"Aqueles de nós, eu inclusive, que esperávamos que o interesse próprio das instituições de empréstimo protegesse os acionistas, estão em estado de descrença e choque"
(Alan Greenspan, ex-presidente do FED)
Greenspan em estado de choque?
Oh, que dó...
A frase foi dita por ele, durante depoimento ao Congresso estadounidense, na última quinta-feira.
O oráculo do mercado reconheceu publicamente que (durante o período em que comandou o Banco Central dos Estados Unidos) errou, "parcialmente", ao defender a auto-regulamentação do mercado como o caminho mais curto para o desenvolvimento.
Greenspan, ao menos, reconhece o erro "parcial". Mas, e os filhotes de Greenspan no Brasil?
Repare, leitor, que o ex-presidente do FED (fede?) fala também em "descrença", como se o neo-liberalismo fosse uma espécie de religião - hoje colocada em questão.
Durante 20 anos, como jornalista, fui obrigado a entrevistar "consultores" brasileiros que reproduziram por aqui as idéias do oráculo de Washngton.
O Brasil precisa fazer a "lição de casa", repetiam os "especialistas" como se fosse uma oração.
Nenhum desses consultores parece estar em estado de choque...
"Lição de casa". Chego a sentir engulhos quando ouço esta expressão. É expressão sobretudo, de subserviência, como se o Brasil estivesse ainda na escola primária, e devesse aprender os ensinamentos de Greenspan e outros mestres.
A consultoria mais ouvida do Brasil (sintomaticamente, fica na rua Estados Unidos, em São Paulo) tem como um dos sócios um "especialista" que, quando esteve no governo Sarney, ajudou a levar a
inflação a 80% ao mês.
Hoje, ganha dinheiro, pregando aos brasileiros: é preciso fazer a "lição de casa", desregulamentar, privatizar, liberalizar tudo...
Como jornalista, reconheço que errei ("parcialmente", é verdade) por entrevistar tantas vezes a turma da "lição de casa". Digo "parcialmente" porque tentei equilibrar o jogo, eu juro, ouvindo também Paulo Nogueira Batista, Júlio Gomes (do IEDI) e outros poucos economistas que não se contaminaram pelas teses do professor Greenspan.
O Brasil, felizmente, não foi um bom aluno de Greenspan. Apesar do esforço de nossos "consultores", fizemos só metade da lição de casa (principalmente, no governo FHC; Lula não teve coragem e/ou condições políticas de mudar o sistema, mas ao menos estancou o processo).
Do contrário, teríamos vendido tudo - como a Argentina de Menem. Não teríamos BNDES, Banco do Brasil e Caixa - instrumentos
decisivos para enfrentar a crise que se agiganta.
O curioso é que o jornalismo (?) econômico brasileiro parece viver ainda na fase da "lição de casa".
A entrevista de Guilherme Barros com Paulo Setúbal (dono do Itaú) - na Folha de quinta-feira, 24/10 - chega a ser engraçada.
Sobre a MP de Lula, que permite ao BB e à Caixa comprarem bancos à beira do colapso, o repórter pergunta:
"Não cheira a estatização?".
Estatização deve cheirar muito mal para quem passa o tempo ouvindo só os mesmos "consultores".
Estatização fede? Ou Fed?
Interessante que Paulo Setúbal não tenha dado a resposta que o jornalista esperava. Veja que ele disse:
"Ninguém é obrigado a vender banco. (...) o que [essa medida] mostra é que o governo está comprometido a manter a funcionalidade do setor".
O problema não é estatizar. O problema hoje é como estatizar. Lula não pode dar dnheiro pra banqueiro. O Estado precisa assumir o controle. Não pode estar preocupado apenas cm a "funcionalidade do setor".
Gostaria de lembrar que, se não fosse o Estado, se não fosse a luta de alguns bravos brasileiros em defesa do interesse nacional, se não fosse a existência de três ou quatro grandes estadistas ao longo de nossa história, o Brasi ainda seria uma grande Fazenda.
Certo jornalismo (?) econômico brasileiro talvez tenha saudade do tempo das fazendas. Aquele, sim, era um país livre da praga estatista. Cada proprietário podia dispor livremente de suas mecadorias, incluindo os trabalhadores escravos, sem prestar contas ao Estado.
No Brasil, liberalismo teve sempre um signifcado: liberdade para os proprietários.
Tanto que, durante o Império, havia quem se definsse como "liberal" e defendesse traquilamente a Escravidão:
abolir a escravidão era atacar o sacrossanto direito à propriedade privada.
Talvez, naquele época, abolicionismo significasse uma forma torpe de intervenção estatal.
Quando Vargas decidiu industrializar o país, houve também críticas de setores que viram nisso um atentado contra a "natural vocação agrária" brasileira, como uma intervenção "artificial" e inadequada.
E a campanha do "Petróleo é Nosso"? Quantos liberais não torceram o nariz...
Gastar dinheiro público para procurar petróleo nesses trópicos?
Hoje, o odor da estatização se espalha pelo mundo. E não deveria espantar quem conhece a história do Capitalismo.
Volto a Immanuel Wallerstein (que eu saiba ele nunca foi "consultor"), citado em meu post anterior.
Wallerstein lembra, no seu "Capitalismo Histórico & Civilização Capitalista (no Brasil, pela ed. Contraponto):
"(..) dada a estrutura do capitalismo histórico, as alavancas mais efetivas de ajuste político têm sido as estruturas do Estado (grifo meu), cuja prórpia construção, como vimos, foi uma das realizaçõss do capitalismo histórico. Assim, não é por acaso que o controle do poder estatal, a conquista do poder de Esatdo, tenha sido o objetivo estratégico central de todos os principais atores da esfera politica ao longo da história do captalismo moderno".
Por isso, nosso jornalismo (!) econômico está tão preocupado com o "estatismo" no Brasil.
Bem agora que a ideologia liberal afunda, e que as corporações já não são capazes (será?) de dar conta de seu futuro, bem agora que do Estado virá a arbitragem final, bem agora, veja só (que azar!) quem está
no controle das alavancas no Brasil!
É por isso que editorais de jornais (?) paulistas tentam derrubar o Ministro da Fazenda. Eles querem as alavancas nas mãos certas! Nas mãos dos velhos liberais de araque. Eles ainda vivem como se Brasil fosse uma grande fazenda.
Essa é a disputa!
Daí, sim, virá muito mau-cheiro.
Fonte:Blog do Rodrigo Vianna.
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