quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

XINGAR É FÁCIL, APURAR É BEM MAIS DIFÍCIL

Carlos Brickmann

Observatório da Imprensa

Tudo bem, suíço é chato mesmo. Se você entra num cinema, tem de ocupar a cadeira ao lado do último que se sentou, mesmo que a sala esteja vazia. Os italianos, no meio de toda aquela confusão que os caracteriza, geraram Michelangelo, Mascagni, da Vinci, Dante, Bernini, Verdi, Rossini, Rafael. Os suíços, no meio de toda aquela ordem, conseguiram criar o relógio-cuco e alguns queijos.

Pronto: já falamos mal dos suíços. Agora entremos no caso de Paula Oliveira. Nossos meios de comunicação repetiram todos os erros do caso Escola Base; e as consequências só não foram mais graves porque o caso ocorreu fora do Brasil. As informações foram aceitas sem contestação. A imprensa não fez o mínimo indispensável (por exemplo, falar com a mãe da moça, que estaria com ela ao telefone no momento do ataque, para saber o que teria ouvido; ou entrevistar um médico sobre a possibilidade de uma pessoa consciente ser cortada sem que houvesse sequer um tremor nos riscos. Seria possível que a moça não tivesse nem contraído os músculos de dor ao ser riscada por estilete?). E, já que não havia fatos a narrar, saiu batendo nos suíços, como se lá houvesse uma caça aos estrangeiros. E, dos países europeus, a Suíça é dos menos xenófobos.

O SVP, por exemplo, é um partido detestável. É ultranacionalista, é contra a imigração, essas coisas. Mas não é neonazista. O SVP integra um governo democrático, que trata os imigrantes melhor que os espanhóis, onde os guardinhas de aeroporto maltratam os brasileiros (e provavelmente outros visitantes) e não provocam, da parte de nossas autoridades, reação tão violenta.

Um detalhe interessante é a justificativa de muitos jornalistas para chutar da medalhinha para cima: basearam-se em portais que mereceriam confiança. Se é para repetir o que publicaram "portais confiáveis", por que jornais, por que tevês, por que rádios, por que outros portais? Por que não ficar só naqueles confiáveis?

O pai agiu certo: achou que a filha tinha sido atacada e chamou a imprensa. Caberia à imprensa, diante dos fortes indícios de que tinha acontecido alguma coisa (e os indícios iniciais eram fortes), noticiar o fato, mas deixando para o leitor uma porta aberta, que demonstrasse que não se tratava de uma história sem falhas. Caberia levantar dúvidas, pensar sobre a história, procurar congruências e incongruências. E, principalmente, não caberia de forma alguma atacar outro país, considerando-o responsável por um evento que, mesmo que tivesse ocorrido, poderia ter sido fortuito.

A propósito, os jornais suíços incorreram no mesmo erro: passaram a atacar o Brasil, a dizer que aqui as notícias são inventadas, que 72% dos brasileiros não gostam de imigrantes – de onde tiraram esses números, ninguém sabe (e este colunista, neto de imigrantes do exterior, filho de imigrantes do interior, não encontrou ainda todo esse povo xenófobo que a imprensa suíça está vendo).

Besteira: transformou-se um incidente numa espécie de jogo de futebol, em que o importante é ganhar no grito, não importa quem tenha razão.
Fonte:Observatório da Imprensa.

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