A atual crise, que já não é meramente financeira, mas já atingiu a dita `economia real`, é de tal magnitude e profundidade que está obrigando até os mais convictos neoliberais a rever suas posições. Isso se tornou público em escala mundial quando o ex-presidente Banco Central dos Estados Unidos, Alan Greespan, admitiu na Câmara dos Deputados que havia se equivocado na sua crença sobre a capacidade do mercado resolver os problemas econômicos sem intervenção ou regulação governamental.
É claro que ainda sobram neoliberais fundamentalistas que preferem negar a realidade em nome reafirmação dos seus dogmas. Mas, parece que a doutrina/ideologia neoliberal não será mais a hegemônica na globalização econômica, abrindo espaços para regulação e intervenção estatal ou de organismos internacionais multilaterais na economia e no mercado financeiro. Pelo menos por alguns anos.
Essa perspectiva nos levanta diversas questões, das quais quero tratar de duas.
Na época em que a ideologia neoliberal reinava quase que absolutamente, a grande discussão era (ou, ainda é em certos setores): mercado livre X intervenção e regulação estatal na economia. O declínio do neoliberalismo nos coloca uma nova questão. Não mais o dualismo `mercado livre X intervenção`, mas que tipo de intervenção estatal/multilateral nas economias nacionais e global e em que direção?
No momento não há nenhuma perspectiva de uma intervenção ou dinâmicas sociais que altere de modo radical e profundo o sistema capitalista. Isto significa que a ordem econômica e social que resultará da `solução` da crise será algum tipo ou forma de capitalismo. Se ela será melhor ou pior, em termos humanos e sociais para a grande maioria da população mundial, dependerá das intervenções e o modo como a crise e a sua `solução` irão evoluir.
Uma intervenção que tenha como objetivo somente `salvar` o sistema financeiro e colocar a economia de volta aos `trilhos` do atual processo de globalização seria apenas substituir a ideologia neoliberal por uma outra, mantendo quase que inalterada a lógica da expansão imperial do atual sistema capitalista. Isto é, a lógica da expansão e exploração capitalista continuaria seguindo o seu rumo, substituindo somente a doutrina/ideologia a serviço da elite mundial.
Outra possibilidade seria aproveitar essa crise para repensar o papel do Estado e da sociedade civil na sua relação com o mercado. Ir além das intervenções do Estado na economia para salvaguardar o sistema econômico, em direção à construção de uma sociedade capaz de garantir de modo concreto os direitos sociais para todas as pessoas. Para isso, os movimentos sociais e os `intelectuais orgânicos` deveriam levantar as questões de fundo que estão por trás dessa crise e propor as grandes metas sociais que devem guiar as discussões sobre a economia, no atual momento da crise aguda e também nos momentos seguintes. Isto é, retomar a economia como economia política (nome original do que hoje se conhece como economia ou ciência econômica) e repensar o Estado e os governos como instâncias mediadoras e garantidoras dos direitos humanos e sociais de toda a população.
Nesta luta, surge uma tarefa urgente para intelectuais orgânicos, intelectuais acadêmicos ou não que fazem suas reflexões articuladas ou em favor das lutas populares e sociais: a elaboração de um novo pensamento e discurso crítico do capitalismo. Nos últimos 25 anos, o principal foco das críticas foi o neoliberalismo. Alguns teólogos da libertação contribuíram de modo decisivo com a formulação de categorias como `idolatria do mercado` para desvelar e critica a absolutização do mercado feito por neoliberalismo. Podemos dizer que uma boa parte da esquerda cristã na América Latina foi influenciada por este tipo de pensamento na sua luta. (Em alguns casos, até ocorreu quase uma identificação do neoliberalismo com o próprio capitalismo.)
As ações dos governos dos países capitalistas mais ricos e o rumo que está tomando o debate econômico sobre a atual crise mostram que novos discursos legitimadores (pós-neoliberais) do capitalismo estão sendo ou serão construídos. Novas realidades e novas formas de legitimação das dominações e injustiças do capitalismo exigem de nós a reformulação do nosso discurso crítico e também das propostas e ações sociais concretas. Uma tarefa importante para aqueles/as comprometidos com o cristianismo de libertação e com as propostas originais da teologia da libertação.
Jung Mo Sung é pós-doutorado em Educação (2000), doutor em Ciências da Religião (1993) e autor de `Cristianismo de Libertação: espiritualidade e luta social`, Ed. Paulus).
Fonte: AEPET.
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