Luis Hernandez Navarro
La Jornada
Uma das principais causas da atual crise alimentar mundial é a especulação financeira, concordaram hoje vários oradores que participam na Quinta Conferência da Via Campesina. "Contudo", disse o indiano Shalmali Gutri, da Focus on the Global South, "isso não se fala nos relatórios oficiais."
A agricultura foi aprisionada pelo capital financeiro; já não é sequer capaz de definir os seus preços, disse João Pedro Stedile, dirigente do Movimento Sem Terra (MST), do Brasil e um dos mais conhecidos líderes camponeses em todo o mundo.
"Devido à crise financeira nos Estados Unidos, -diz o documento de trabalho da Via Campesina para o congresso-, especuladores começaram a trocar os produtos financeiros pelas matérias-primas, incluindo produtos agrícolas. Isto afeta diretamente os preços no mercado interno, uma vez que muitos países estão cada vez mais dependentes das importações alimentares. Isto está acontecendo enquanto ainda há comida suficiente no mundo para alimentar a população mundial. "
O preço elevado dos produtos agrícolas não veio para aqueles que o produzem no campo. O mexicano Alberto Gómez, um membro da coordenação internacional da Via, disse que enquanto os especuladores e grandes comerciantes se beneficiam da atual crise, a maioria dos homens e das mulheres do campo não recebem os benefícios. "Semeiam, mas a colheita está comprometida com os credores, os especuladores e raposas de colarinho branco dos fundos de investimento. "
Na Bolsa de Chicago, ilustra João Pedro Stedile, já foram vendidas as safras dos próximos sete anos. Ainda não foram produzidas, mas já têm dono!
As referências às estreitas relações entre a crise financeira, ambiental, ecológica e energética são comuns nas ações de delegados regionais em mesas redondas e painéis de discussão do congresso.
"Nunca se tinha visto uma crise como a atual. E nós não a criamos", disse o hondurenho Rafael Alegria. "A humanidade está ameaçada, mas não por nós. Pelo contrário, somos aqueles que garantem os alimentos. Agora, no entanto, é o capital financeiro, que tem o controle das colheitas. Com elas especulam. Somos nós os chamados a produzir a comida que faz falta. Nem os excedentes da União Européia, nem dos Estados Unidos poderão resolver o problema. "
"Em nossos países, se produziram revoltas pela fome, mas ocorreram nas cidades, onde se consomem alimentos importados, e não no campo", diz Ibrahima Coulibaly do Mali. "Nas nossas aldeias não houve problemas. Mas, em vez de consumir as nossas colheitas, os governos decidiram subsidiar alimentos importados”.
Os dados apresentados no encontro são devastadores. Mostram como, apesar de a produção se manter em níveis altos, a aposta dos especuladores na escassez para aumentar artificialmente os preços tem sido bem sucedida. A produção mundial de grãos no biênio 2007/2008 está estimada em 2 bilhões 108 milhões de toneladas, representando um aumento de 4,7 por cento da colheita do biênio anterior. No entanto, o número de famintos no mundo tem crescido acentuadamente, atingindo a cifra de um bilhão de pessoas.
João Pedro Stedile resumiu em cinco pontos a ofensiva do capital financeiro internacional para o controle da agricultura, através de vários mecanismos. Primeiro, através dos seus excedentes financeiros de capital, e os bancos começaram a comprar ações de centenas de empresas que operam em diferentes setores ligados à agricultura. E a partir do controle da maioria das ações, promoveu um processo de concentração monopolista.
Segundo, pela dolarização da economia global. Isto permitiu que as transnacionais se beneficiassem de taxas de câmbio favoráveis e entrassem nas economias nacionais comprando facilmente as empresas locais, dominando assim os mercados produtores e o comércio dos produtos agrícolas.
Terceiro, utilizando as regras impostas por agências internacionais como a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e os acordos multilaterais, que normalizaram o comércio de produtos agrícolas conforme os interesses do grande capital, e obrigou os governos servis a liberalização do comércio desses produtos.
Quarto, graças ao crédito bancário. A produção agrícola, cada vez mais dependente de insumos industriais, ficou à mercê da utilização de empréstimos bancários para financiar a produção. E estes financiaram a implantação e o domínio da agricultura industrial em todo o mundo.
Por último, na maioria dos países, os governos abandonaram as políticas públicas de proteção do mercado agrícola e da economia rural.
As conseqüências da crise financeira no campo já começaram a ser sentidos. O coordenador geral da Via Campesina, o indonésio Henry Saragih, disse que se está negando o crédito e sem crédito não é possível cultivar a terra.
A crise ", diz Dena Hoff, da Coalizão dos Agricultores Familiares dos Estados Unidos pode ser a favor dos camponeses" a oportunidade que bate à porta." Shalmali Gutri concorda com ela e diz que o tsunami tem servido para abalar e questionar a fé neoliberal. A agricultura não empresarial está ganhando legitimidade.
João Pedro Stedile concorda. Segundo ele, "graças a Deus, e que Deus continue a ser um camponês, a crise abre grandes oportunidades". Não é o momento para ficar com os braços cruzados assistindo como cai o capitalismo, mas para participar no seu funeral.
Fonte: Blog do Velho Comunista.
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