Mauro Santayana
Não foram necessários 100 dias: jornais norte-americanos registram que, em alguns aspectos, Obama segue o modelo de seu predecessor. O Wall Street Journal manifestou a suspeita de que o programa antiterrorista de Bush ganhou nova legitimidade. A decisão de enviar mais 17 mil soldados ao Afeganistão – a conselho do Pentágono e no interesse dos industriais da guerra – mostra que não basta querer mudar o rumo de um país, mesmo com o apoio eleitoral da maioria de seus cidadãos. Segundo alguns, o déficit do Tesouro americano chegará a US$ 3 trilhões em setembro deste ano. A crise é a cada dia mais grave, as grandes indústrias estão falindo, o desemprego cresce, o FED continua emitindo sem lastro, mas os poderes reais da República exigem a continuação do "combate ao terrorismo".
O New York Times cita fontes do governo para dizer que a política de segurança dos Estados Unidos é a mesma: os voos clandestinos da CIA continuarão, e suspeitos de "terrorismo" serão enviados a "terceiros países", para os interrogatórios "duros". Enfim, como dizia Tancredi, personagem de Lampedusa, em Il gattopardo, "se vogliamo che tutto rimanga com'è, bisogna che tutto cambi".
A atrevida charge racista, publicada na semana passada pelo New York Post – jornal popular de direita, de propriedade de Rupert Murdoch – desnuda esse mal-estar dos ricos. O desenho mostra dois policiais atirando em um chimpanzé, e a legenda explicativa de que teriam que encontrar outro animal a fim de emitir novas normas para a regulamentação da economia. O jornal pediu desculpas, mas só os negros protestaram com veemência. A impressão de muitos observadores é a de que o establishment, passado o grande susto, se rearticula para colocar a coleira no presidente.
Não parece provável, no entanto, que se retorne exatamente ao modelo Bush. Apesar dos esforços de Washington, a Europa se encontra relutante em aumentar sua presença na beira do Cáspio. Até agora, apenas a Alemanha e a Itália se dispuseram a enviar mais 1.100 soldados ao Afeganistão. A decisão de um país de reduzidas dimensões, como o Quirguistão, de dar aos Estados Unidos o prazo de 120 dias para abandonarem a importante base militar de Manás, crucial para a sua presença em Cabul, assinala o declínio do prestígio norte-americano na região. O governo fantoche de Hamid Karzai, minado pela corrupção, perde sua reduzida autoridade sobre o país, enquanto os talibãs se fortalecem junto à população.
Outro sinal de recuo de Obama foi a declaração do porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, de que o governo não pretende estatizar os grandes bancos, como foi cogitado. Gibbs reafirmou o compromisso do sistema com a livre iniciativa capitalista – no momento em que se noticiava, sexta-feira última, a queda das ações dos bancos maiores, como o Citigroup e o Bank of America, diante dos rumores de que seriam encampados. Em seu editorial de ontem, domingo, o New York Times discutiu o tema, concluindo que, pelo menos por algum tempo, os grandes bancos devem ficar nas mãos do governo. Essa parece ser, mais cedo ou mais tarde, a atitude de países como a França, a Alemanha e a Inglaterra. O encontro da União Europeia, ontem, na Alemanha, discutiu o tema. Os participantes propuseram reforma profunda dos bancos centrais e do FMI para que regulamentem o sistema financeiro.
Quando até mesmo os Estados Unidos reconhecem a lisura da consulta ao eleitorado que autorizou o presidente a continuar disputando eleições, repete-se no Brasil o discurso dos conservadores. Em nosso caso, a reeleição foi instituída pelo beneficiado, com o apoio do Congresso, e sem consultar o eleitorado – como fez o venezuelano. Se houvesse, no Brasil, a consulta a que se submeteu Chávez, dificilmente ela seria aprovada. A permanência ou não de Chávez no poder é problema dos venezuelanos, não dos brasileiros. Mas a inclusão da Venezuela no Mercosul é de interesse de toda a região – e sobretudo do Brasil. O artigo do senador Aloizio Mercadante, publicado por este jornal, é nisso esclarecedor.
Um tratado internacional se faz com cláusulas claras, que preveem os direitos e obrigações dos signatários. O Mercosul é de interesse de todos os sul-americanos. Novo mapa geopolítico se desenha, e a viagem de Hillary à China é nisso emblemática. Temos que nos unir para dialogar com o resto do mundo, e é preciso agir com a razão política e não com idiossincrasias ideológicas.
Fonte: JB
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