quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O NEGACIONISMO POLÍTICO DA FOLHA

Rui Martins

Berna (Suiça) - O bispo inglês Richard Wiliamsson acabou expulso da Argentina por negar a existência do Holocausto e das câmaras de gás na Alemanha nazista, fazendo nisso parceria com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Diversos professores universitários europeus, militantes da extrema-direita, tiveram processos, perderam a cátedra e foram condenados por terem colocado em dúvida a solução final de Hitler.

Por que tanto rigor ? E a liberdade de cátedra e a livre expressão ? quem leu 1984 do inglês George Orwell lembra-se que o personagem principal trabalhava no departamento de informação e sua função era ir reescrevendo a história ao sabor do Big Brother. Os jornais eram refeitos, heróis desapareciam ou se tornavam traidores, nesse mundo sem liberdade.

Reescrever a história, apagar todos os traços de crimes cometidos para deixar uma imagem positiva e favorável à posteridade, sempre foi o desejo dos ditadores. Donde a necessidade de se preservar a memória da população do nosso planeta, para que não se esqueça dos crimes hediondos cometidos. A memória viva é a garantia da não repetição das atrocidades do passado e a possiblidade de se impedir a tempo qualquer tentativa semelhante.

Para isso se constróem museus, erguem-se memoriais e monumentos, gravam-se os nomes das vítimas no mármore, filmam-se os sobreviventes, escrevem-se livros com depoimentos, em diversos lugares do mundo, e, ao mesmo tempo, não se permite demolir provas capitais como o campo de Auschwitz. O objetivo é o de preservar a memória para se evitar a repetição dos crimes.

E para se evitar que saudosistas dos carrascos neguem as evidências, decidiu-se, em respeito às vítimas, punir os chamados negacionistas desejosos de reescrever a história sem os crimes cometidos por seus heróis.

Quando o falecido pastor James Wright e o cardeal Evaristo Arns empreenderam a tarefa de coordenar a documentação histórica dos crimes da ditadura militar brasileira, surgiu o nome Nunca Mais. Ou seja, que isso não possa nunca mais se repetir, que as novas gerações sejam informadas de como uma ditadura militar derrubou um governo legalmente eleito, prendeu, torturou e matou milhares de brasileiros, muito deles inocentes.

A Operação Condor e as ditaduras militares do Cone Sul que agiam de maneira coordenada na repressão a todos os aspirantes da democracia e liberdade, na nossa América Latina, foram fatos históricos, com seus crimes registrados e os nomes dos torturadores e assassinos arquivados. A juventude de hoje, vivendo uma outra realidade, poderia desconhecer totalmente o período sombrio da censura nos jornais e nas artes, cinema e teatro, das prisões na madrugada e dos desaparecidos ou napalmados se todos os crimes, abusos e violências não fossem repertoriados, gravados e transformados em depoimentos históricos.

Negar ou tentar amenizar os anos da ditadura militar, considerando-a ter sido uma ditadura branda é cometer crime de negacionismo. É tentar minimizar os malefícios do período discricionário com a intenção de deixar aberta a porta para novas ditaduras. É querer reescrever a história, para logo mais transformar os criminosos em heróis e as vítimas em culpados. O negacionismo cometido pela Folha de São Paulo, num editorial e corroborado online, é grave por ser um jornal, um órgão de informação, que dispõe de meios para reverter a verdade histórica e assim justificar sua cumplicidade com a ditadura, ainda no nosso passado recente.

Não se deve apenas protestar, assinar manifestos e abaixo-assinados denunciando-se o saudosismo negacionista da Folha de São Paulo. A bem da história e para se evitar repetições criminosas e desastrosas é preciso punir-se o negacionismo político daqueles que negam ou procuram minimizar nossos vinte anos de ditadura.

O negacionismo da ditadura brasileira e dos males causados ao Brasil deve ser encarado como uma atitude revanchista de cúmplices dos ditadores. Seus autores devem se retratar ou serem afastados de funções de influência junto à opinião pública. Uma lei com o mesmo peso da lei anti-racista acabaria com o saudosismo da Folha de São Paulo, que numerosos depoimentos confirmam ter colaborado com a ditadura.
Fonte:Direto da Redação.

Nenhum comentário: