Um amigo me apontou uma curiosidade que divido com vocês. A original em inglês da música “16 toneladas” trata de um caso de trabalho escravo. Talvez acostumado à letra mais alegre da versão samba-rock em português, não me atentei nas vezes que ouvi a música original. Gravada pela primeira vez em 1946 por Merle Travis, ela discorre sobre a miséria em minas de carvão:
You load sixteen tons, and what do you get?
Another day older and deeper in debt.
Saint Peter, don’t you call me, ’cause I can’t go;
I owe my soul to the company store…
Em tradução livre:
Você carrega 16 toneladas e o que ganha com isso?
Um outro dia mais velho e mais afundado em dívida.
São Pedro, não me chame, porque eu não posso ir;
Eu devo minha alma à loja da companhia.
O segundo verso fala da servidão por dívida, que ainda é uma das formas mais comuns de manter alguém escravizado no Brasil. Ao ouvir rumores de que existe serviço farto em fazendas, o peão vai para esses locais espontaneamente ou é aliciado por gatos (contratadores de mão-de-obra que fazem a ponte entre o empregador e o peão). Já na chegada, o peão vê que a realidade é bem diferente do que havia sido prometido.
A dívida que tem por conta do transporte aumentará, uma vez que o material de trabalho pessoal é comprado na cantina (loja) do próprio gato, do dono da fazenda ou de alguém indicado por eles. Os gastos com refeições, remédios, pilhas ou cigarros vão para um “caderninho”, e o que é cobrado por um produto dificilmente será o seu preço real. Cobra-se por alojamentos precários, sem condições de higiene. No dia do pagamento, a dívida do trabalhador é maior do que o total que ele teria a receber – isso considerando que o acordo verbal feito com o gato é quebrado, tendo o peão direito a um valor bem menor que o combinado. Ao final, quem trabalhou meses sem receber nada acaba devedor do gato e do dono da fazenda, e tem de continuar suando para poder quitar a dívida.
A música original bem que poderia estar sendo cantada por bóias-frias, cortadores de cana no interior do Brasil, que colhem no braço 16 toneladas por dia. Alguns milhares deles em situação de trabalho escravo e muitos outros em condições precárias e de superexploração. Do século 20 nas minas de carvão ao 21 nos canaviais mudam-se os rótulos, mas as garrafas permanecem as mesmas.
Segue o original completo, em inglês:
Some people say a man is made outta mud
A poor man’s made outta muscle and blood
Muscle and blood and skin and bones
A mind that’s a-weak and a back that’s strong
You load sixteen tons, what do you get
Another day older and deeper in debt
Saint Peter don’t you call me ’cause I can’t go
I owe my soul to the company store
I was born one mornin’ when the sun didn’t shine
I picked up my shovel and I walked to the mine
I loaded sixteen tons of number nine coal
And the straw boss said “Well, a-bless my soul”
You load sixteen tons, what do you get
Another day older and deeper in debt
Saint Peter don’t you call me ’cause I can’t go
I owe my soul to the company store
I was born one mornin’, it was drizzlin’ rain
Fightin’ and trouble are my middle name
I was raised in the canebrake by an ol’ mama lion
Cain’t no-a high-toned woman make me walk the line
You load sixteen tons, what do you get
Another day older and deeper in debt
Saint Peter don’t you call me ’cause I can’t go
I owe my soul to the company store
If you see me comin’, better step aside
A lotta men didn’t, a lotta men died
One fist of iron, the other of steel
If the right one don’t a-get you
Then the left one will
You load sixteen tons, what do you get
Another day older and deeper in debt
Saint Peter don’t you call me ’cause I can’t go
I owe my soul to the company store
Fonte:Blog do Sakamoto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário