Por Jorge Nascimento Rodrigues em 22 Outubro 2008
As bolsas mundiais parecem continuar a não acreditar nas cimeiras e políticas promovidas pelos governos dos Estados Unidos, União Europeia e Japão. A derrocada parecia ter batido no fundo no dia 10 de Outubro, mas não está garantido que esse mínimo não seja ultrapassado em breve.
A multiplicação de reuniões internacionais, de facto, não acalma as bolsas. A divulgação dos maus resultados das empresas cotadas abate o moral.
No final desta semana decorre em Beijing um encontro entre europeus e asiáticos no âmbito de uma relativamente apagada ASEM-Asia Europe Meeting, um fórum de 44 países a que se junta a Comissão Europeia, que, no entanto, desperta uma expectativa moderada.
Expectativa alta para 15 de Novembro
Entretanto, o presidente cessante dos Estados Unidos convocou para a região de Washington uma reunião para 15 de Novembro de um grupo de 20 países, reunindo o G8 dos “industrializados” (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá, e Comissão Europeia), os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e um grupo heterogéneo incluindo a África do Sul, Argentina, Arábia Saudita, Austrália, Coreia do Sul, Indonésia, México e Turquia, bem como o FMI e o Banco Mundial. Este G20 foi criado depois da crise asiática de 1997-1998.
A equipa do novo presidente americano, que será eleito a 4 de Novembro, deverá já participar e é um dos motivos de expectativa elevada. Se Barak Obama ganhar será curioso avaliar em que sentido apontarão os seus conselheiros económicos como o investidor Warren Buffett ou o ex-presidente da Reserva Federal, Paul Volcker, antecessor de Alan Greenspan, ou ainda dois ex-secretários do Tesouro de Bill Clinton, Robert Rubin e Lawrence Summers.
Buffett e Volcker são alguns dos pesos pesados ‘à direita´ mobilizados por um jovem professor da Universidade de Chicago, Austan Goolsbee, considerado pelo Financial Times como um dos «seis gurus do futuro», que funciona desde há vários anos como braço direito de Obama para os assuntos económicos.
Os desafios que se colocam a esta cimeira são enormes: evitar que a bola de neve da crise financeira se transforme numa recessão à escala mundial (previsão que ainda não se coloca, segundo o FMI) e que uma guerra financeira mundial estoire entre países ou grupos de países, de que os conflitos entre o Reino Unido e a Islândia foram um pequeno sinal.
Volatilidade jamais vista
Face à desconfiança reinante, assistimos a mais duas semanas deste ‘Outubro Negro’ de alta volatilidade com subidas repentinas e quedas brutais na Wall Street – a bolsa que ainda continua a ser de referência - a atingirem o nível mais elevado desde a Grande Depressão de 1929 a 1932, segundo o estudo do índice S&P 100 realizado por Nicholas Bloom, professor de Economia da Universidade de Stanford.
Este tipo de volatilidade não é novidade - é típico da parte final de um ciclo bolsista negativo («bear market»), como sublinha o Professor Jeremy Siegel, da Universidade de Wharton. O que espanta é a sua variância.
O índice Dow Jones norte-americano aproxima-se de uma correcção superior a 40%, o que coloca a actual crise financeira como uma das maiores desde a 2ª Guerra Mundial e, desde já, a maior desde 1973-1974 (então 45%). Contudo, a dimensão do que aconteceu em 1973-1974 está ainda longe de se verificar. Siegel faz o contraste: “O pânico de 1974 foi seguido por inflações de dois dígitos, taxas de juro de 15 e 20%, desemprego acima dos 10%”.
As pechinchas de Buffett
Warren Buffett veio apelar, no The New York Times, para que os investidores e fundos corram às compras em Bolsa porque, agora, as valorizações são uma pechincha. Buffet segue a sua máxima: «seja cauteloso quando os outros são gananciosos, seja ambicioso quando os outros entram em pânico». De facto, muita gente anda de olho nas desvalorizações brutais em bolsa de muitas empresas e bancos para dar um empurrão num movimento de concentração de activo jamais visto. Pânico para uns, oportunidade para outros – e, ainda mais, quando a «mão visível» do Estado dá mesmo uma mãozinha.
