arrebatado; Tancredo, o pensador que submetia a retórica ao cabresto da boa astúcia – fosse no ataque ou na conciliação. Enquanto os moderados e autênticos se digladiavam, Tancredo e Ulysses, que tinham, dependendo da ocasião, menos ou mais de uma e da outra postura, se revezavam como piloto e copiloto do movimento.

A grande força do PMDB – embora alguns de seus dirigentes não consigam entendê-la – é a consciência de nação que herdou de seus dois grandes condutores. O PMDB não é, como o PT, partido de classe. Nele, mais do que em quaisquer outras organizações, convivem fazendeiros e artesãos, intelectuais e operários, negros e brancos. É mestiço como a gente brasileira. Não reivindica ideologia de origem externa. Não se diz social-democrata, nem se identifica como próximo dos conservadores europeus, como é o caso dos embuçados sob o camaleônico DEM. Não é de esquerda, nem de direita, embora nele militem homens de esquerda e alguns empedernidos da direita. Não se trata de partido com hegemonia regional, como o PT e o PSDB, notoriamente paulistas. Pode haver, no PMDB, corruptos, na proporção correspondente a seu tamanho, da mesma forma que nos outros partidos que eventualmente ocupem parcelas de poder. Mas é grande e sólido partido, como demonstra sua pujança eleitoral nos pleitos municipais. Os dirigentes podem deixá-lo, mas os militantes permanecem. E esses militantes anseiam por novo líder e a retomada de sua trajetória histórica.

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