quinta-feira, 30 de outubro de 2008

ARTIGO - Orgia especulativa.

Ao final do ano de 1929, a superaquecida Bolsa de Wall Street se desmoronou, arrastando consigo a economia mundial. Imensas fortunas se desfizeram da noite para o dia e as ruas das principais cidades do mundo se encontraram inundadas por milhões de desempregados. Como reação ao excesso de liberdade que havia conduzido ao `crack` da Bolsa, se iniciou uma nova era de regulações e controles.

Durante anos, a supervisão e regulamentação dos mercados financeiros foram a tônica dominante. Em 1º de maio de 1975 esta tendência começou a reverter-se. Nesta data se iniciou nos Estados Unidos um processo de desregulação paulatino. A aceleração que começou a ocorrer nas transações financeiras, sob este novo ambiente de abertura, chegou a inquietar a alguns investidores. Em 1978, o Prêmio Nobel de Economia, James Tobin, lançou um alerta contra um mecanismo de transações que, a seu juízo, estava adquirindo demasiada agilidade.

Para ele era necessário colocar um pouco de areia na engrenagem para mantê-la frenada. Propôs entre outras medidas, a criação de um imposto de 0,5% sobre transações financeiras, cada vez que os capitais cruzassem uma fronteira. Longe de seguir o seu conselho, o mercado bursátil norte-americano acelerou o seu processo de desregulamentação com a chegada de Ronald Reagan ao poder.

A Inglaterra de Margaret Tatcher, sempre disposta a seguir seus exemplos de liberalização econômica, iniciou a desregulação do seu mercado bursátil em 1986, o que foi denominado de `big bang` da Bolsa de Londres. Daí em diante este novo rumo começou generalizar-se e as transações financeiras adquiriram um extraordinário dinamismo. As principais bolsas do mundo, funcionando continuadamente as 24 horas do dia (umas abrindo enquanto outras fechavam ao redor do planeta), evidenciavam para o ano seguinte (1987) níveis de intercâmbio entre 150 e 300 bilhões de dólares, por dia.

Enquanto a euforia se apoderava dos mercados, a borbulha financeira ia se inflando cada vez mais. Bastava a ocorrência de uma má notícia para que todo o sistema cambaleasse e sentisse seus efeitos malévolos. Em outubro de 1987, as bolsas do mundo inteiro se encontravam ante uma situação de pânico. O déficit comercial norte-americano, muito maior do que o previsto e a alta das taxas de juros na Alemanha, bastaram para sacudir o mercado em suas bases.

Somente em um dia (19 outubro) o índice Dow-Jones perdeu 508 pontos. Um bilhão de dólares foram perdidos pelos Estados Unidos como resultado dessa crise. A invasão do Kuwait, pelo Iraque, em agosto de 1990, deu origem a uma segunda crise nos mercados, embora menos violenta do que a anterior. Entretanto, apesar dessas advertências, o mercado continuou crescendo e reaquecendo-se cada vez mais. Aproximadamente três trilhões de dólares se mobilizavam diariamente nos mercados bursáteis do mundo de hoje, ao amparo da moderna tecnologia de instantaneidade das comunicações e sob o ambiente de `laissez faire` imperante.

O volume de dinheiro que as bolsas manejam é simplesmente incomensurável... A revista Veja, em sua edição de 29 de março de 1995, chegou a afirmar que pelos mercados de ações do mundo circulam 32 trilhões de dólares o que, por sua própria magnitude, custa-se a crer e muito mais assimilar. A revista Business Week, edição de 12 de dezembro de 1994, em um instigante trabalho intitulado `A Nova Era do Dinheiro`, faz uma asseveração capaz de eriçar os pelos do mais frio analista: `a definição do dinheiro, como conceito, corre o risco de perder todo o significado`.

A razão desta afirmativa é muito simples: a combinação entre uma economia de papel e a proliferação de instrumentos de alta tecnologia, que permitem a mobilização quase instantânea de bilhões de dólares, estão conduzindo a níveis de abstração difíceis de serem manejados pela mente humana.

Um novo tipo de produto financeiro, os chamados `derivados`, torna-se particularmente perigoso em relação à advertência formulada pela revista Business Week. Combinando o raciocínio matemático e o sentido tradicional das apostas e contando com a ajuda de supercomputadores, se montam modelos de inversões `derivativas` cada vez mais complicados.

George Soros, um dos especuladores bursáteis mais ricos do mundo, assinalou o seguinte: `O crescimento explosivo de instrumentos derivativos traz grandes perigos. Eles são muitos e alguns deles tão exotéricos que os riscos envolvidos podem não ser adequadamente compreendidos, inclusive pelo mais sofisticado dos investidores`.

Os riscos que trazem os instrumentos derivativos não se fizeram esperar. A lista de perdas geradas através destes títulos nos últimos anos são impressionantes. O veterano investidor bursátil Michael Steinhardt perdeu aproximadamente um bilhão de dólares.

A companhia alemã Mettalgesellschaft perdeu, também, outro bilhão. O Bankers Trust fez seus clientes perderem - entre eles a Procter & Gamble - ao redor de quinhentos milhões. O financista David Askin e o Condado de Orange, na Califórnia, perderam cada um dois bilhões. George Soros, anteriormente citado, teve uma perda de seiscentos milhões. O Banco Barings acabou falindo após haver perdido mais de um bilhão de dólares.

Não é sem razão que numerosas vozes insistem em uma nova era de supervisão e regulação dos mercados financeiros. Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, se opôs taxativamente a esta possibilidade, aduzindo as virtudes do liberalismo econômico. Com um maior sentido comum, entretanto, um homem do meio econômico financeiro como George Soros tem insistido na imperiosa necessidade de supervisionar e regular. Segundo ele, `Os mercados financeiros são inerentemente instáveis e suscetíveis de quebra, salvo quando a estabilidade seja introduzida como um objetivo explícito de política governamental.`

O reconhecido economista e ex-primeiro ministro francês, Raymond Barre vinha freqüentemente alertando que se não nos utilizássemos dos instrumentos de regulação e controle, em nível mundial, brevemente enfrentaríamos um novo `crack`. E mais, tinha assinalado o seguinte: `Não podemos deixar o mundo em mãos de um bando de irresponsáveis de trinta anos que só pensam em fazer dinheiro`.

Diante deste curioso cenário, cabe-nos perguntar: Até quando poderá persistir a situação atual no que concerne aos mercados financeiros especulativos? Até quando a `orgia dos Yuppies` permanecerá sem controle neste mundo globalizado?

Manuel Cambeses Júnior, coronel-aviador, conferencista especial da ESG, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e vice-diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.

Publicado originalmente: Tribuna da Imprensa (27/10/08).
Fonte:AEPET.

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