Buffett, a velha raposa apoiante de Barak Obama, poderá estar certo – se o DJIA se der por satisfeito com o ponto mais baixo a 10 de Outubro (com 8451,19 pontos), desde o pico deste ciclo bolsista a 15 de Outubro de 2007 (com 14.093,08 pontos). Mas poderá estar errado – se a actual correcção ainda estiver no adro e o DJIA cair abaixo dos 8451,19 pontos. Esteja, por isso, atento a este índice americano.
Entretanto assistimos à primeira vítima nacional da crise financeira, a Islândia, aparentemente à mercê da Rússia (que cobiça a sua localização estratégica) devido ao seu isolamento em relação à Zona Euro, e correm rumores de que a seguir poderá ser a Nova Zelândia e a Argentina (com a estatização de 30 mil milhões de dólares de fundos privados de pensões para reforçar os cofres falidos do estado).
Uma má noticia no Silicon Valley
Apesar dos pacotes sucessivos de medidas tomadas em Londres, em Paris (onde se reuniram os 15 da Zona Euro), em Bruxelas (onde decorreu a cimeira dos líderes da UE), em Washington (que lançou um programa de eventuais tomadas de posição nos principais nove bancos do país no valor de 250 mil milhões de dólares e uma garantia temporária até 2 biliões de dólares por três anos através do Federal Deposit Insurance Corp), nos Grandes Rápidos no Michigan (onde se reuniu o G8 esta semana), e em Tóquio, e da conversa em Camp David (do trio Bush, Sarkozy e Barroso), a notícia não oficial de que a América poderá já ter entrado em recessão neste último trimestre de 2008 abalou a pouca confiança das bolsas.
Janet Yellen, presidente da Reserva Federal (FED) de São Francisco, foi a responsável por esse balde de água fria. Em Palo Alto, no coração do simbólico Silicon Valley, Janet usou o termo “provável”, mas foi o suficiente para provocar uma imediata onda de choque. Entretanto, o “Livro Bege” da FED referiu que a actividade económica americana abrandou em Setembro nos 12 distritos americanos abrangidos pela Reserva Federal.
As previsões de Outono do Fundo Monetário Internacional não prevêem, ainda, recessão nos três pilares da OCDE no próximo ano – mas apenas estagnação nos Estados Unidos (0,1%), na Europa (0,2%) e no Japão (0,5%). Mas o economista Nick Bloom arrisca um prognóstico mais negro: “uma recessão severa em 2009 com uma contracção de 3% do PIB nos dois lados do Atlântico Norte, o que poderá ser a pior crise desde 1974/1975”.
Um problema «tóxico» pendente
O nervosismo bolsista pode ter, também, a ver com um problema pendente: os bancos da Wall Street poderão ter de disponibilizar, a curto prazo, entre 100 a 400 mil milhões de dólares em virtude de terem de ficar resolvidos os CDS (Credit Default Swaps) «tóxicos» que estavam nas mãos do falido Lehman Brothers. E entidades como a intervencionada AIG, «hedge funds» e os grandes bancos da Wall Street que sobram podem não ter esse dinheiro, alertou o analista Peter Cohan.
Os CDS são, apenas, a ponta do icebergue. Só o valor global do «lixo» tóxico em diversos instrumentos financeiros ligados às hipotecas está calculado em 4,7 biliões de dólares (3670 mil milhões de euros), ou seja quase sete vezes mais do que o previsto no inicial Plano Paulson. O economista Herman E. Daly, da Universidade de Maryland, encontrou um número assustador: os activos financeiros transaccionados em operações puramente em “papel” são 20 vezes as transacções financeiras ligadas a «commodities» reais. Não admira, por isso, que seja difícil repor a confiança nos mercados financeiros.
Entretanto, as «start ups» vivem um mau bocado. A queda de 43% do Nasdaq (compósito) desde o último pico em 31 Outubro de 2007 (quando atingiu 2859,12 pontos), a péssima altura para realizar entradas em bolsa e a rarefacção do capital de risco ditam um grande aperto de cinto na inovação tecnológica, um dos motores da América e de muitas empresas tecnológicas pelo mundo fora que vêm no Nasdaq a sua bolsa de referência.
O golpe de ‘Flash’ Gordon
A actual liderança do sistema financeiro mundial pelos americanos parece começar a ser posta abertamente em causa. A própria actuação de Gordon Brown – que o Nobel Paul Krugman apelidou de ‘Flash Gordon’, o herói de banda desenhada - surpreendeu politicamente.
