Argemiro Ferreira.
O clima sombrio criado pela oposição antes da aprovação do pacote de US$ 787 bilhões para estimular a economia (que só teve três votos republicanos) e nos dias que antecederam a sessão conjunta de ontem no Congresso, acabou neutralizado por um discurso vigoroso, que o New York Times exaltou (AQUI) como “The Time of Reckoning” (A Hora do Acerto de Contas). O presidente Barack Obama voltou a ser duro e franco no diagnóstico da crise mas foi confiante e frequentemente convincente ao expor o remédio (leia a íntegra AQUI e ouça em video, AQUI, algumas das passagens memoráveis).
limbaugh_95-01-23A retórica do partido de George W. Bush, indiferente ao seu legado de guerras desastrosas, divisão interna, desprestígio internacional e a crise econômica cuja extensão ainda não está suficientemente avaliada, passou a pintar uma ameaçadora marcha do país “para o socialismo”. É o que repetem Rush Limbaugh (veja-o acima numa capa do Time em 1995), celebridade extremista do rádio, e o império Murdoch de mídia (Fox News, Wall Street Journal, etc).
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Limbaugh (veja-o à direita em outra capa, com Howad Stern) é o mesmo que na campanha das primárias, em programas diários retransmitidos por centenas de emissoras do país, tentara impor em diferentes estados o que chamava de “Operação Caos” - votos de republicanos nos adversários de Obama em primárias democratas (saiba mais AQUI). Consumada em novembro a vitória final do democrata, o esforço de Limbaugh passou a ser contra o pacote de estímulo econômico - para, ao menos, impedir que tivesse qualquer voto da oposição.
Recessão é real, está em toda parte
A pretexto de que “o dinheiro é do povo e não de Washington”, ele intimidava parlamentares republicanos. E num espaço generoso dado por Murdoch na página de opinião do Wall Street Journal (veja e leia na íntegra AQUI) Limbaugh garantiu: recessões só duram cinco a 11 meses e a recuperação ocorre naturalmente em seis anos. “Não se deve fazer nada, só esperar que terminem por elas mesmas. O que pode torná-las pior é o tipo errado de intervenção do governo”.
limbaughObama, que antes elevara Limbaugh à condição de líder dos republicanos (saiba mais AQUI), rejeitou enfaticamente no discurso a tese de que não se deve fazer nada. Às vésperas da sessão conjunta do Congresso, até o ex-presidente Bill Clinton parecia assustado e deu um conselho público ao presidente, para que mostrasse otimismo - como Ronald Reagan. Mas ao começar, Obama ignorou o chavão de que “o Estado da União é forte”. Optou pela franqueza: “O estado da economia é uma preocupação que se sobrepõe a todas as outras”. (Reagan, entre outras coisas, é o santo padroeiro de Limbaugh: veja os dois na foto acima).
Afirmou ainda que “o impacto desta recessão é real, está em toda parte”. E logo destacou: “Apesar de nossa economia enfraquecida e nossa confiança abalada, (…) esta noite quero que cada americano saiba disso: Vamos reconstruir e recuperar. E os Estados Unidos da América ficarão mais fortes do que antes”. Essas e outras frases soaram tão vigorosas que vieram aplausos, de pé, até do lado oposicionista do plenário.
A hora do acerto de contas
A mágica do discurso consistiu em expor os erros desastrosos, como as ações desregulamentadoras para permitir lucros fáceis ou bônus inescrupulosos para executivos, até o inevitável dia do acerto de contas. Os problemas econômicos do país, conforme deixou claro, “não começaram quando o mercado imobiliário entrou em colapso ou quando o mercado de ações afundou”.
bernanke_greenspanA oposição republicana, atormentada pela suspeita de que grandes bancos premiados com socorro do governo podem ser nacionalizados por algum tempo, talvez tenha ficado aliviada, horas antes, devido à palavra de Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, banco central americano (na foto, seguido por Alan Greenspan, à entrada do gabinete Oval da Casa Branca de Bush). Ele negou (saiba mais AQUI) que o governo pretenda nacionalizar o sistema financeiro do país - o que fez as ações do Citigroup e do Bank of America subirem 20% (logo depois da fala de Bernanke).
No domingo o colunista (e prêmio Nobel de Economia) Paul Krugman, do New York Times, citara com ironia a conclamação do antecessor de Bernanke no Fed, tratado como “camarada Alan Greenspan”, para que “tomemos as colinas de comando da economia”. Krugman o apoiou, embaraçado. O que aquele defensor do “livre mercado” tinha dito, explicou, é que “pode tornar-se necessário nacionalizar temporariamente alguns bancos para facilitar uma reestruturação rápida e ordenada” (leia a íntegra AQUI).
O futuro incerto dos bancos
Três observações de Krugman, ao concordar: “Primeiro, alguns dos grandes bancos estão perigosamente no limite - já teriam desmoronado se os investidores não esperassem a decisão do socorro. Segundo, os bancos têm de ser socorridos. O colapso do Lehman Brothers quase destruiu o sistema financeiro mundial e não podemos correr o risco de deixar que instituições muito maiores, como Citigroup ou Bank of America, implodam. Terceiro: embora bancos tenham de ser socorridos, o governo não pode se dar ao luxo, fiscal ou político, de dar presentes colossais aos acionistas de bancos”.
beck_glennApesar de sensato, Obama ainda parece distante de algo assim - ao menos por enquanto. É que a nacionalização dos bancos tem sido enfaticamente exorcizada a cada dia pelos republicanos e o presidente continua namorando o bipartidarismo. Mas Limbaugh e a Fox News - em especial a nova atração do império Murdoch, o destemperado Glenn Beck (foto ao lado) - redobram as denúncias veementes contra a “marcha para o socialismo” (saiba mais sobre “The Road to Socialism” na estapafúrdia explicação do próprio Beck AQUI).
Mesmo dedicando a maior parte do discurso à crise da economia, Obama deixou de responder com clareza a preocupações específicas sobre seu plano de socorro ao sistema bancário do país. Limitou-se a dizer que não tem a intenção de fornecer recursos sem impor condicionamentos. Deixou as opções em aberto, mas sua equipe tem sugerido que acredita em alguma forma de nacionalização.
Fonte:Blog do Argemiro.
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