Mauro Santayana.
Coisas da Política - A retórica e seus limites
Mauro Santayana
Churchill lamentava que os homens de Estado de seu tempo estivessem privados da leitura dos clássicos – e dos cavalos. Da falta dos clássicos se entende, embora seja mais difícil entender, que necessitem de cavalos em nosso tempo. De acordo com Shakespeare, Ricardo III, depois de cair do seu, abatido por um arqueiro, ofereceu o reino por nova montaria. Churchill se referia aos cavalos concretos, mas o animal serve de metáfora à política. O homem de Estado deve estar montado em um projeto. No dorso de seus cavalos firmavam-se Alexandre e César, Napoleão e Ricardo III, mas também seus objetivos, alguns vitoriosos, outros não.
No discurso de anteontem ao Congresso, o presidente Barack Obama foi enfático na promessa de que o seu país sairá mais forte da crise atual. Está respeitando a retórica, mas desatento com relação à História. Talvez, para lembrar Churchill, lhe faltem os clássicos. É claro que o presidente os conhece de Harvard. Mas uma coisa é o conhecimento de um texto e outra, a constante meditação de suas lições – quando trazem lições. A História nos mostra que os impérios, uma vez em declínio, não se recuperam – cedem praça a novas forças. Isso não significa que os Estados Unidos não venham a restaurar sua economia. Para recuperar-se politicamente no mundo, só dispõem de uma saída: deixar de ser o que têm sido. Se Obama dispusesse de força, teria que sair amanhã do Iraque e do Afeganistão, e concentrar toda a capacidade de trabalho árduo dos americanos (a que se referiu) para a retomada da construção do país, na busca da igualdade social. Em suma: os Estados Unidos que ele construiria seriam outra nação, talvez menos temida, mas provavelmente mais respeitável. Para resolver o problema de saúde – que ele reconhece ser inadiável – não bastarão os recursos orçamentários, que são limitados. Ele terá que se confrontar com o poderoso lobby da indústria farmacêutica e dos hospitais privados a fim de que reduzam seus lucros, e os gastos sejam suportáveis pela sociedade. Outro desafio é o da energia renovável. A indústria do petróleo resistirá para não perder o lugar que ocupa na economia nos últimos 100 anos. Outro problema grave é o dos automóveis: o aumento de circulação dos veículos exige investimentos pesados na infraestrutura das cidades e das estradas, na mineração e na siderurgia. Se os norte-americanos fossem capazes de substituir a cultura do automóvel, estariam dando excelente exemplo ao mundo. Obama, no entanto, foi corajoso, ao dizer, claramente, que é preciso reduzir a renda dos mais ricos, em favor dos mais pobres.
A chave de tudo, no entanto, está na regulamentação das atividades econômicas. O Estado não pode cruzar os braços e esperar que o mercado estabeleça o equilíbrio. Isso podia ocorrer no passado, quando não havia monopólios, cartéis e oligopólios privados, que hoje determinam, com seu poder, o comportamento da economia. No topo do capitalismo encontra-se o sistema financeiro. Os grandes bancos sempre se esquivaram do controle das instituições políticas, mas a partir do governo Reagan, nos Estados Unidos, foram além e se livraram de todos os constrangimentos. Estimulados pelo governo para que sonegassem impostos, pela via dos paraísos fiscais, muitos deles, protegidos pela omissão do Fed, lavaram dinheiro sujo, e esconderam o butim nos bancos suíços, tradicionais em guardar valores roubados. E se essas fraudes contábeis, conhecidas como paraísos fiscais, não forem devassadas imediatamente, e não se proibirem operações off-shore, haverá tempo para que novas manipulações garantam a impunidade dos criminosos. Daí a necessidade de que o Estado passe a administrar diretamente o sistema financeiro, como voltou a defender ontem, em editorial, o New York Times. Depois de informar que os assessores do presidente Obama estão ansiosos para que o governo encontre uma forma de assumir as operações dos grandes bancos, o editorialista conclui: "If Mr. Obama has a better plan, the nation needs to hear it soon".
A nova queda da Bolsa de Nova York, ontem, logo depois do discurso, dá outra razão ao grande jornal. A opinião pública espera uma decisão clara e imediata. Como aconselhava o economista chileno Jorge Ahumada, em certos momentos é preferível uma solução rápida e certa, ainda que imperfeita, a nenhuma solução. A hesitação dos governantes, em uma situação de urgência, costuma ser perversa.
FONTE:JB
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