Washington, Bruxelas e Tóquio acabaram por alinhar com a terapia preconizada por Londres de recapitalização das principais instituições financeiras com a ajuda da «mão visível» do Estado e dos contribuintes e aplicando uma acção concertada mais ampla. A acção inglesa poderá levar a que o governo fique com 70% do Halifax Bank of Scotland (HBOS) e 50% do Royal Bank of Scotland.
No caso do governo americano, o secretário Henry Paulson mudou de opinião em menos de um mês: começou por dizer que intervir directamente nos bancos seria confessar o fracasso político, mas acabou, agora, por o admitir com a utilização de 250 mil milhões de dólares para esse efeito. No entanto, sublinhou que as tomadas de posição não implicariam direitos de voto. Nesta viragem de Paulson parecem ter concorrido, também, as pressões ao telemóvel do candidato Obama aconselhado pelo ex-FED Volcker.
Por seu lado, o governo suíço foi o primeiro a tomar uma participação de 9% no gigante UBS (a sua valorização caiu 65% num ano) avançando com um financiamento inicial de 6 mil milhões de francos suíços (4 mil milhões de euros). Seguiu-se o executivo holandês que interveio noutro gigante europeu, o ING Groep, injectando 10 mil milhões de euros. Os alemães, renitentes no início, juntaram-se ao comboio – o gabinete de Angela Merkel conseguiu aprovar no Parlamento um pacote de 500 mil milhões de euros dirigido ao sistema bancário germânico. No fim-de-semana foi a vez da Coreia do Sul (30 mil milhões de dólares, 22 mil milhões de euros).
O expediente, no entanto, não é novo – o Banco do Japão investiu 15 biliões de euros (15.000 mil milhões de euros) entre 2002 e 2004 em acções preferenciais em bancos japoneses para evitar a derrocada, e ainda mantém 70% dessas posições.
Alguns analistas afirmam que Brown pretende devolver a liderança do sistema financeiro mundial à City londrina, face à derrocada da Wall Street nova-iorquina, e antes que outras praças mundiais emergentes da Ásia (Tóquio, Singapura) ou governos (como o chinês, que o Nobel Robert Mundell aconselhou a que aplicasse boa parte das reservas em dólares de que dispõe adquirindo ouro do FMI) procurem explorar a janela de oportunidade.
Também, na área das «commodities» se assiste a movimentações rápidas. Os asiáticos contestam cada vez mais o papel dos mercados de Chicago ou Londres. O TOCOM (Tokio Commodities Exchange) pretende reorganizar-se em Dezembro e no próximo ano são lançados o de Singapura (SMex) e o de Hong Kong (HKMex).
Um novo Bretton Woods?
Face a este desarranjo financeiro mundial, cada vez mais vozes se levantam a exigir a reforma da “arquitectura financeira global”, por um regresso aos princípios de “disciplina” de Bretton Woods estabelecidos em 1944 no New Hampshire, nos Estados Unidos, os quais foram abandonados quando Nixon em Agosto de 1971 decidiu politicamente “libertar” o dólar dessa prisão com vista ao reforço da hegemonia americana no mundo.
O primeiro a levantar a voz no sentido desse regresso foi Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, num discurso no Clube Económico de Nova Iorque. Gordon Brown secundou-o de seguida. Richard Philips, analista da S-Network Global Indexes, apresentou no ‘The Globalist’, a ideia de um nova cimeira em Bretton Woods, de onde poderia sair um Fundo Global e uma autoridade mundial de supervisão que acabasse com “as estratégias de desregulação competitiva”.
Os maiores interessados nessa mudança são, de facto, a Europa, o Japão e os BRIC. Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, apelou abertamente a que seja criado um mecanismo regulador que se baseie num cabaz de moedas que inclua não só o dólar, como o euro, o iene, o reminbi e o próprio real, logo que se torne convertível. O ex-primeiro ministro da Tailândia já propôs o lançamento de obrigações asiáticas baseadas no que chamou de “dólar externo”. Um membro do concelho do Banco Central Europeu, Ewald Nowotny, considerou que era fundamental o desenvolvimento de um sistema “tripolar” de divisas.
O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, afirmou recentemente que é necessário complementar o G7 ou G8, criando uma nova comissão de preparação das ordens de trabalho das reuniões que seja “mais fluida e aberta”, adicionando países como o Brasil, China, Índia, México, Arábia Saudita e África do Sul, de acordo com os assuntos a tratar.
Fonte: Blog Janela na Web.
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